PROJETO DE MOEDA SOCIAL EM ESCOLA DE BELFORD ROXO RECEBE PRÊMIO NACIONAL
Na iniciativa, alunos trocam materiais recicláveis por produtos escolares e itens como brinquedos, jogos e fones de ouvido. Ação foi premiada pelo Sebrae
O hall de entrada da Escola Municipal José Pinto Teixeira, no bairro Recantus, em Belford Roxo, tem uma estrutura que chama a atenção. Em uma espécie de armarinho, feito em madeira revestida por papéis coloridos, estão os produtos que podem ser adquiridos em troca de materiais recicláveis. O pagamento é por meio da moeda social criada no projeto ‘REcoin: o dinheiro que vem do lixo’, que deu ao professor de matemática João Carlos Pereira Braga, de 40 anos, a primeira colocação na categoria Ensino Fundamental (Anos Finais) no prêmio Educador Transformador 2023, oferecido pelo Sebrae em parceria com a Bett Brasil e o Instituto Significare.
O professor de matemática João Carlos Carlos Pereira Braga, premiado com o projeto ‘REcoin’, recebe homenagem dos alunos da Escola Municipal João Pinto Teixeira, em Belford Roxo Pedro Ivo/ Agência O Dia
A premiação aconteceu em São Paulo, de onde o professor retornou na quarta-feira (17) para uma homenagem surpresa organizada pela comunidade escolar. “Foi emocionante receber o carinho de todos. Isso estimula a gente a sonhar mais”, diz o professor, criador do projeto que concorreu com outros 625 de escolas de todo o país. A iniciativa foi a única representante do Rio na Região Sudeste. Ao todo, foram 2.897 projetos inscritos.
A ideia surgiu durante visitas do professor com os alunos ao Rio Botas, que fica perto da escola e costuma causar alagamentos na época de chuvas devido ao acúmulo de lixo. Numa ocasião, um aluno repreendeu um homem que parou o carro ao lado do curso d’água para despejar lixo no rio. “Ei, moço, o tio disse que não pode jogar lixo no rio”, disse o menino.
Era uma prova de que os passeios de conscientização estavam dando certo, o que gerou um sentimento de que, se algo maior pudesse ser feito, mais frutos iriam surgir. Foi quando o professor João Carlos e a diretora Claudia Sueli começaram a desenvolver o projeto da moeda social REcoin – batizada com a união de ‘RE’, de reciclável, e ‘coin’, moeda em inglês. A implantação foi em agosto de 2021.
Primeiro, estabeleceram um sistema de câmbio para a troca de reais por ‘REcoins’. Chegaram ao valor de 30 centavos para cada ‘REcoin’. A partir disso, estabeleceram uma tabela com os valores em ‘REcoins’ de cada produtor que estaria disponível na lojinha da escola, que vão desde os materiais escolares, como cadernos, lápis e borracha, a brinquedos, chaveiro, mini game e fones de ouvidos – um dos itens que mais saem.
Os materiais que podem ser trocados pela moeda social pelos alunos são garrafas pet (5 valem 1 ‘REcoin’), latinhas de alumínio (3 valem 1 ‘REcoin’), óleo de cozinha (1L para 5 ‘REcoins’) peças eletrônicas (5 para 10 ‘REcoins’) e celular velho (1 vale 1 ‘REcoin’). Os itens ficam alocados em uma sala que estava inutilizada na escola, de onde são recolhidos por uma empresa de reciclagem, que pesa o material e paga a escola em reais. Com o valor, a direção compra os itens da lojinha.
“Pensamos em materiais que os alunos pudessem trazer de suas casas, que fossem seguros para eles manusearem e tivessem alto valor agregado para a reciclagem. Isso para que pudéssemos envolver todos os alunos, dos pequenos aos maiores. Com o projeto, mostramos a eles o valor que esses produtos podem ter ao retornarem à cadeia produtiva, reduzindo, ao mesmo tempo, o problema do lixo na cidade”, diz o professor.
Familiares ajudam a recolher materiais no bairro
Todos os dias os alunos trazem os recicláveis para a escola. O maior volume é na segunda-feira, após as reuniões familiares de fim de semana. Desde 2021, foram recolhidos cerca de uma tonelada de materiais que deixaram de ir para rios, bueiros e valões. Aluna do 7º ano, Sophia Alves, de 12 anos, conta que os parentes estão ajudando.
“Meu pai sempre traz coisas da rua todos os dias que vai ao trabalho. Meu avô e minha avó também, estão sempre recolhendo latinha e garrafas pet para eu levar para a escola”, diz a menina: “Eu acho isso muito legal, está incentivando as pessoas a cuidar da natureza”.
Ao lidar com os ‘REcoins’, os alunos também aprendem matemática – como cálculos para saber, por exemplo, de quantas garrafas pet precisam para adquirir um chaveiro – e noções de planejamento financeiro.
“Acho muito bom poder comprar as coisas com meu próprio dinheiro. Estou com 10 ‘REcoins’ no momento. Pretendo juntos mais para comprar um fone (que custa 120)”, revela a estudante Vitória Santos, de 13 anos, do 7º ano.
As crianças aprendem, ainda, noções de solidariedade.
“Já aconteceu de eu estar com muitos ‘REcoins’ e dar um pouco para uma amiga, que tem irmãos que estavam precisando de material escolar”, lembra Sophia.
Alunos aprendem a investir
Além dos ‘REcoins’, o projeto tem o ‘Título da Natureza’, uma espécie de capitalização que gera renda para o aluno. O título, que hoje está valendo 34 ‘REcoins’, valoriza a cada mês até atingir, em dezembro, o valor de 50 ‘REcoins’.
“Isso é educação financeira na veia. O aluno já aprende desde cedo o conceito de investimento, para obter que queira em um futuro próximo”, diz o professor João Carlos, acrescentando que ele e a escola estão abertos a ajudar outras unidades e instituições sem fins lucrativos que queiram replicar o projeto:
“O prêmio reconheceu e deu visibilidade à proposta. Já fomos contatados por escolas de Nova Iguaçu e do Rio que têm interesse em implantar o projeto. Já combinamos reuniões. Estamos disponíveis para conversar com todos”.
Já a Prefeitura de Belford Roxo disse que a Secretaria de Belford Roxo está fazendo uma avaliação técnica para ver quais escolas podem ter o projeto replicado.
Por – O Dia