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VÍTIMAS NUAS, DOPADAS E TORTURADAS: O HORROR NA CLÍNICA DE PASTORES

Internos resgatados de clínica clandestina em Goiás falam de pessoas amarradas, roupas arrancadas, água gelada e tapas como castigo

Dependentes químicos, deficientes intelectuais e idosos viviam um verdadeiro horror dentro de um centro terapêutico comandado por um casal de pastores em Goiás. Cinquenta pacientes, com idades entre 14 e 96 anos, foram resgatados dessa clínica pela Delegacia do Idoso, da Polícia Civil, na última terça-feira (29/8).

Cinco vítimas relataram em depoimentos a rotina de torturas e humilhações à qual eram submetidas nessa instituição, que funcionava em uma chácara na zona rural de Anápolis. O Metrópoles teve acesso aos documentos com os testemunhos.

Nos relatos, as vítimas contam que os pacientes com deficiência considerados mais “problemáticos” eram amarrados, levavam banhos de água gelada, tinham suas roupas arrancadas e ficavam nus, como forma de castigo. Também ocorriam agressões físicas e verbais, inclusive com ameaças.

“O autista conhecido como ‘Dudu’ era amarrado e agredido pelos monitores”, revelou um interno. “Amarravam o autista e tacavam remédio nele”, contou outro. Um dos internos, dependente químico, disse que ficou três dias dopado, após tomar medicamento sem prescrição médica.

Os pacientes da Amparo Centro Terapêutico não recebiam atendimento médico e ficavam nas mãos de poucos funcionários. O local era coordenado pelo casal de pastores da Igreja Batista Vida Nova, Angelo e Suelen Klaus. Eles mantinham distância dos pacientes, segundo as testemunhas.

A pastora foi presa e o pastor está foragido. Ele escapou por um matagal quando a polícia chegou na chácara. Outras quatro pessoas que trabalhavam no local também foram detidas. A pastora nega que soubesse das torturas e diz que era apenas uma funcionária administrativa.

O delegado que investiga o caso, Manoel Vanderic, continua a investigar os estabelecimentos do pastor. A polícia resgatou outras 43 pessoas em uma segunda chácara administrada por Angelo Klaus na sexta (1º/9), que funcionava da mesma maneira clandestina. Dois funcionários fugiram, mas já foram identificados.

Humilhação

Pelo menos três vítimas relataram que um paciente com deficiência intelectual de apelido “Gasolina” era constantemente torturado.

“Quando ele ficava pedindo por cigarros ou outras coisas, baldes de água fria eram jogados nele. Chegou ao extremo da roupa dele ser tirada na frente de todo mundo e a cueca ser puxada para cima. Os internos eram dopados para não dar trabalho”, disse uma das vítimas em depoimento.

Um homem de 40 anos, que foi parar na clínica para tratar o alcoolismo, relatou que o pastor Klaus fez várias promessas, que não foram cumpridas, como atendimento psiquiátrico, psicológico e médico. A clínica era divulgada na internet de forma enganosa.

“Foi tudo diferente do que prometiam. Nunca cheguei a ser agredido, até porque eu procurava fazer tudo o que mandavam pra não ser castigado. As pessoas desobedientes eram trancadas no quarto e caso gritassem para sair, eram amarradas”, contou o homem para a polícia.

As famílias dos pacientes chegavam a pagar uma mensalidade de R$ 1,3 mil para o casal de pastores, conforme depoimentos e documentos anexados no inquérito. Os familiares só podiam falar com os internos após 30 dias do início da internação. Klaus acompanhava esse momento do contato com parentes, para evitar que falassem mal do tratamento, de acordo com depoimento de uma vítima.

Xingamento

A clínica era dividida em duas alas, sendo que uma era voltada para pacientes idosos e acamados. Faltavam fraldas e os velhinhos permaneciam em lençóis molhados de urina, ou faziam suas necessidades em garrafas de plástico e vasilhames.

“Os idosos que não conseguiam fazer sua própria higiene pessoal acabavam fazendo as necessidades nas roupas e não tinha ninguém para ajudar eles na higiene”, contou uma vítima para a polícia.

Alguns internos dependentes químicos que ganhavam confiança da administração eram colocados para vigiar os pacientes e passavam a ser chamados de monitores.

Segundo uma das vítimas, esses monitores xingavam os outros internos de palavras como “desgraçado”, “pau no cu”, “viado” e “filho da puta”. Além disso, alguns chegavam a ameaçar, com frases como: “Vou te matar lá na rua”. Também há relatos de puxões de orelha e tapas.

Amontoados

Os internos não tinham acesso a toda a chácara e ficavam trancados nos quartos entre as 19h e as 8h.

Um dos internos disse que dividia o quarto com outras 20 pessoas, que usavam o mesmo banheiro. O vaso sanitário vivia entupido e o cheiro era insuportável.

As refeições, segundo esse interno, era um pedaço de cuscuz e chá no café da manhã. Já na janta e almoço a base era arroz e macarrão, sendo a opção predominante de proteína salsicha e frango. Raramente havia carne vermelha.

“Escutamos relatos desses internos que eles apanhavam para não se manifestarem, não reclamarem da comida, na maior parte vencida”, relatou o delegado Manoel Vanderic.

Um interno resgatado tinha um ferimento no antebraço com sinais de infecção. Ele relatou que foi um acidente com óleo quente na cozinha, quando fritava coxinhas. Não houve atendimento médico e ele foi orientado a apenas passar uma pomada.

As pessoas resgatadas das duas clínicas foram levadas para o ginásio de Anápolis, onde passam por uma triagem. Nove idosos foram hospitalizados com infecções graves e desnutrição.

Investigação

As investigações começaram depois que funcionários do Hospital de Urgência de Anápolis (Heana) procuraram a polícia, depois de admitirem um paciente de 96 anos com claros sinais de agressão, desnutrição, sujeira e mau cheiro, proveniente dessa clínica.

Pastores Suelen e Angelo Klaus, suspeitos de coordenar clínica clandestina

Policiais da Delegacia de Idosos foram então até o endereço da chácara que funcionava como centro terapêutico, mas os funcionários não deixaram entrar. Por cima do muro, um dos policiais relatou ter visto o pastor Klaus fugindo para um matagal. A equipe então adentrou no local e se deparou com os pacientes amontoados.

Além da pastora Suelen, foram presos Jonas da Silva Geral, Jhonatan Alexandre Silva Santos, Francisco Carlos Lira Junior e Ruimar Marcio Silva Qualhato. Eles vão responder por tortura, maus-tratos e cárcere privado.

A defesa de Jhonatan pediu a soltura dele por ser réu primário com bons antecedentes. Além disso, segundo o advogado, ele também era vítima e tinha que pagar R$ 1.300 mensais, além do mesmo valor como matrícula. Testemunhas dizem que ele era um dos monitores que agredia os internos.

Em seu interrogatório, Suelen disse que não tem acesso à área onde os internos permanecem e que sua função é estritamente administrativa. Ela também disse que está no processo de recuperação de uma cirurgia bariátrica que fez há cerca de 20 dias. O CNPJ da clínica é no nome do marido de Suelen, Ângelo Klaus. A clínica não tinha registros na prefeitura, vigilância e órgãos responsáveis, segundo a polícia.

A reportagem tenta contato com a defesa de Suelen e dos outros presos. O espaço segue aberto para esclarecimentos.

Por Thalys Alcântara e Laura Braga – Metrópoles

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