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POR QUE O EQUADOR SE TORNOU O ‘PAÍS MAIS VIOLENTO DA AMÉRICA LATINA’ – E COMO SE COMPARA AO BRASIL

No início de 2024, o país andino – localizado entre a Colômbia e o Peru e com um tamanho um pouco maior do que o do Rio Grande do Sul – atingiu patamares de violência e medo entre os cidadãos nunca vistos.

As causas são múltiplas, mas o papel do país no tráfico mundial de drogas – principalmente cocaína – o coloca neste momento como um epicentro de instabilidade, violência e corrupção do já complexo contexto social da América Latina.

O Equador passou de um dos países mais pacíficos da região ao mais violento, segundo o Insight Crime, centro de estudos sobre crime organizado nas Américas. Hoje, atravessa um momento mais grave do que vizinhos com problemas históricos nesta área, entre eles o Brasil, como mostram a comparação de dados de violência entre os dois países.

Robert Muggah é cientista político, expert em segurança pública e cofundador do Instituto Igarapé, com base no Rio de Janeiro. Após participação no World Economic Forum de Davos, ele falou conosco para analisar o que está acontecendo com o país e as semelhanças com o Brasil.

Segundo Muggah, o incremento da violência é de fato inacreditável na América Latina toda, desde a Guiana passando por Cuba, Brasil, Puerto Rico, Equador e até o norte do Chile e Uruguai, países relativamente pacíficos no contexto da região.

“No Equador, a violência provavelmente vai aumentar”, disse em conversação desde o Rio. Muggah explica que numa análise crua de tendências, estamos assistindo a uma progressiva transnacionalização do crime no Equador e o aumento da violência política.

Ele identifica quatro fatores estruturais que o Equador e o Brasil compartilham e que estão dando forma ao incremento da violência nesse momento: recordes na produção e tráfico de cocaína, crescente presença do crime organizado transnacional, fragmentação de gangues locais na prisão e na rua no combate por controle e influência e finalmente um estado débil que acaba com a participação do crime na política.

À primeira vista, em termos absolutos, o Brasil parece ser mais violento do que o Equador.

Enquanto houve no país andino 7.270 mortes violentas em 2023, segundo a Polícia Nacional do Equador e o Ministério do Interior, o número foi quase cinco vezes maior no Brasil. Foram registradas 40.173 mortes violentas no ano passado, segundo o Ministério de Justiça e Segurança Pública – 453% a mais do que no Equador.

Mas é preciso levar em consideração que a população do Equador, de 17,8 milhões de habitantes, é muito menor do que a população brasileira, de 203 milhões. É a taxa de violência em relação ao tamanho da população de cada país que mostra que a crise de segurança no Equador é mais profunda do que no Brasil.

A taxa de mortes violentas no Equador chegou a 40 por cada 100 mil habitantes em 2023. É mais do que o dobro da taxa brasileira de 19,8 por cada 100 mil. O histórico de mortes violentas deixa evidente como a situação do país andino piorou rapidamente. São consideradas assim aquelas decorrentes de homicídios dolosos, latrocínio, lesão corporal, e intervenção policial, além de mortes de policiais.

“No Equador em 2017 pensar atingir os números do Brasil era impensável pois a taxa de mortes violentas estava sempre perto daquela de países com guerra declarada como a Síria”, diz Carla Álvarez Velasco, pesquisadora de assuntos de segurança no Instituto de Altos Estudios Nacionales IAEN de Equador.

Ela observa que o país olhava de longe as intervenções das polícias militares e as forças de pacificação de favelas como exemplos extremos no tratamento da violência. E aquilo que tinha acontecido em prisões brasileiras era totalmente desconhecido no país andino

Em 2022, o Equador registrou 4.824 mortes violentas e viu esse índice saltar 50,7% no ano seguinte. Já a taxa a cada 100 mil habitantes passou de 6,9 em 2019 para 40 em 2023, um crescimento de 480%. Por sua vez, no Brasil, o número de mortes violentas caiu 17% desde 2021, quando houve 48.400 registros. Houve também uma redução expressiva, de 27%, na taxa de mortes violentas desde 2018, quando o índice foi de 27,1 por 100 mil habitantes.

