RELATÓRIO APONTA 42 POLÍTICOS COM FAZENDAS EM TERRAS INDÍGENAS
Levantamento foi feito a partir do cruzamento das bases de dados fundiários do Incra e da Funai, com informações do TSE
Ao menos 42 políticos e parentes de primeiro grau são titulares de imóveis rurais com sobreposições em terras indígenas (TIs), totalizando 96 mil hectares — o equivalente à soma das áreas urbanas do Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
As informações são do dossiê “Os Invasores: parlamentares e seus financiadores possuem fazendas sobrepostas a terras indígenas”. O documento divulgado na quarta-feira (15) foi elaborado pelo observatório De Olho nos Ruralistas a partir do cruzamento das bases de dados fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), com informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O relatório traz os nomes de 18 líderes ruralistas financiados por empresários com sobreposições. Ele aponta ainda três congressistas que têm fazendas em terras indígenas registradas em nome de suas empresas: o senador Jaime Bagattoli (PL-RO) e os deputados Dilceu Sperafico (PP-PR) e Newton Cardoso Júnior (MDB-MG). Os três integram a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
Deputado de Minas tem fazenda dentro da TI KAxixó
O dossiê aponta que Newton Cardoso Jr. é sócio junto com o pai, o ex-governador Newton Cardoso, da Companhia Siderúrgica Pitangui, empresa que reivindica uma série de fazendas no norte de Minas. A empresa aparece nos registros do Incra como titular das Fazendas Crisciúma e Capão, em Martinho Campos (MG). As duas encontram-se completamente sobrepostas ao território do povo indígena Kaxixó: a primeira com 460,20 hectares, a segunda com 373,84, destaca o relatório.
Historicamente, o deputado mineiro é ligado à defesa dos setores siderúrgico e de silvicultura, além de manter uma empresa de pecuária bovina. Newton Cardoso Jr. foi autor de um projeto, que propõe acabar com a obrigatoriedade do licenciamento ambiental prévio e dos estudos de impacto para áreas de reflorestamento. No norte de Minas Gerais, próximo da divisa com a Bahia, ele e o pai são donos de fazendas de reflorestamento. A siderúrgica da família utiliza carvão vegetal proveniente do reflorestamento com eucalipto dessas fazendas.
Senador tem fazenda grilada em área de indígenas isolados
O relatório mostra que, em novembro de 2007, os antigos donos de uma fazenda hoje pertencente ao senador Jaime Maximino Bagattoli registraram uma área de 2.591,76 hectares na Terra Indígena Omerê, em Corumbiara (RO), onde vivem o povo Akuntsu e os cinco remanescentes dos Kanoê, que se isolaram dos não-indígenas. A terra havia sido homologada em abril de 2006.
Jaime Bagattolli e seu irmão Orlando adquiriram a fazenda em 2011, por meio da penhora de uma dívida contraída pelos antigos proprietários, a família Junqueira Cleto, dona da empresa São José Jacuri Agropecuária. Em 1986, a família ingressou na Justiça para impedir que fosse declarada a restrição de uso da TI Rio Omerê, alegando que não havia presença indígena na área.
Com patrimônio declarado de mais de R$ 55 milhões, o senador por Rondônia é natural de José Boiteux (SC). Ele é dono do Grupo Bagattoli, com sede em Vilhena (RO), e reúne a Transportadora Giomila, a Rede Catarinense de postos de combustíveis e diversas fazendas voltadas para o plantio de soja e criação de gado.
Membro da FPA, o político foi eleito defendendo a exploração econômica de terras indígenas e a “regularização fundiária” das terras da Amazônia sem registro definitivo. Em 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, Bagattoli propôs dois projetos de lei: o primeiro pretende garantir ao fazendeiro o direito de “solicitar diretamente o uso de força policial para a retirada dos invasores, independentemente de ordem judicial”, o segundo altera o Código Penal para incluir na seção de crimes contra o patrimônio a ocupação de propriedades rurais.
O observatório lembra que caberá a Jaime Bagattoli avaliar o PL 490/2007, sobre o Marco Temporal — que passará pela apreciação do Senado, após ter sido aprovado em 30 de maio na Câmara. Caso aprovado e sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o projeto beneficiará diretamente os negócios do político.
Família de Ratinho Jr. disputa terras com indígenas no Acre
Outro político em destaque no dossiê é o governador do Paraná Ratinho Júnior (PSD). O documento diz que a família dele é dona de um mega latifúndio no Acre, que incide nos limites da TI Kaxinawá da Praia do Carapanã, no município de Tarauacá. A família disputa área, regularizada desde 2001, incidindo em 13,82 hectares nas terras do povo Huni Kuin, também conhecido como Kaxinawá, além de disputar território com posseiros que permaneceram na região após a dissolução dos seringais, segundo o levantamento.
O pai dele, o apresentador de TV Ratinho, comprou as glebas em 2002, após pagar cerca de R$ 330 mil à Companhia Paranaense de Colonização Agropecuária e Industrial do Acre (Paranacre), apontada como principal promotora de grilagem na região, ainda de acordo com o dossiê. A área está registrada em nome da Agropecuária RGM, uma sociedade entre o apresentador e os outros dois filhos.
Há um histórico de conflitos contra as comunidades indígenas locais — em especial os Yawanawá —, que resistem a um grande projeto de exploração de madeira na Amazônia.
A família de Ratinho tem uma fortuna avaliada em R$ 530 milhões. que inclui, além de emissora de rádio e televisão no Paraná, a Rede Massa, 19 fazendas espalhadas pelo país, onde investe na pecuária e no plantio de soja, milho e café.
