‘2067’ NOS FAZ QUESTIONAR NOSSO FUTURO NA TERRA
Vamos aproveitar os alertas de temperaturas recordes no Brasil – e em outros países – na primeira semana da primavera, para falar do filme ‘2067’
No crepúsculo sombrio do século XXI, a humanidade enfrenta uma encruzilhada de proporções cataclísmicas. O aquecimento global – um fato inegável – provocou uma crise climática que ameaça a própria existência da Terra, toda a vegetação foi extinta, e há uma epidemia de doenças respiratórias – devido a baixa qualidade, e oxigênio escasso. Enquanto o mundo real de 2023 se enreda cada vez mais em debates e ações urgentes sobre o clima, o filme australiano 2067 (lançado em 2020), dirigido por Seth Larney (The Clearing, Shadow City), nos convida a uma viagem ao futuro incerto e desafiador.
Ficção científica, mas nem tanto
Em um mundo devastado pela mudança climática, a humanidade encontra-se à beira da extinção. A atmosfera tornou-se tóxica, tornando a superfície da Terra quase inabitável. A única esperança reside em uma tecnologia experimental – que acaba sendo uma máquina de viagem no tempo – que manda uma mensagem específica ao passado “Enviem Ethan Whyte”. A história segue Ethan Whyte, interpretado por Kodi Smit-McPhee (Ataque dos cães, Deixe-me Entrar) um jovem trabalhador de manutenção, filho de um brilhante cientista (que está morto), onde espera-se encontrar uma solução para a crise – uma cura. O filme é uma jornada emocionante e repleta de suspense, enquanto Ethan desvenda os mistérios do futuro e luta para salvar a humanidade.
O suspense é uma parte fundamental de 2067. À medida que Ethan desvenda os segredos do futuro, somos mantidos à beira de nossos assentos, ansiando por respostas. Esse suspense reflete a incerteza que sentimos em relação ao nosso próprio futuro climático. Além disso, as conexões humanas são um aspecto essencial do filme. Ethan forma laços poderosos, destacando a importância da solidariedade em face da adversidade, um valor que pode ser aplicado às nossas próprias ações para enfrentar a crise climática. O filme também expõe a ganância corporativa e o privilégio da elite – não serei mais específica para não dar spoilers.
Seth Larney, o diretor de 2067, é um cineasta que se destaca por sua habilidade em criar mundos distópicos que refletem questões sociais e ambientais contemporâneas. Seu trabalho anterior inclui outros filmes com temas semelhantes, consolidando-o como um defensor ativo da conscientização climática através do cinema. O roteiro foi escrito por Jenna Avery, que também demonstra uma profunda sensibilidade para explorar questões complexas em suas histórias.2067 é mais do que um filme de ficção científica; é um apelo à nossa consciência coletiva. A crise climática é uma realidade inegável, e o filme nos convida a enfrentá-la de frente. As conexões entre a narrativa e nossa situação atual são assustadoramente claras, servindo como um alerta para as consequências da inação.
Conexões com a Crise Climática de 2023
Para entender como 2067 se relaciona com a realidade da mudança climática, é importante considerar as pesquisas científicas sobre o aquecimento global. Estudos recentes confirmam que estamos experimentando um aumento nas temperaturas globais, eventos climáticos extremos e a acidificação dos oceanos, tudo causado pelas emissões de gases de efeito estufa. O filme capta a essência desses fatos, alertando-nos sobre os perigos de um futuro não mitigado.2067 não é apenas uma obra de ficção científica; é uma reflexão profunda sobre o estado atual da Terra. Enquanto assistimos Ethan navegando por um mundo pós-apocalíptico. O filme nos força a encarar as consequências do nosso próprio impacto ambiental, mostrando como a inação pode levar a um futuro sombrio. A ficção serve como um espelho sombrio, lembrando-nos de que ainda temos a capacidade de evitar o cenário apocalíptico retratado no filme.
Podemos escolher ser a salvação da Terra, tomando medidas sérias para reduzir as emissões de carbono, preservar ecossistemas vitais, e promover a sustentabilidade. Essa escolha requer uma mudança profunda em nossa mentalidade, políticas e comportamento.