Violência nas prisões

A gravidade da violência e mortes nas prisões equatorianas e brasileiras nos últimos anos tem sido uma preocupante realidade em ambos os países. Dados levantados pelo pesquisador equatoriano Jorge Paladines em seu livro Matar e Deixar Matar mostram que 591 pessoas foram assassinadas nas prisões do Equador entre 2018 e 2022.

 Detentos em prisão localizada em Guayaquil, no Equador Foto: Santiago Arcos/Reuters

No Brasil, neste mesmo período, foram registradas 9.810 mortes no sistema prisional, de acordo com dados divulgados pela Secretaria Nacional de Políticas Penais ao jornal Folha de S. Paulo. O 2019 foi o ano que teve o maior número de registros, com 2.101 mortes nas prisões do país.

A causa das mortes na maioria dos casos não pôde ser classificada por falta de informação do governo. Infecções, doenças crônicas, suicídio e violência interna são alguns dos principais motivos apontados por especialistas para mortes nas cadeias do Brasil.

Também neste ponto é necessário dimensionar as diferenças entre os sistemas prisionais do Brasil e do Equador. Álvarez Velasco aponta que o sistema prisional tem 53 unidades com capacidade para 30 mil presos. Para a pesquisadora, sem vigilância e atenção, os criminosos passaram a ter o autogoverno mafioso nas cadeias. “Só como um exemplo, o orçamento para administrar as prisões passou de $130 milhões de dólares a $90 em 2020. Um ano depois, em fevereiro de 2021, aconteceu o primeira massacre”, indica.

Com 38.693 presos ao todo atualmente no sistema, a superlotação gira em torno de 38%.

O país enfrenta uma crise penitenciária que levou presidentes do país a instaurarem um estado de emergência para resolvê-la, sem sucesso.

O número de detentos aumentou bastante no Equador em anos recentes. Conforme aponta Paladines, havia em 2009 em torno de 10,88 mil pessoas presas, cerca de um terço do número atual.

O Brasil tem por sua vez uma das maiores populações carcerárias do mundo. São 832.295 detentos, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública publicado em meados do ano passado. O número de presos brasileiros cresceu 257% de 2000 a 2022, agravando o problema da superlotação.

A estimativa é que o déficit de vagas em prisões passa de 236 mil, o que representa 28,5% da população carcerária atual. No entanto, quando o número de mortes em prisões é colocado no contexto das respectivas populações carcerárias de cada país, as taxas se revelam semelhantes, elas representam 1.9% do número total de presos no caso do Equador e de 1,2% no caso brasileiro.

“Agora, o Equador é um caso de estudo no mundo pelo jeito acelerado no qual tudo mudou”, diz Álvarez Velasco. Segundo ela, o país sofreu um deterioramento do investimento em infraestrutura, tecnologia e guardas prisionais que começou com certeza com o governo de Lenin Moreno em 2017, agravando-se em 2020 com a chegada da pandemia.

Tráfico de drogas

O Equador e o Brasil têm uma localização geográfica ideal para o trânsito de cocaína para mercados que cobrem todo o mundo. Segundo Muggah, isso vem acompanhado de sistemas fracos de controle nos portos de saída da droga.

“No Equador há portos sem os mecanismos básicos para examinar produtos e inventário. No Brasil não é diferente pois portos como Santos somente há pouco aumentaram a sua capacidade de monitoramento do conteúdo”.

O tráfico internacional de drogas é apontado por especialistas como uma das principais causas da onda de violência que o Equador atravessa no momento. A cocaína é a principal substância ilícita que o país exporta atualmente no contexto de um mercado global de cocaína que movimenta cerca de US$ 120 bilhões (R$ 592 bilhões) por ano, de acordo com as Nações Unidas.

Em 2021, ano mais recente disponível no levantamento, foram apreendidas pelas autoridades 2.026 toneladas da droga no mundo. O volume apreendido no Equador disparou nos últimos anos. Em 2015, segundo dados do Insight Crime e do portal Plan V, foram 63 toneladas. Em 2023, o país bateu recorde, com 206 toneladas apreendidas.

Em 2022, estima a Insight Crime, um terço da crescente produção de cocaína na Colômbia passou pelo Equador rumo a mercados internacionais. É um patamar bem superior ao que se verifica no Brasil, onde o volume de apreensões também vem crescendo.

