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POR QUE OS JUROS DO CARTÃO DE CRÉDITO EXPLODIRAM NO BRASIL

Juros do rotativo do cartão de crédito superaram 450% neste ano. Fatores estruturais tornam as taxas historicamente altas no Brasil

O Brasil pode estar a poucas semanas de um corte na taxa básica de juros, mas essa nova direção na política monetária não deve fazer muita diferença para uma parcela significativa dos consumidores no Brasil: os endividados do cartão de crédito, que enfrentam juros superando 400% ao mês – e que devem permanecer por muito mais tempo nesse patamar, segundo especialistas ouvidos pelo Metrópoles.

Os juros cobrados pelos bancos na modalidade do rotativo do cartão de crédito chegaram a 455% ao mês em maio, subindo mais de 40 pontos percentuais desde janeiro. A taxa média é a maior desde 2017, segundo o Banco Central.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem afirmado que tentará “encontrar um caminho” para uma possível redução nos juros. Até o momento, não há propostas concretas divulgadas com exceção do Desenrola, programa para renegociação de dívidas.

“O desenho do crédito do cartão rotativo está prejudicando muito a população de baixa renda. Uma boa parte do pessoal que está no Serasa hoje é por causa do cartão de crédito”, afirmou. “As pessoas não conseguem sair do rotativo. É preciso encontrar um caminho negociado como fizemos com a redução do consignado dos aposentados.”

É uma briga de décadas travada no Brasil, e com cenários complexos. Os motivos para o juro “exorbitante” no cartão de crédito, nas palavras de Luiz Rabi, economista-chefe do Serasa Experian, vão do tipo de modalidade, mais arriscada para os bancos, a fatores estruturais do país, como a inadimplência e a concentração no sistema financeiro.

“Praticamente tanto faz onde está a Selic: se for 10%, 9%, e a inadimplência continuar alta, o juro do cartão vai continuar 300% da mesma forma”, diz Rabi.

Os riscos do cartão de crédito

Em cenário de aumento do custo de vida dos brasileiros com a inflação nos últimos anos, o cartão de crédito e o cheque especial foram as modalidades de crédito que mais cresceram. O número de clientes usando cartão de crédito aumentou 31% entre 2019 e 2022, segundo o Banco Central.

Ao oferecer crédito no cartão, os bancos faturam quando ocorre a compra, diante de taxas cobradas dos lojistas. Enquanto isso, oferecem aos clientes a possibilidade de pagar a compra em até 30 dias, ou parcelar o valor total. Porém, as instituições correm o risco de não receber o valor total emprestado. Assim, as cobranças ocorrem de tal forma a cobrir os custos dos muitos inadimplentes.

 “Tudo se resume a uma conta de risco e retorno. Quando se tem um financiamento imobiliário, por exemplo: o cliente tem incentivo total de pagar porque não quer perder o imóvel. No rotativo, não é assim”, diz Danilo Coelho, diretor de dados da Quod, que utiliza dados para oferecer soluções de análise de crédito e combate a fraudes.

“Além disso, há um risco permanente para a instituição: o banco libera, digamos, R$ 1.000, e o cliente pode ou não usar, mas o crédito fica ali exposto, inclusive a fraudes. É diferente de outros empréstimos, quando é autorizado uma só vez. Todos esses riscos fazem o produto ser mais caro do que outras linhas de crédito.”

O conselho dos educadores financeiros é sempre o mesmo: evitar o crédito de curto prazo e sem garantias oferecido no rotativo, uma vez que outras linhas de crédito têm custos menores. Das dívidas com cartão, mais de 60% é de uso em supermercados, segundo o Serasa.

“No Brasil, o acesso ao crédito ainda é um acesso que não é trivial. E aí o cartão de crédito entra de forma fácil: o crédito ao consumidor é apresentado no Brasil praticamente através do cartão”, diz David Mourão, fundador e CEO do Linker, banco digital especializado na pessoa jurídica. Mesmo no caso das empresas, parte do problema é parecido. “O descasamento de fluxo de caixa é um dos piores problemas para as empresas no Brasil. E às vezes empresa resolve isso no cartão, que é muito mais fácil do que ir ao banco”, explica.

