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PRAZO PARA ENFRENTAR REVERSÃO DO CLIMA COMEÇA A FICAR CURTO

Guerra da Ucrânia fez mundo subordinar a busca da transição energética à segurança energética

 “Não há mais como se iludir: não tem como comprar tempo”, diz a bióloga Izabella Teixeira, co-chair do Painel Internacional de Recursos Naturais das Nações Unidas. “O aumento médio de 1,2°C da temperatura no mundo já provoca os eventos climáticos extremos. Já estamos vivendo tudo isso”, diz a ex-ministra do Meio Ambiente. “Vivemos o início de uma transformação de eras. Isso é real.” Ela segue, pragmática: “Se vamos continuar usando petróleo, como é que vamos neutralizar as emissões? Como se viabilizam as estruturas de sequestro e captura de carbono? Quem irá pagar por isso? Como haverá dinheiro para os mais vulneráveis, que não podem mais se adaptar aos impactos climáticos? A conversa tem que ocorrer de outro jeito e não ‘continuaremos emitindo porque não existe alternativa energética’”.

A próxima rodada de negociações climáticas acontece em um dos países que mais produz petróleo no mundo, os Emirados Árabes Unidos. E em um momento em que duas guerras desviam a atenção global para as tragédias humanitárias e deixam a emergência climática em segundo plano. “A tendência dessa COP, em Dubai, infelizmente, é a de ser um fracasso total”, diz o cientista político Eduardo Viola.

“Mais do que nunca na história, desde a conferência de 1992, no Rio de Janeiro, este é o momento em que a política climática internacional está mais atravessada pelo grande conflito geopolítico”, continua o professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. “É um momento extremo dos 30 anos de negociações climáticas. Eu diria que é o momento mais difícil do regime climático, com forte erosão da cooperação internacional, grandes pontos de tensão e a profunda rivalidade do Ocidente com a China e a Rússia”, continua.

Ele lembra que, antes da invasão russa na Ucrânia, países ricos e mais avançados na descarbonização perseguiam a “transição energética”. Com a guerra, o conceito ficou subordinado à busca pela “segurança energética”.

Depois da COP de Glasgow, em plena pandemia, em 2021, veio a de Sharm El-Sheikh, no Egito, em novembro de 2022, já sob a influência da invasão russa na Ucrânia. Ali se tomou a decisão de criar o Fundo de Perdas e Danos, para ajudar os países mais vulneráveis, como as pequenas ilhas, que não têm mais como se adaptar à emergência climática. É, até agora, mais uma intenção do que algo concreto – é um fundo oco, sem dinheiro.

A probabilidade de se avançar pouco ou nada na negociação climática internacional tem como pano de fundo as várias tensões mundiais contemporâneas. Desde 2018, o confronto entre os Estados Unidos (maior emissor histórico de gases-estufa) e a China (maior emissor atual) vem se aprofundando. Há uma separação das cadeias globais de suprimentos em relação à alta tecnologia, com o exemplo mais forte sendo os semicondutores, diz Viola. “Semicondutores estão no centro da economia mundial”, diz o professor.

Este é o momento mais difícil do regime climático em 30 anos de história”

— Eduardo Viola

Os Estados Unidos avançaram no governo Joe Biden com o Inflation Reduction Act, a primeira política climática do país iniciada em 2022. “Há muito investimento em tecnologias de baixo carbono. É um subsídio grande, são quase US$ 400 bilhões”, diz Viola. Contudo, a partir da guerra na Ucrânia, a pressão por aumentar a exploração de petróleo nos EUA ficou forte. O petróleo subiu de preço e alcançou US$ 120 o barril. “A política do governo Biden era não dar novas licenças para exploração de petróleo nos EUA, mas isso não se sustentou com a invasão russa na Ucrânia.” Não houve impacto, porém, na exploração de carvão, combustível que não é competitivo nos EUA frente ao gás de xisto.

A União Europeia mantém a política climática mais avançada do mundo, mas que está suspensa neste momento. O bloco aumentou muito o uso do carvão na Alemanha, Polônia, República Tcheca e Eslováquia depois da guerra na Ucrânia. Ao perder o fornecimento do gás russo, a UE começou a importar gás liquefeito de EUA, Qatar e Argélia. “A trajetória de descarbonização está parada e até parcialmente revertida”, diz Viola.

A China, que tinha como política reduzir o uso de carvão, mudou no segundo semestre de 2021 ao começar a recuperar a economia no pós-pandemia. Carvão passou a ser visto como item de segurança nacional por ser a fonte de energia existente no território.

“A geopolítica está em transição. Estamos seguindo para um mundo multipolar”, diz Izabella Teixeira. “Este é um século que nasce com crises e com mudanças”, continua. “Nos últimos anos vivemos a pandemia, a guerra na Ucrânia e agora a de Israel e Hamas”, diz. “Não acho que a agenda climática vá encolher. Mas sofrerá as consequências diplomáticas do contexto que vivemos”, continua. Os recursos da cooperação oficial ao desenvolvimento (ODA, na sigla em inglês), minguaram. “O diálogo diplomático será contaminado.”

Por Daniela Chiaretti/Valor Econômico

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