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PROFESSORES DA UNB DESTACAM IMPORTÂNCIA DO DIA DOS POVOS INDÍGENAS

ALTACI CORRÊA RUBIM E GERSEM BANIWA, OS PRIMEIROS PROFESSORES INDÍGENAS DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, TAMBÉM REFLETIRAM SOBRE OS AVANÇOS DOS POVOS ORIGINÁRIOS

O Dia dos Povos Indígenas, celebrado neste sábado (19/4), destaca a diversidade das comunidades originárias. Altaci Corrêa Rubim, primeira professora indígena da Universidade de Brasília (UnB), afirma que a data é mais do que uma celebração, pois trata-se também de um momento de afirmação de identidades e de visibilidade das lutas por demarcação de terras, fortalecimento das línguas, dos saberes, da educação escolar indígena, da saúde e da autonomia dos povos.

“A mudança de Dia do Índio para Dia dos Povos Indígenas por si só é uma avanço simbólico e político importante, pois reflete a pluralidade dos povos, além de romper com uma visão estereotipada e colonizadora. Essa data também é um momento de chamar a sociedade para repensar a relação com os povos indígenas, reconhecendo o protagonismo deles na defesa da biodiversidade e da democracia”, frisa Altaci, professora do departamento de Letras da UnB e coordenadora de promoção de políticas linguísticas do Ministério dos Povos Indígenas.

Tataiya Kokama — nome indígena de Altaci — frisa que os povos indígenas vem conquistando espaços a cada ano por meio de muita luta. Um dos avanços citados pela professora é a aprovação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI).

“Sabemos que os conflitos territoriais são intensos nos territórios indígenas e a conquista do PNGATI é de suma importância para a valorização dos conhecimentos tradicionais”, avalia. Altaci também cita a ampliação da presença indígena no ensino superior e a inserção em espaços de decisão, com a criação de secretarias, coordenações, conselhos e o Ministério dos Povos Indígenas.

“Nós vamos ocupar mais espaços a partir do programa Kuntari Katu, que visa formar líderes indígenas na política global. O Ministério dos Povos Indígenas conseguiu, juntamente com o Ministério das Relações Exteriores e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), bolsas para formar diplomatas indígenas. É a primeira vez na história que isso está acontecendo”, lembra Altaci.

Apesar dos avanços significativos, os indígenas ainda enfrentram muitos desafios. “A demarcação de terras segue ameaçada por políticas anti-indígenas. O Marco Temporal, que representa um grave retrocesso jurídico e moral, e os ataques às escolas indígenas e às casas de rezas, têm se intensificado, mesmo com a nossa luta em busca de promover a paz. Temos sofrido muitas retaliações em nossos territórios”, destaca Altaci.

O professor Gersem Baniwa, do Departamento de Antropologia da UnB, ressalta que o Dia dos Povos Indígenas tem importância simbólica e prática. Segundo ele, o silenciamento e invisibilidade foram algumas das questões que facilitaram o processo de genocídio contra os povos originários. “Chegou-se a um tempo que uma parcela importante da população brasileira sequer sabia que havia indígenas no Brasil ou se achavam que se houvesse era algo restrito a regiões como a Amazônia, por falta justamente de informação. Então o Dia dos Povos Indígenas é um momento de dar esse conhecimento a socidade”, afirma.

Gersem, segundo docente indígena da UnB, pontua que parte da sociedade ainda é muito hostil em relação aos povos indígenas. “Uma parcela importante, sobretudo a elite política e econômica, vê os indígenas como empecilhos ou obstáculos, como quem atrapalhe o desenvolvimento de seus negócios ou até mesmo do país. Isso é puro preconceito e racismo. Os povos originários contribuem muito com suas economias, culturas, tradições”, diz Gersem.

O professor também avalia que embora haja avanço no protagonismo originário na política, a questão indígena ainda não está entre as prioridades do governo. “Não tem orçamento suficiente, não há processos administrativos adequados para atender as realidades das comunidades, pois a burocracia estatal é muito voltado para as cidades”, diz.

