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100 dias de governo: Lula cobra ministros e reforça apoio a Haddad

Diante de toda a equipe ministerial — em reunião aberta à imprensa e transmitida ao vivo pelos canais oficiais do governo —, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva celebrou os primeiros 100 dias de mandato, completados ontem, com um longo discurso de uma hora e sete minutos de duração e um slogan: “O Brasil voltou”.

Com a voz mais rouca e pausada do que o habitual, Lula fez um pronunciamento marcado pela moderação, mas carregado de mensagens para dentro de seu próprio governo e de seus aliados políticos, para sua base de eleitores e, também, aos agentes financeiros, investidores e empresários do setor produtivo.

Ao defender o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (o mais citado entre todos), e seu projeto de marco fiscal, o presidente corroborou, publicamente, o compromisso com o texto que será encaminhado ao Congresso nas próximas semanas.

“Haddad, eu sei que, de vez em quando, você ouve algumas críticas. Tenho que elogiar você e a equipe que trabalharam (na elaboração do arcabouço fiscal), porque, certamente, em se tratando de economia, de política tributária, a gente nunca vai ter 100% de solidariedade”, destacou. “Essa semana, vi um artigo muito ruim contra você — eu pensei em responder —, e meu conciliador, o (ministro da Secretaria de Relações Institucionais) Padilha, achou que não valia a pena, era melhor ficar quieto, porque a compreensão da sociedade sobre o que foi feito vale mais do que uma crítica de uma pessoa.” O presidente concluiu: “Tenho certeza de que (o projeto) vai ser aprovado (no Congresso). E tenho certeza de que vamos colher os frutos que foram plantados com a nossa proposta”.

As críticas que Haddad recebeu de alas do próprio PT, muitas vezes verbalizadas pela presidente da legenda, Gleisi Hoffmann, também foram objeto de reflexão por parte do presidente. Ao lembrar um encontro que teve, sem citar data, com o economista Celso Furtado (1920-2004), disse que recebeu um conselho do qual não se esqueceu. Furtado afirmara a ele que as alas mais à esquerda do PT, por mais barulhentas que fossem, o ajudariam a manter-se distante da direita, no caminho do centro.

O chefe do Executivo dedicou boa parte do discurso para listar as entregas do governo nestes 100 primeiros dias, a maioria voltada para as áreas sociais, caso da ampliação de programas como Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida e Pnae, de alimentação escolar (leia mais na página 3). Mas, também, passou muitos recados aos agentes econômicos — ainda descrentes da capacidade de o governo apresentar políticas para a retomada do crescimento com equilíbrio fiscal — e à classe média, em parte capturada pelo discurso antipetista do ex-presidente Jair Bolsonaro e da posição ultraliberal de seu então ministro da Economia, Paulo Guedes. Para Lula, os ricos não precisam da ajuda do governo.

“Há pessoas que não precisam tanto do governo, setores médios da sociedade. É só a gente fazer a nossa reforma tributária justa para a classe média, porque eles precisam pouco da gente.” E emendou: “Os mais ricos não precisam. Os muito ricos, às vezes, precisam, porque sonegam ou não pagam o imposto necessário, ou querem muito dinheiro emprestado”.

Sobre as críticas que o Executivo vem recebendo por não ter definido com clareza o rumo que vai adotar na política econômica, o presidente defendeu o tom otimista que costuma adotar ao tratar dessas questões: “Ninguém acredita no governo que acorda todo dia falando ‘ah… O PIB não vai crescer. Ah… Porque a economia não está muito boa. Ah… Porque o FMI disse tal coisa. Ah… Porque o Banco Mundial disse tal coisa. Ah… Porque o mercado financeiro disse tal coisa’. Se a gente for governar pensando nisso, é melhor desistir. É importante que essa gente fale, para a gente fazer diferente do que eles querem que a gente faça”, ressaltou, brincando com as palavras. “Agradeçam às pessoas que dizem: ‘Ah… O país não vai bem’, porque eles fazem crítica daquilo que não devemos fazer.”

Democracia e golpismo

Todo o discurso foi pontuado com críticas e referências negativas ao seu antecessor, Jair Bolsonaro, culminando com a lembrança dos atos golpistas de 8 de janeiro, quando reforçou as mensagens de defesa da democracia e das instituições. “Sabemos o que o país passou de 2018 a 2022. As ofensas que o país passou, que as mulheres sofreram, os negros e negras, os democratas, a Suprema Corte, governadores. Nunca antes um presidente os tratou com tanto desrespeito”, disparou. “Mas a democracia voltou. Uma frase muito pequena traduz a enormidade do desafio que cumprimos nesses primeiros 100 dias de governo: o Brasil voltou”, acrescentou, citando o slogan escolhido para marcar a celebração de ontem.