Juros do cartão mais altos no Brasil

Apesar dos desafios tradicionais do cartão de crédito, o Brasil se destaca em relação aos demais países.

Nos EUA, o Federal Reserve, banco central do país, acaba de anunciar que as taxas médias do cartão de crédito atingiram seu maior patamar desde 1994: ainda assim, o número ficou em 21% (enquanto a taxa básica do país está entre 5% e 5,25%).

Na Europa, os juros do cartão também giram em torno de 20% ou menos ao ano, a depender do país e do perfil do cliente. Mesmo outros países latino-americanos, como Chile e México, têm taxas médias abaixo de 40%.

“Então, embora a taxa Selic seja só a taxa básica e o crédito mais arriscado seja muito mais alto do que isso, você pode me dizer que existe uma diferença entre 13,75% [da Selic] e 2.000% ao ano no cartão de crédito”, afirma o economista Sillas Cezar, professor da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap).

Especialistas argumentam que o mercado de crédito brasileiro ainda enfrenta questões próprias, como a baixa concorrência entre os bancos.

Embora o número de bancos tenha aumentado com a proliferação de bancos digitais, mais de 60% do mercado de crédito continua concentrado nos cinco maiores bancos (Itaú, Banco do Brasil, Bradesco, Santander e Caixa Econômica Federal).

“A inadimplência não explica tudo: nossa inadimplência absoluta é alta em relação ao resto do mundo, mas é até espantoso que seja ‘só’ isso levando em conta que os juros são historicamente mais altos e o Brasil tem muita informalidade – ou seja, uma renda menos certa no fim do mês”, argumenta Cezar. “O cartão de crédito é uma modalidade de muito mais risco e muito mais cara, mas essa diferença é potencializada, no Brasil, pela concentração do mercado. Teríamos de ter muito mais bancos.”

Transparência é uma das soluções

O Brasil já passou por uma reforma no sistema do cartão de crédito em 2017, quando a conta devida no rotativo passou a ter um limite de 30 dias. Passado esse período, o banco deve parcelar o saldo devedor ou oferecer outra forma de quitação da dívida, para evitar que o cliente permaneça “pedalando” no rotativo eternamente e transforme uma dívida de R$ 100 em montante impagável após poucos meses, explica Rabi, do Serasa.

Para o futuro, outras ações regulatórias podem ocorrer, embora economistas sejam unânimes em apontar que o governo não tem condições de tomar medidas como algum tipo de tabelamento de juros.

“A médio prazo, é preciso criar condições para aumentar a concorrência e melhorar o cenário macroeconômico para possibilitar uma redução em juros e inflação. No longo prazo, trabalhar a educação financeira dos brasileiros. Pode demorar uma geração, mas em algum momento temos de começar”, diz Rabi, do Serasa.

A atuação do Banco Central em frentes como o Open Finance, que permite maior compartilhamento de dados entre as instituições, também será crucial na transparência e oferta de melhores produtos, na visão de fontes do mercado.

“Se perguntarmos a uma pessoa ou empresa quanto ela paga de juros se atrasar o cartão de crédito, provavelmente ela não saberá responder. Eu também não sei”, diz Mourão, do Linker. “O Open Finance é uma das grandes soluções que enxergamos para esse processo de democratização da informação, para conseguir oferecer produtos melhores para cada cliente. Para mim, será um divisor de águas tão ou mais importante do que o Pix.”

Ainda assim, o cartão de crédito, o cheque especial e a maior parte das linhas de crédito mais arriscadas no Brasil não devem ter taxas melhores tão cedo, com ou sem corte na Selic. “Não é um tema que se resolverá em uma canetada”, resume Cezar.

Por Carolina Riveira – Metrópoles

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