VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS: APÓS ONDA DE ATAQUES, ESPECIALISTAS APONTAM CAMINHOS
Projetos de lei na Bahia sugerem detector de metais e até segurança armada; especilistas discordam
Especilistas apontam a necessidade de acolhimento e escuta, em lugar de armas e atmosfera de ódio – Secretaria de Educação da Bahia.
A violência sempre fez parte do cardápio escolar brasileiro, e na Bahia não é diferente. Na certeza de que este não é um fenômeno isolado, são muitas as tentativas de análise do problema para buscar saídas e caminhos de solução. A complexidade da questão exige um olhar cuidadoso e responsável de toda sociedade.
A psicóloga Géssica Graciele, consultora técnica do Programa Saúde do Professor, observa que as ações recentes, nomeadas como ataque gera um mal estar coletivo em todas as pessoas que compõem o quadro escolar. Gestores, vigilantes, alunos, professores, toda equipe que contribui para o funcionamento da escola.
Esse sentimento se coloca porque está em jogo a vida, dentro de um lugar onde se acredita que é possível acessar outras possibilidades de viver. “Nenhum aluno vai para escola morrer. Vai para a escola viver. Ameaçar um projeto de vida é o fim. Diante desse cenário social é possível identificar alunos com excesso de medo de morrer. Alunos em constante estado de alerta que não conseguem se concentrar, o que prejudica o seu aprendizado e o seu ano letivo, os colocando assim em sofrimento psíquico”, pontua Géssica.
Rui Oliveira também defende a escola como lugar de plantios de futuros. Ele estudou a vida toda em colégio público e, aos 20 anos, já era professor da rede pública de ensino. Hoje, como dirigente sindical da Associação dos Professores Licenciados do Brasil (APLB), seção Bahia, Rui acredita na escola como um espaço de convívio social, de bem viver com a diversidade e de respeitar os sonhos uns dos outros. “Acho que se a gente conseguir dar educação pública de qualidade no sentido de conviver com a desigualdade, de entender que temos opiniões diferentes e as diferenças resolvidas na base do diálogo, é um bom avanço”, declara Rui.
Géssica Graciele: “Nenhum aluno vai para escola morrer. Vai para a escola viver. Ameaçar um projeto de vida é o fim” / Arquivo pessoal
A psicóloga destaca que os professores estão diante de uma demanda difícil, porque, além de dar conta do conteúdo pedagógico, educacional, precisam também se preocupar com as questões psicológicas. “E, na maioria das vezes, os professores não são preparados para isso. Para dar esse suporte emocional, o que resulta também em sofrimento e sentimentos de impotência e incapacidade para os professores”, alerta Graciele.
O coordenador da APLB ressalta que as ameaças e medos instaurados na sociedade têm também finalidade político partidária de implementar o terror e insegurança entre as pessoas. “Vamos combater qualquer tipo de ódio, de homofobia, de misoginia, de racismo. Toda essa coisa podre e ruim que é cultivada pela extrema direita brasileira e internacional”, afirma Rui.
Caminhos e soluções
Algumas soluções e políticas públicas estão sendo ventiladas, desde a colocação de detectores de metais na entrada das escolas até a presença de segurança armada nas instituições já foram sugeridas como Projeto de Lei na Bahia. A APLB já se colocou contrariamente a medidas como estas. “Lugar de polícia é nas ruas e nos quartéis. Não queremos de jeito nenhum polícia militar ou civil dentro das instituições da escola. Nós somos contra. Estou fazendo parte do Comitê Intersetorial de Crise da Escola Pública contra essas violências e é consenso no Comitê – que é suprapartidário – a garantia de que não teremos nenhum policial militar armado dentro das escolas, quer sejam públicas ou privadas”, destaca o coordenador geral da APLB.
Ao reconhecer que vivemos uma atmosfera de ódio e de rancor, o sindicalista faz analogias com o ato criminoso de ataques aos três poderes, no dia 8 de janeiro deste ano em Brasília. “Quem quer garantir o esvaziamento de escola pública, quem quer garantir que as escolas sejam controladas pela polícia militar é essa turma da extrema direita. Isso não está acontecendo só no Brasil, mas no mundo todo, com ênfase nos Estados Unidos, na Hungria e em outros lugares da Europa”, declara Rui.
Rui Oliveira, coordenador da APLB, afirma que o sindicato é contrário à presença de policiais armados em escolas / Arquivo pessoal
A psicóloga Géssica Graciele tem atuado como consultora técnica do Programa Saúde do Professor, implantado há mais de 10 anos através da Secretaria de Educação da Bahia. Ela nos explica que mais de 800 escolas são contempladas pelo programa na capital e também no interior.
“Visito escolas e realizo acolhimentos psicológicos com professores e alunos. O programa tem o objetivo de prevenir, promover, incentivar os educadores, estudantes e todos aqueles que fazem parte da comunidade escolar, a cuidarem da sua saúde emocional e também da sua saúde física”, declara Géssica, especialista em Gestão da Saúde pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).
Ela nos explica que para o colégio ser contemplado pelo programa precisa fazer uma solicitação à Secretaria de Educação. O programa é composto por uma equipe multidisciplinar formada por fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista e assistente social. A psicologia, parte essencial desse serviço, atua no intuito de prestar acolhimento, possibilitando escuta para a comunidade.
“Que essas pessoas possam falar sobre suas expectativas, sobre suas angústias em relação ao contexto escolar e, a partir daí, traçar estratégias de intervenções. Fazemos isso por meio de palestras, oficinas, grupos terapêuticos, rodas de conversa. Discutimos temáticas sociais que são importantes para garantir uma boa relação na escola”, declara a psicóloga.
Ela acredita que é preciso incluir as famílias na formação de sujeitos capazes de praticar formas democráticas de convívio e, no processo de educação, ajudar as crianças e jovens a desenvolver a empatia. Ela defende que é a partir da palavra que se vai desconstruir a cultura do ódio. A psicóloga aponta como caminhos a necessidade de discussão sobre racismo, gênero e respeito à diversidade no contexto escolar para que os alunos consigam entender que o diferente não é uma ameaça a existência deles.
“Parece-me que está havendo essa dificuldade de assimilar o seu eu com o eu do outro. É uma dificuldade de fazer a interação social com aquele que não se identifica. Nos costumes, na forma de ser, nas escolhas, no modo de se vestir. É preciso entender que é possível existir com o diferente”, declara a psicóloga que também chama atenção de que a escola não está à parte da sociedade. “O que acontece na escola é um reflexo do social. E o que acontece na sociedade deságua na educação”, conclui.
Por- BDF