A crença na humanidade
Uma das mensagens centrais de 2067 é a crença na capacidade da humanidade de se redimir e encontrar soluções para os problemas que criou. Isso ressoa com o desafio que enfrentamos hoje, à medida que buscamos reduzir as emissões de carbono e preservar nosso planeta para as gerações futuras. A ideia de que podemos encontrar soluções inovadoras e agir de maneira coletiva é um lembrete vital de nossa responsabilidade em relação ao futuro.
Em um momento chave Ethan deve decidir se confia na humanidade, ou se a Terra estaria melhor sem os humanos – eu tenho minhas dúvidas, às vezes a humanidade parece ser um vírus. Consumimos os recursos finitos do planeta, enquanto o destruímos – seríamos uma espécie de vírus, matando nosso hospedeiro?
O filme não é apenas um lembrete de nossa responsabilidade individual, mas também uma chamada para a ação coletiva. Assim como Ethan encontra apoio na comunidade de sobreviventes, a humanidade precisa forjar laços mais fortes e colaborar globalmente para enfrentar a crise climática. Ações unilaterais não são suficientes; é necessário um compromisso global para reduzir as emissões de carbono, preservar ecossistemas e construir um futuro sustentável.
2067 também nos lembra de pensamentos filosóficos profundos sobre nossa relação com a Terra. Como filósofos há muito tempo debatem, somos guardiões ou algozes do nosso planeta? O filme nos desafia a contemplar essa questão existencial à medida que testemunhamos as consequências destrutivas de nossas ações.
A presença da filosofia
O filme não apenas cativa nossos sentidos, mas também estimula nossas mentes com pensamentos filosóficos profundos. O filme nos lembra das palavras do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, que disse: “Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro.” À medida que a humanidade enfrenta as consequências de suas próprias ações no filme, somos forçados a refletir sobre nossos próprios papéis como agentes de mudança ou destruição em nosso mundo.
Além disso, as ideias de Albert Camus sobre o absurdo da existência encontram eco em 2067. A busca de Ethan pelo significado em um mundo desolado reflete a busca universal por sentido em um planeta ameaçado pela mudança climática. O filme nos desafia a encontrar significado e propósito mesmo em situações desesperadoras.
A escolha que definirá nosso destino
Os cientistas alertam que, se não reduzirmos drasticamente as emissões de gases que causam o efeito estufa, enfrentaremos um futuro sombrio. A humanidade deve tomar medidas ousadas e urgentes para mitigar os efeitos das mudanças climáticas – por não ter tomado medidas quando deveria, lá nos anos 1990.
O filme nos desafia a acreditar no “salto de fé” necessário para salvar nosso planeta. Esse salto envolve a transição para energias renováveis, a conservação de ecossistemas vitais e a adoção de estilos de vida sustentáveis, e a crença de que a humanidade pode mudar seus hábitos. A ação coletiva é a chave para o sucesso, e o filme nos lembra de que todos desempenhamos um papel nessa luta.
A conscientização e a educação sobre as mudanças climáticas são ferramentas poderosas para a ação. Devemos nos educar, apoiar tecnologias sustentáveis e pressionar por políticas ambientais mais rigorosas. Além disso, o filme nos lembra da necessidade de inovação e da busca por soluções criativas para os desafios que enfrentamos.
O destino da Terra não é apenas um conceito abstrato; é o legado que deixaremos para as gerações futuras. A pergunta final permanece: seremos os arquitetos da nossa própria destruição ou os guardiões da Terra? A resposta depende de nossas ações hoje. A escolha está à nossa frente, e o destino da Terra também.
À medida que continuamos a assistir à evolução do cenário climático, devemos lembrar das palavras do filme e da mensagem subjacente: a Terra é um bem precioso que podemos proteger ou destruir. O futuro depende do que fazemos hoje, e a esperança reside na nossa capacidade de agir. A pergunta permanece: estamos à altura do desafio ou seremos testemunhas de nossa própria ruína? A decisão é nossa e, talvez, esta seja a última chance de fazer a escolha certa.
Por Laira Vieira – Economista, tradutora e crítica cultural – 247