No caso brasileiro, a PRF em 2023 aprendeu mais de 700 toneladas de drogas, segundo informação publicada pela Empresa Brasil de Comunicação EBC. A informação ainda aponta que de janeiro a novembro daquele ano, mais de 250 toneladas de droga foram apreendidas no estado de São Paulo, valor 12% a mais do que no mesmo período do ano passado.

Já segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, em 2023, foram apreendidas por autoridades brasileiras 32,6 toneladas de cocaína – o valor mais alto nos últimos quatro anos.

Segundo dados da mais recente entrega do Global Report on Cocaine, Local Dynamics, Global Challenges, em 2021 a apreensão de cocaína pelas alfândegas da Europa Central e Ocidental por país de origem esteve dominada por dois países: Equador em primeiro lugar, seguido do Brasil. Aliás, de acordo com a informação apurada no documento, autoridades brasileiras apreenderam um pouco mais de 100 toneladas de cocaína em 2019, a maior figura na história dos registros.

Sequestros

A atual crise de violência no Equador ocorre em meio de um aumento do número de sequestros. Entre janeiro e setembro do ano passado, de acordo com a Unidade Anti Sequestros e Extorsão (Unase) da Polícia Nacional, houve 67 casos. Isso representa um aumento de 347% em relação ao ano de 2022 inteiro, quando foram registrados 19 sequestros.

Segundo a Unase, a situação é pior nas províncias da costa equatoriana, especialmente Guayas, onde aconteceram 50% dos casos registrados em 2023. Guayas é onde fica Guayaquil, a maior cidade do país e onde ataques criminosos levaram o presidente do país, Daniel Noboa, a reconhecer por decreto que o país enfrenta um conflito interno armado.

No caso do Brasil, o mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública não tem uma contagem de desaparecidos que pode incluir sequestros, mas não há uma contagem de sequestros no país. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública possui dados relevantes, mas não tem uma contagem do número de sequestros na sua última edição de 2023. Apenas indica que em 2022 o Brasil registrou 74.061 desaparecidos nos quais podem estar os sequestros. No entanto, segundo dados da companhia americana de dados Knoema, em 2018 houve 659 sequestros no Brasil.

Já segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública e o Insight Crime, entre 2019 e 2022 o Brasil registrou 200.000 desaparições.

Como governos reagiram

Para Muggah, a espetacular violência nas prisões, primeiro no Brasil e depois no Equador, tem espalhado por ambos países e tem reforçado a resposta bélica que faixas conservadoras da população aprovam por estarem desesperadas por ver resultados físicos.

“Em El Salvador podemos ver uma redução na violência homicida, mas o preço é encarceramento massivo, entre outros. Essas situações demandam estados de exceção permanente com o pedal até o fundo (…) o que acontece muitas vezes é que quando mudar de estratégia punitiva ou levantar o pé do pedal, você vê a violência voltar às vezes com maior força se olharmos a história da aproximação da mão dura”.

Segundo Álvarez Velasco, o Brasil não é perfeito desde nenhum ponto de vista, mas tem uma vantagem sobre o Equador: o seu índice de institucionalidade é mais forte do que o Equador. “O Brasil tem criminalidade, mas o estado faz contenção. No Equador isso desapareceu nos últimos sete anos, pelo menos”.

Diferentemente do Brasil, o Equador não tem um órgão equivalente à Polícia Federal com foco no controle de instalações militares. Mesmo assim, a presença militar nas ruas como método de controle e vigilância faz parte do decreto do presidente. No meio do ambiente de instabilidade, violência e medo, a Polícia Federal brasileira colocou-se à disposição do governo equatoriano.

Noboa, em postagens na rede social X, parabenizou as Forças Armadas, a polícia e o serviço penitenciário pela libertação de agentes penitenciários que haviam sido sequestrados e pelo trabalho para restaurar a paz no país.

Em vídeo publicado pelo presidente, há uma clara demonstração de controle sobre as prisões em que detentos aparecem nas imagens com a cabeça baixa sob a vigilância de fuzis. O chamado Plano Fênix anunciado por Noboa em sua campanha eleitoral para combater a crise de segurança ainda não tem eixos claro, na opinião de alguns analistas. Por enquanto tem se limitado à suspensão de alguns direitos cidadãos como um toque de recolher e a militarização dos espaços públicos.

