SEJOGA: EVENTO DE JOGOS PROMOVE INCLUSÃO E DIVERSIDADE NAS PERIFERIAS
Ideia é ter um espaço para que todas as pessoas se sintam acolhidas
Crianças, jovens, adultos, idosos, lésbicas, gays, héteros, drag queens, pessoas com deficiência, entre tantos outros grupos compartilham mesas para jogar jogos analógicos, como os de tabuleiro ou de cartas. Esse é o SeJoga, um dos mais importantes eventos de jogos do Rio de Janeiro que, pela primeira vez, realiza edições nas periferias, nas Zonas Norte e Oeste da cidade. Neste sábado (11), o SeJoga ocorreu na Penha, na Zona Norte.
Esta edição do encontro foi na Penha, zona norte do Rio. – Tânia Rêgo/Agência Brasil
O SeJoga foi criado em 2017 por Elson Bemfeito, que na época, trabalhava como produtor de moda e por Dan Paskin, arquiteto. Em 2016, eles eram um casal e começaram juntos a frequentar eventos de jogos no Rio e em Niterói. Eles se encantaram pelo mundo dos jogos de tabuleiro, mas perceberam que os eventos, de acordo com eles, majoritariamente heteronormativos e brancos, não eram acolhedores para pessoas LGBTQIA+.
“A gente só conhecia dois outros gays no meio e eles eram enrustidos, a família não sabia. Tem um relato de um garoto que jogava há dez anos com os mesmos amigos de infância e, quando descobriram que ele era gay, pararam de chamar ele para jogar. Coisas absurdas assim”, diz Paskin.
Elson Bemfeito e Dan Paskin, criadores do SeJoga, grupo LGBTQIA+ periférico – Tânia Rêgo/Agência Brasil
Paskin conta que eles buscaram criar um evento que fosse inclusivo e onde todas as pessoas pudessem partilhar o mesmo espaço e se sentir acolhidas. “A gente começou com um evento itinerante. Vamos mostrar que a gente não quer fazer um gueto, um espaço exclusivo para LGBTs se isolarem e jogarem em segurança, a gente quer mostrar justamente para os outros que é possível ter o que a gente tem, que é mostrar que todos os espaços são para você. Seja LGBT, seja quem for, você tem o direito de ocupar todos os espaços, todos os espaços deveriam ser seguros para nós”, diz.
O SeJoga começa sendo realizado junto a outros eventos de jogos, até que, em 2018, começa a ter um evento próprio, no Bar Doninha, na Tijuca, na zona norte do Rio. “A gente tinha a expectativa de levar 60, 80 pessoas. Achou que ia ter no máximo, 40. Mas, 175 pessoas apareceram. A gente ocupava a calçada, porque o restaurante não cabia, pedia mesa emprestada dos bares vizinhos”, conta Bemfeito.
SeJoga, grupo LGBTQIA+ periférico, promove encontro de acolhimento com jogos de tabuleiro- Tânia Rêgo/Agência Brasil
Agora, o projeto conta com o incentivo do Programa de Fomento à Cultura Carioca – FOCA da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (PCRJ) e da Secretaria Municipal de Cultura (SMC) e chega também às periferias da cidade.
No evento, as pessoas têm à disposição dezenas de jogos e podem jogá-los à vontade. Monitores presentes no local ajudam com explicações sobre como jogar e indicam jogos de acordo com o perfil dos participantes. O ambiente é decorado e conta com música.
Inclusão
A psicóloga Andreia Lima, 42 anos, levou os filho Arthur, 10 anos, e os amigos para jogarem.
“É muito importante trazer eles para jogar, ainda mais porque eles moram em apartamento e não têm local onde podem brincar. Ficar o dia inteiro de olho no computador e vídeo game não é tão saudável. Acho importante esse momento até para socializar com outras crianças”.
Arthur, que estava vencendo a partida, estava empolgado: “Eu estou achando incrível o evento. Estou amando esse jogo, que recomendaram pra gente que, aliás, estou na frente”.
A algumas mesas de distância, estavam duas veteranas, que acompanham o SeJoga desde o início. Ana Montenegro, aposentada, 65 anos, e a filha, Flávia Montenegro, 37 anos professora. A filha convidou a mãe para jogar e nunca mais deixaram de comparecer aos eventos.
Ana Montenegro e sua filha Flavia Montenegro participam do encontro- Tânia Rêgo/Agência Brasil
“Não é só pelo divertimento, não é só por me sentir acolhida e querida ente eles todos, mas poque isso faz muito bem para minha cabeça, ativa as coisas. Já estou com 65 anos, sabe?”, diz a mãe, que acrescenta: “Tem muito preconceito com idoso e aqui eu sempre me senti respeitada e querida. Sabe quando você percebe que as pessoas te aceitam?”
“Fora as amizades que a gente faz. No primeiro SeJoga que levei ela, a gente começou a jogar, estava terminando de montar o jogo, quando um dos monitores colocou duas pessoas na nossa mesa. É um casal que até hoje é amigo nosso, de passar o Natal junto”, acrescenta a filha.
Um sonho realizado
Para a mãe de Bemfeito, Katia Regina Garcia, é emocionante ver o sonho do filho realizado. Ela, que é fonoaudióloga e psicopedagoga, faz parte da equipe do projeto, oferecendo uma espécie de mentoria para as crianças, adaptando jogos para aqueles que têm alguma necessidade especial. “Eles dizem que eu sou a mãe do SeJoga, eu acolho todos eles. Eu olho as pessoas, é o que eu vejo, independente de qualquer coisa, de orientação sexual, isso não é nada. São pessoas que estão junto comigo”.
Elson Bemfeito, sua mãe, Katia Regina Garcia e Dan Paskin, criadores do SeJoga- Tânia Rêgo/Agência Brasil
Trabalhar no SeJoga também mudou a vida de Aruã Chavarry, que é professor e um dos monitores do projeto. Ele tem fobia social e sempre achou muito difícil se comunicar. Foi no projeto que encontrou espaço para ser quem é. Se fosse anos atras eu não estaria aqui e não estaria falando com ninguém. Eu ainda tenho dificuldade, mas já está bem melhor”, diz.
Chavarry já foi aos eventos de salto alto e mesmo fantasiado de bruxa. “Já fiz várias coisas que eu acho que não poderia fazer em outro evento qualquer por causa de medo. Aqui eu posso fazer o que quiser que sei que vou estar bem protegido”.
Por Mariana Tokarnia – Agência Brasil – Rio de Janeiro