PT busca outros caciques e ‘retomada’ na Baixada Fluminense
Região do Rio tem quase 4 milhões de pessoas e deu votações expressivas para Jair Bolsonaro
Depois de o prefeito de Belford Roxo, Waguinho, ter sido um lobo solitário na Baixada Fluminense na campanha de Lula, o PT começa a buscar parcerias com outros caciques na região, que tem quase 4 milhões de habitantes – muitos deles evangélicos – e é fundamental para as eleições presidenciais no Rio. Nas duas vezes em que disputou a Presidência, Jair Bolsonaro (PL) conquistou vitórias expressivas naquele território.
O movimento vai ao encontro do que prega o partido em âmbito nacional: as disputas municipais do ano que vem, entende o PT, serão fundamentais para a reeleição de Lula em 2026. No começo de agosto, inclusive, a presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann, estará em Nova Iguaçu, segunda cidade mais populosa da Baixada, em reunião com diretórios municipais para organizar a reconstrução petista.
“O que não pode é o Bolsonaro não ter feito um projeto no Rio enquanto presidente e ganhar a eleição aqui. Vamos retomar esse espaço, reconquistar força”, afirma o presidente estadual do PT, João Maurício de Freitas.
Em 2022, o partido ganhou pela primeira vez uma eleição presidencial sem tingir o mapa do Rio de vermelho. O resultado na Baixada, avaliam políticos fluminenses e analistas, é fruto de duas características da região: a presença abundante de igrejas evangélicas e o cotidiano de violência, que pintam um cenário propício para o discurso bolsonarista. Em alguns municípios, a diferença entre os dois candidatos foi de mais de 20 pontos.
“Existe essa relação entre um discurso [bolsonarista] e um cotidiano perpassado pela violência”, aponta a cientista política Mayra Goulart, que pesquisa a política da região e coordena o Laboratório de Partidos e Política Comparada (Lappcom).
O próprio Lula terá em breve agendas na Baixada, onde deve selar o apoio a projetos de Belford Roxo acertados com Waguinho no processo de saída da mulher dele, Daniela Carneiro, do Ministério do Turismo. “A Daniela não foi para o ministério por ter dado votos ao Lula na última eleição, e sim pela expectativa de que o grupo dela franqueie espaço na Baixada para o PT daqui em diante. É sobre o futuro, não sobre o passado”, destaca Goulart.
A pesquisadora acredita que estratégias políticas territorializadas ganharam força com o orçamento impositivo, como são chamadas as emendas cujo destino é determinado pelos parlamentares. Criou-se, diz, uma municipalização ainda maior da política brasileira. “Essas lideranças locais foram transformadas nos principais cabos eleitorais do Brasil. É do interesse do candidato a presidente, assim como do candidato a governador, gozar do apoio de um vereador, de um prefeito, porque vai ter mais acesso àquele território, vai ter alguém para associar à figura dele naquela área”, observa.
Dos dez parlamentares federais mais votados do Rio no ano passado, cinco são da Baixada. Trata-se de uma região que ilustra bem a definição de política local, com o voto ligado diretamente ao que é palpável nas ruas para o eleitor.
Num território em que a representação de partidos de esquerda é quase inexistente – e, quando existe, costuma ser com políticos mais fisiológicos -, a sigla de Lula tem poucas apostas de candidatos próprios. Na maior parte dos 13 municípios, a tendência é construir alianças com caciques de outras legendas.
Dos nomes filiados à sigla, são tidas como certas as candidaturas de Fernanda Ontiveros à reeleição em Japeri e de Andrezinho Ceciliano em Paracambi, dois municípios que não estão entre os mais populosos da região. Também deve ser anunciada a pré-candidatura do deputado Lindbergh Farias à Prefeitura de Nova Iguaçu, que ele comandou entre 2005 e 2010.
Muitos, contudo, duvidam que o ex-senador estará nas urnas.
Nas maiores cidades – Duque de Caxias, a própria Nova Iguaçu e a Belford Roxo de Waguinho -, há um esforço para se reaproximar dos grandes caciques. Em Caxias, o partido flerta com o ex-prefeito Zito, que estava no PP e vai embarcar no PV, mas também pode apoiar o deputado federal Marcos Tavares, do PDT.
Ao mesmo tempo, petistas mantêm diálogo com o ex-prefeito Washington Reis (MDB), principal liderança municipal e atual secretário estadual de Transportes, que ainda não tem um candidato definido para a cidade. Apesar de ter promovido comício para Bolsonaro em Caxias na última eleição, Reis manteve ótima relação com os governos petistas e conversou presencialmente com Lula duas vezes no ano passado.
“Acredito que as lideranças que se disseram bolsonaristas não são bolsonaristas, são políticos tradicionais que surfaram aquela onda e poderiam ter surfado qualquer outra. Washington Reis é um ótimo exemplo disso”, observa Mayra Goulart.
Em Nova Iguaçu, paralelamente ao movimento de Lindbergh, o partido tem apreço pelo atual prefeito, Rogério Lisboa (PP), que ainda não definiu quem será seu candidato à sucessão. Lisboa foi um dos prefeitos da região que o PT tentou levar para o palanque de Lula no segundo turno do ano passado, mas, mesmo simpático ao presidente, ele não se envolveu na disputa presidencial.
No Estado do Rio como um todo, o partido de Lula elegeu apenas Fabiano Horta, de Maricá, nas eleições de 2016 e 2020. A meta para o ano que vem é voltar a ter dez prefeitos, mesmo número que tinha em 2016.
Entre experientes políticos da região que ainda relutam em aparecer em público com Lula, a leitura é de que o petista deve conseguir reconquistar as lideranças locais com a melhora da economia até 2026. Um desses caciques traça diagnóstico de terra arrasada ao analisar o que foi o governo Bolsonaro para as prefeituras – “experiência desastrosa, tudo que tinha de convênio acabou” -, mas sente que os valores bolsonaristas ainda tornam a região refratária a Lula.
Para a sigla reverter o quadro de rejeição, esse político dá a senha: “Tem que dar uma desmontada na rejeição dos evangélicos, ir se aproximando. E tem que se aliar com quem vai chegar ao poder nas cidades, cuidar dos prefeitos.”
Por Caio Sartori – Valor Econômico