Para Gersem, as principais causas do preconceito e do racismo contra os povos indígenas são a desinformação e os estereótipos que foram construídos e naturalizados ao longo da colonização. “O desconhecimento pode ser preenchido com conhecimento, mas as informações equivocadas são mais difíceis porque tem dois momentos: primeiro tem que desconstruir para depois construir conhecimentos verdadeiros. Na colonização, quem chegou no Brasil vindo da Europa foi criando preconceitos, por exemplo a ideia de sociedades primitivas para se referir aos povos indígenas”, cita.

O professor defende a importância da Lei 11.645/2008, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena no ensino fundamental e médio, em todas as escolas brasileiras. “Infelizmente isso não é cumprido. Poucas instituições de ensino cumprem essa lei. Se essa legislação fosse cumprida, nós já estaríamos muito a frente no combate ao preconveito e racismo contra os povos indígenas”, argumenta.

Línguas indígenas

No Brasil, além do português, existem mais de 200 línguas indígenas. A Organização das Nações Unidas (ONU) lançou um plano de dez anos (2022-2032), chamado de Década Internacional das Línguas Indígenas, para preservar a diversidade sociolinguística.

Cabe destacar que, cada vez que uma língua indígena é extinta, também se vão a cultura, a tradição e os saberes que ela carrega. Segundo a ONU, os povos indígenas são 6% da população global e falam mais de quatro mil das 6,7 mil línguas do mundo. No entanto, estima-se que mais da metade de todas correm o risco de serem extintas até o final deste século.

A professora Altaci destaca que mesmo as línguas indígenas consideradas extintas podem ser recuperadas por meio de rituais e contato com os ancentrais. “Para os povos indígenas, esse conceito de língua é espírito. Enquanto estudiosos do mundo ocidental procuram incessantemente pelas raízes das línguas, entre os povos originários a origem da língua não está em uma genealogia linear. A língua é espírito e não nasce do corpo, mas sim da conexão entre mundos. Ela vem do tempo das origens, quando os primeiros espíritos surgiram na Terra. Os espíritos das árvores, dos pássaros, das cachoeiras, dos animais, do fogo. Cada ser carrega sua própria forma de linguagem. Cada manifestação da natureza tem seu canto, seu som, sua vibração. Isso é linguagem, é língua”, explica Altaci.

“Então, como espírito, a língua pode ser acordada, pode ficar adormecida e não extinta ou mora, pois cada povo que reivindica sua existência e volta a se reconectar com seus ancentrais e com o território volta a acordar os espíritos das línguas. As línguas são acordadas por meio de rituais, de sonhos, de cantos e pela própria existência e conexão com os territórios indígenas. Quanto mais conectado uma pessoa está com a terra, mais a língua se revela e se mantém viva”, acrescenta a professora.

Altaci também citou a importância do Projeto de Lei 2935/2022, de autoria da ex-deputada e atual presidenta da Funai, Joenia Wapichana, que busca atender a necessidade de políticas públicas que respeitem e reconheçam a diversidade linguística no Brasil.

Conhecimento ancentral

Gersem Baniwa cita que dos mais de 1.300 povos indígenas que existiam antes da colonização, atualmente existem cerca de 300. As línguas indígenas também sofreram uma redução drástica da chegada dos europeus ao Brasil ao 1.500 até aqui. “Cada povo que foi sendo extinto levou junto muitos conhecimentos, saberes, culturas e filosofias de vida próprias”, conta. O professor da UnB também frisa que as formas de vida indígenas são altamente sustentáveis, pois eles “estão no continente há milhares de anos sem que colocassem em xeque a biodiversidade do planeta”.

“Os saberes indígenas estão sendo cada vez mais reafirmados e, inclusive, visibilizados e publicados. Uma coisa muito bonita que vem acontecendo nos últimos anos no mundo da ciência acadêmica ocidental é dar lugar aos saberes indígenas. As sabedorias ancentrais não são algo do passado, claro que foi sendo construinda ao longo do tempo, mas é de hoje e do amanhã também. Os saberes dos povos indígenas é uma das garantias do futuro”, cita Gersem Baniwa.

Por Aline Gouveia – CB

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