
TERREMOTO NA ÁSIA: EQUIPES INTENSIFICAM BUSCA POR SOBREVIVENTES
Número de mortos no terremoto ultrapassava 1,6 mil, ontem, segundo contagem oficial da junta militar de Mianmar — 10 vezes superior ao primeiro dia. Danos nas estradas e na infraestrutura atrapalham a chegada de ajuda humanitária, alerta a Organização das Nações Unidas
Enquanto corre contra o tempo em busca de sobreviventes, Mianmar conta seus mortos, que somavam, ontem, 1.644, além de 3.408 feridos, segundo o boletim oficial divulgado pela junta militar que governa o país. Atingido por um terremoto de magnitude 7,7, que também abalou severamente a Tailândia, o país do sudeste asiático enfrenta dificuldades nas operações humanitárias: danos em estradas e na infraestrutura impedem o trabalho da agência humanitária da Organização das Nações Unidas na região.
O número de vítimas letais deve aumentar consideravelmente: uma modelagem preliminar do Serviço Geológico Norte-Americano sugeriu que as mortes poderão ser milhares. O órgão estima que existe uma probabilidade de 35% de que o total de óbitos fique entre 10 mil e 100 mil. Uma dificuldade na contagem é a tentativa da junta militar que derrubou o governo eleito em 2021 de restringir as informações que saem do país. O terremoto, cujo epicentro foi a cidade birmanesa de Sagaing, ocorreu às 3h20 (horário de Brasília) de sexta-feira, seguido, minutos depois, por um tremor secundário de magnitude 6,4, posteriormente revisado para 6,7.
A maioria de vítimas é de Mandalay, cidade com mais de 1,7 milhão de habitantes, epicentro do tremor. Segundo a Cruz Vermelha, pelo menos 90 pessoas podem estar soterradas nos escombros de um prédio residencial de 12 andares. O terremoto foi muito intenso porque ocorreu a pouca profundidade e chegou a ser sentido a 1 mil quilômetros do epicentro, em Bangcoc, capital da Tailândia.
Assistência
Por segurança, o Aeroporto de Mandalay foi fechado, complicando as operações de resgate em um país onde a guerra dizimou o sistema de saúde e isolou seus líderes do restante do mundo. O presidente da junta militar, Min Aung Hlaing, pediu assistência internacional e convidou “qualquer país, qualquer organização” a ajudar.
A China anunciou o envio de 82 socorristas. A Coreia do Sul, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Malásia também se mobilizaram. “Nós vamos ajudá-los. É terrível o que está acontecendo”, disse o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na sexta-feira. O presidente chinês Xi Jinping expressou “sua profunda tristeza” em uma mensagem ao líder da junta.
Agências humanitárias, porém, alertam que Mianmar não está preparado para um desastre dessa magnitude. Ontem, a ONU alertou que a “grave escassez” de suprimentos médicos repercute na assistência, e destacou que os socorristas precisam especialmente de kits de trauma, bolsas de sangue, produtos anestésicos e alguns medicamentos essenciais.
Edifício
Em Bangcoc, capital da vizinha Tailândia, as equipes de resgate trabalharam a noite toda para procurar sobreviventes nos escombros de um prédio de 30 andares em construção, que desabou em segundos. O governador da cidade, Chadchart Sittipunt, afirmou que pelo menos uma dúzia de pessoas morreu no local, a maioria delas na área do edifício, mas alertou que o número pode aumentar.
Parentes de dezenas de soterrados se reuniram, ontem, ao redor dos destroços do arranha-céu em construção, na expectativa de algum resgate bem-sucedido. O pedreiro Khin Aung foi salvo da morte, mas seu irmão ficou preso sob os escombros da construção. O trabalhador contou que deixou o canteiro de obras minutos antes de ele desabar “em um piscar de olhos”. O familiar e muitos amigos não tiveram, porém, a mesma sorte. “Eu fiz uma videochamada com meu irmão e meus amigos, mas só um atendeu. Eu não conseguia ver o rosto dele, e conseguia ouvi-lo correndo”, relatou à agência France-Presse.
Os socorristas passaram a usar drones com câmeras de imagem térmica para buscar sinais de vida. As autoridades da cidade receberam mais de 2 mil relatos de danos e mobilizaram mais de 100 especialistas para verificar a integridade dos edifícios. O governador informou que 400 pessoas passaram a noite em parques porque suas casas não eram seguras.
Primeiro teste de infraestruturas modernas falha
Mianmar costuma registrar fortes terremotos. Foram registrados mais de 14 de pelo menos magnitude 6 no último século, entre eles um de 6,8 perto de Mandalay em 1956, segundo Brian Baptie, sismólogo do Instituto Geológico de Londres (BGS). Submerso em conflitos há anos, o nível de aplicação das normas de construção antissísmicas é muito baixo, afirmam especialistas.
Ian Watkinson, do departamento de ciências da terra do Royal Holloway, na Universidade de Londres, destaca que o auge da construção de edifícios elevados com concreto armado mudou totalmente a situação nas últimas décadas. “Quando ocorreram os terremotos anteriores de magnitude 7 ou mais na falha de Sagaing, Mianmar estava relativamente pouco desenvolvida, com muitos edifícios baixos de estrutura de madeira e monumentos religiosos de tijolos”, explica. “O de sexta-feira é o primeiro teste de infraestruturas modernas de Mianmar frente a um sismo de grande magnitude e a pouca profundidade perto das principais cidades”, acrescenta.
Para explicar o terremoto, Rebecca Bell, especialista em tectonia no Imperial College London, fala de um movimento de superposição lateral da falha de Sagaing. É nessa área que a placa tectônica indiana, a oeste, se une com a de Sunda, que forma uma grande parte do Sudeste Asiático. “A falha de Sagaing é muito longa, de 1,2 mil quilômetros, e muito reta”, comenta a especialista. “A natureza retilínea faz com que os sismos possam surgir em áreas muito amplas, e quanto maior é a região da falha que se desliza, mais importante é o sismo”, acrescenta.
Nesses casos, os terremotos podem ser especialmente destruidores, alerta Bell. “Quando o tremor se situa a pouca profundidade, sua energia sísmica se dissipa quando alcança as áreas povoadas superiores.”
Os tremores foram sentidos nos países vizinhos, sobretudo na Tailândia. Christian Malaga-Chuqitaype, pesquisador do Imperial College de Londres, explica que o tipo de terreno de Bangcoc contribuiu para que a megalópole, localizada a 1 mil quilômetros do epicentro, fosse impactada. “Embora Bangcoc estivesse longe das falhas ativas, seu solo macio amplifica os tremores”, afirma.
Na opinião do especialista, as técnicas de construção em Bangcoc favorecem as “lajes planas”, nas quais os pisos são sustentados apenas com pilares, sem utilizar vigas de reforço, como uma mesa que se sustenta apenas com os pés. “Os edifícios construídos com essa técnica atuam mal nos terremotos, são derrubados frequentemente de forma quebradiça e repentinamente (quase explosiva)”, explica Malaga-Chuqitaype.
Por Correio Braziliense