Relatório expôs nomes de empresas nacionais e estrangeiras
A primeira parte do dossiê, divulgada em 19 de abril, apontou os nomes de empresas nacionais e estrangeiras entre as 1.692 sobreposições de fazendas em 213 terras indígenas, que totalizavam 1,18 milhão de hectares — igual ao território do Líbano. Na segunda parte, a equipe do observatório rastreou quais desses sócios doaram para políticos nas campanhas de 2022; no caso de 54 dos 81 senadores, também de 2018.
Ao todo, 18 integrantes da FPA receberam R$ 3,6 milhões em doações de campanha desses invasores. Entre eles estão o presidente da frente, Pedro Lupion (PP-PR), os vice-presidentes Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) e Evair Vieira de Melo (PP-ES), a coordenadora política Tereza Cristina (PL-MS), ex-ministra da Agricultura, e outros oito diretores.
Outro destaque do relatório são os invasores que investiram na reeleição de Jair Bolsonaro (PL) à reeleição. Juntos, 41 fazendeiros com sobreposições doaram R$ 1,2 milhão para sua campanha. Eles controlam uma área de 107.847,99 hectares, incidente em 23 áreas demarcadas pela Funai.
Prefeitos e vices comandam grandes fazendas em terras indígenas
O levantamento do De Olho nos Ruralistas mostra ainda que três prefeitos e dois vice-prefeitos de municípios do Sudeste e Centro-Oeste integram a lista de fazendas sobrepostas a terras indígenas. Eles se somam a outras dezenas de chefes municipais do Executivo com esse tipo de incidência.
Segundo o relatório, o pai do prefeito Bruno Margotto Marianelli (Republicanos), de Linhares (ES), Zilmar, tem uma fazenda sobreposta a 273,27 hectares da TI Comexatibá, na Bahia. Já o filho do prefeito Carlos Alberto Capeletti (PSD), de Tapurah (MT), é um dos sócios da Melhoramentos Agropecuários Tapurah, dona da segunda maior sobreposição registrada no país: a Fazenda Uga-Uga avança em 47 mil hectares da TI Manoki e ocupa 18% da área demarcada. O prefeito de Campos de Júlio (MT), Irineu Marcos Parmeggiani (Patri), possui a Fazenda Santo Reis, que incide nas bordas da TI Vale do Guaporé, do povo Nambikwara.
Dois vice-prefeitos com mandato em 2023 avançam sobre a TI Paresi, ainda de acordo com o dossiê: Claudio José Scariote (Podemos), de Sapezal (MT), e Zé Roberto Arcoverde (MDB), de Iguatemi (MS). Arcoverde foi prefeito de Iguatemi em outros dois mandatos. É nesse município que sua irmã e sócia Ana Paula declara quase 2 mil hectares sobrepostos à TI Iguatemipeguá I, do povo Guarani Kaiowá.
Mato Grosso do Sul concentra sobreposições de políticos
Com 92% das terras agrícolas em mãos privadas, o Mato Grosso do Sul lidera o ranking geral de sobreposições de fazendas em terras indígenas registradas pelo projeto “Os Invasores”: acumula 630 dos 1.692 casos analisados. E concentra o maior número de políticos envolvidos em disputas territoriais com povos indígenas.
Das 42 áreas incidentes em TIs cujos titulares são políticos (ou seus parentes de 1º grau), 17 estão no estado. O caso da família Pedrossian é ilustrativo. Liderado pelo patriarca, o ex-governador Pedro Pedrossian, o clã está em sua terceira geração de políticos com o deputado estadual Pedrossian Neto (PSD-MS) eleito em 2022.
Pecuarista e criador de gado Nelore, Pedrossian era dono da Fazenda Petrópolis, com 2.250 hectares. Dados do Incra mostram que 1.172,81 hectares avançam sobre a TI Cachoeirinha. O patriarca morreu em 2017 e o imóvel passou para as mãos dos filhos, Pedro Paulo Pedrossian e Regina Maura Pedrossian. Os dois já figuravam em diversas ações de reintegração de posse contra as retomadas do povo Terena, impetradas entre 2008 e 2018, reivindicando a remoção de famílias que ocupavam partes da fazenda. Pedro Paulo é pai do deputado estadual Pedrossian Neto.
O dossiê “Os Invasores: parlamentares e seus financiadores possuem fazendas sobrepostas a terras indígenas” mostra a participação direta de outros políticos sul-mato-grossenses. O deputado Zé Teixeira (PSDB), o ex-secretário Ricardo Bacha (Cidadania) e a advogada Luana Ruiz protagonizam conflitos territoriais com os povos Guarani Kaiowá e Terena.
Luana é herdeira dos donos da Fazenda Fronteira, que se sobrepõe à TI Ñande Ru Marangatu e foi palco dos assassinatos de Simião Vilhalva, em 2015, de Dorvalino da Rocha, em 2005, e de Marçal de Souza Tupã-i, em 1983.
Ela foi chamada em 2018 para integrar a equipe de transição do governo Bolsonaro, a pedido de Tereza Cristina. E assumiu o posto de secretária-adjunta de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, logo abaixo do ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antonio Nabhan Garcia.
Junto ao marido, Luana Ruiz atua em ações de reintegração de posse e processos que contestam a demarcação de terras indígenas com base no marco temporal. Ao todo, De Olho nos Ruralistas identificou 17 proprietários de fazendas sobrepostas a TIs que foram representados judicialmente pela advogada. Dois deles doaram à campanha da advogada para a Câmara, que ficou com a suplência.