O contraponto a Bolsonaro motivou até um comentário elogioso ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), a quem, hoje, chama de “companheiro”. “Eu recebi (em 2003) o governo de um presidente democrata, um companheiro que tinha uma história de luta neste país pela democracia, pelos direitos humanos. Um companheiro que tinha, sobretudo, uma marca de civilidade que o ex que estou substituindo agora não tem.”

O programa de investimentos em infraestrutura estará baseado em seis eixos, segundo o presidente: transportes, infraestrutura social, inclusão digital e conectividade, infraestrutura urbana, saneamento e transição energética.

“Vamos lançar editais para a contratação de energia solar e eólica que, somados, representarão capacidade de geração equivalente à de nossas maiores usinas hidrelétricas”, anunciou Lula. Ele também prometeu promover novos leilões para construção de linhas de transmissão, que “irão tornar ainda mais rápida e atrativa a implantação desses parques de energia limpa”. Revelou, ainda, a intenção de tornar o país uma “potência global do hidrogênio verde”.

No discurso, o chefe do Executivo fez vários acenos aos investidores privados, aliviando, inclusive, o tom em relação às privatizações. Disse que vai “equacionar” o problema das concessões de terminais aeroportuários e de ferrovias, indicando que não abandonará o modelo de transferência das operações do setor à iniciativa privada. “Ferrovias, rodovias, hidrovias e portos voltarão a ser pensados de modo estruturante. Reduzirão o custo do escoamento de nossa produção agrícola. E incentivarão o florescimento de uma nova base industrial, mais tecnológica e mais limpa”, frisou. “Vamos acelerar a construção das ferrovias, essenciais para a integração do país e o escoamento da nossa produção agrícola.”

O papel das estatais, porém, foi destacado, em sintonia com o discurso que embalou sua campanha eleitoral. “Retomamos a capacidade de investimento de longo prazo, traduzido em um grande programa que traz de volta o papel do setor público nos investimentos estratégicos do setor público em infraestrutura.”

A Petrobras será, no cenário apresentado por Lula, a indutora dos investimentos em pesquisa de combustíveis renováveis. A indústria naval terá forte incentivo da Transpetro, que retomará as encomendas de navios para a frota de transporte de petróleo e derivados.

O Minha Casa, Minha Vida voltará a ser um dos carros-chefe da indústria da construção civil, com a contratação de até dois milhões de moradias. Na infraestrutura urbana, prometeu investir “fortemente na melhoria das condições de habitação e vida das pessoas que moram em favelas, palafitas e outros locais precários” e “tirar do papel obras de prevenção a desastres causados por cheias e deslizamentos”.

Outro indutor de investimentos será, na concepção do presidente, o novo Marco do Saneamento, aprovado pelo Congresso. Apesar de ter privilegiado as empresas públicas no decreto de regulamentação que assinou na semana passada, Lula disse que conta com os investimentos privados para “praticamente” universalizar o fornecimento de água tratada e a coleta e tratamento de esgoto nos próximos 10 anos.

Agro e meio ambiente

Ele dedicou atenção especial ao agronegócio — elogiou o “otimismo” do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro — e às políticas de sustentabilidade ambiental — com referência ao trabalho da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, de remontar a estrutura da pasta. Lula prometeu anunciar em maio os recursos do novo Plano Safra, de financiamento da produção agropecuária, com foco no aumento da produtividade rural, e “mecanismos que garantam a sustentabilidade socioambiental”.

A agenda ambiental é uma das mais importantes frentes do governo para recuperar o protagonismo internacional, após quatro anos de isolacionismo diplomático do governo de Jair Bolsonaro. Por isso, o presidente vinculou o apoio ao agronegócio a práticas sustentáveis, à proteção dos biomas brasileiros e ao desenvolvimento de tecnologias para o setor.

O enfrentamento da emergência climática e a transição para a economia de baixo carbono foram reafirmados pelo chefe do Executivo como prioridade, para que o Brasil volte a ser referência mundial na preservação do meio ambiente no desenvolvimento sustentável.

“O desmatamento será combatido em todos os biomas brasileiros. Desenvolveremos a economia da sociobiodiversidade, integrando a pesquisa científica e o conhecimento tradicional. A mudança para uma economia de baixo carbono será tratada como estratégia de desenvolvimento do país”, frisou. “A transformação da estrutura produtiva nacional passará por uma reindustrialização verde e digital.”

 

 

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