Para Ramiro Ávila Santamaría, professor de Direito da Universidade Andina Simón Bolívar, no Equador, as ações do governo refletem “punitivismo puro e duro” no tratamento da crise.

“Há uma grande dose de ignorância e populismo penal nas decisões de Noboa”, diz Santamaría. Para ele, a militarização é a pior forma de lidar com os complexos problemas sociais derivados da proibição às drogas. “O problema não são as drogas em si, e sim o regime de perseguição e proibição que fornece o pretexto para controlar a sociedade mediante táticas violentas.”

Sobre as ações do governo de Noboa, Marta Hurtado, porta-voz do Alto Comissionado das Nações Unidas para Direitos Humanos, disse que qualquer medida de emergência tomada para o combate da violência deve ser “proporcional e limitada ao que demanda a situação de segurança”.

“As faculdades outorgadas às Forças Armadas para tarefas de segurança pública devem ser excepcionais, limitadas no tempo e subordinadas às autoridades civis que levam as contas sem esquecer as origens estruturais da violência no país”, disse Hurtado.

Em agosto do ano passado, Fernando Villavicencio, então candidato a presidente e que fez campanha contra o crime organizado, foi morto a tiros em um comício. No mês seguinte, Oliver De Schutter, relator especial das Nações Unidas para pobreza extrema e direitos humanos, visitou o Equador e declarou na ocasião que a falta de oportunidades de trabalho e educação fazem com que jovens sejam recrutados facilmente por organizações criminosas.

“O alarme pelo recente aumento do crime e violência no Equador, que inclui o assassinato de Fernando Villavicencio, não deve distrair das causas profundas desse estado de insegurança.

No Brasil, o governo federal anunciou em outubro do ano passado o Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas. O plano foi anunciado em meio uma enxurrada de críticas ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela crise de segurança pública na Bahia e no Rio de Janeiro, marcada por altos índices de violência e letalidade da polícia e embates cada vez mais frequentes entre facções criminosas por controle de territórios.

Os investimentos da ordem de R$ 900 milhões em melhorias das forças de segurança anunciados como parte do programa representam, na avaliação do cientista político Christopher Newton, pesquisador da Insight Crime, “uma aposta falha no combate do crime organizado relacionado com o controle do tráfico de drogas”.

“A resposta tem sido a militarização”, diz Newton em relatório divulgado pelo centro de estudos, que destaca que no passado outras propostas parecidas fracassaram em seu objetivo de frear o crime organizado no Brasil por ignorar as razões de fundo para estes crimes.

No caso equatoriano, o país ainda não tem organizações criminosas com o poder e alcance do Primeiro Comando da Capital, exemplo emblemático de um grupo violento nascido de violência nas prisões do Brasil.

“Essas organizações ainda não estão maduras, mas é apenas uma questão de tempo caso as coisas não mudem (…) se o Estado equatoriano não conseguir dar um giro radical na administração da segurança, com certeza o problema vai aumentar”, diz Álvarez Velasco.

A continuação da linha dura do governo, o jornal local La Hora publicou há uns dias que desde o 9 de janeiro que as Forças Armadas —com assistência da Polícia— têm realizado 26.390 operações (72 contra grupos qualificados como terroristas), e se capturaram 2.369 pessoas, das quais 158 estariam vinculadas com grupos terroristas.

Métodos de intervenção militar neste tipo de estados de violência entregam resultados mornos, segundo Muggah. Ambos países compartilham um combate da violência com maior violência e tem espalhado a influência das gangues nos territórios dentro e fora da cadeia.

Aliás, ambos países têm elevado as suas taxas de aprisionamento junto com um esforço por desconectar os líderes da tropa nas prisões, o que tem aumentado a violência no Brasil nos últimos 10 anos. “O aprisionamento massivo tem piorado a situação em ambos países”.

Ele finaliza apontando que é preocupante para o Equador a militarização da cultura no futuro como resultado do uso da mão dura, além da possível aparição de grupos vigilantes e a participação desproporcionada de ex-militares e policiais na política.

Por OSCAR MALDONADO e MARCELO AYALA, da Paralelo Media

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