PLÍNIO MARCOS REVIVIDO NA LAURA ALVIM EM ‘XADREZ III’
No ano em que o dramaturgo santista Plínio Marcos completaria seu 90ª aniversário, a companhia teatral Churros de Polvo estreou na Casa de Cultura Laura Alvim, na última quarta-feira (12), ‘Xadrez III’, uma peça que mistura dois textos consagrados do autor: Barrela, e A Mancha Roxa. Dirigido por Henrique Manoel Pinho, a montagem de aproximadamente 1h30min entreteve e fez refletir a todos os presentes na estreia.
Barrela, escrita durante o governo JK e censurada pelo mesmo por apresentar um tema polêmico e que ofendia a moral e os bons costumes da época, retrata uma cela prisional masculina onde o tema da pederastia e a violência sexual é recorrente. Em dado momento chega lá um rapaz preso após uma briga de bar, que é violentado pelos companheiros de cela, e liberado no dia seguinte. Baseia-se em uma história real que Plínio viu nos jornais da época, e através desta narrativa, ele traz ao debate público reflexões a respeito do tema e da situação da malandragem brasileira de trás das grades.
Mancha Roxa, por sua vez, foi encenada pela primeira vez no ano de outorga da Constituição, e retrata uma cela prisional feminina onde a mancha roxa (alegoria para a AIDS) atormenta as detentas. Nela se há a discussão de como, naquele período, ser soropositivo era sinônimo de morte, de apartamento da sociedade, inclusive das gentes marginalizadas, de como a doença divide um grupo que compartilha da mesma situação de clausura. Há também no texto uma importante reflexão de como a sociedade marginaliza seus filhos mais fragilizados, que junto da narrativa de Barrela, faz de Xadrez III uma “pancada”, referenciando os comentários de espectadores que ouvi no banheiro masculino.
Na montagem o elenco se divide a partir do gênero, e alterna os momentos de destaque, tudo no mesmo cenário miúdo da intimista sala Rogério Cardoso, se cujo palco tiver mais de 5m², já é demais. Apesar da dicotomização das personagens entre homens e mulheres, estipulando bem o que é cela feminina e o que é cela masculina, e também o que é Barrela e o que é Mancha Roxa, durante toda a encenação há momentos em que os mundos se invadem e complementam, integrando todo o elenco na mesma situação, e fazendo assim com que a mensagem de Xadrez III seja percebida pelo público e sentida por seus corações.
O grupo, originado de uma turma de bacharelado de Artes Cênicas da Casa de Artes de Laranjeiras (CAL), já havia apresentado o mesmo texto há alguns anos, durante sua formação, e segundo os já citados comentários do banheiro masculino, foi possível notar o amadurecimento dos atores nesta nova montagem. Se sim ou se não, não me cabe afirmar, mas que foi emocionante vê-los encenar, isto foi, afirmo e não abro mão.
Muito do culpado de todo esse sucesso foi quem fez a síntese das duas peças, e evidentemente, da caneta do gigantesco Plínio Marcos, autor de calibre, que fez história no teatro nacional, sempre tratando de temas sensíveis e polêmicos para a sociedade da época e também atual, de uma forma assaz irônica e única. Mas não podemos pôr o crédito todo em quem escreveu e adaptou a obra, o elenco desta montagem mostrou para que veio e tudo o que aprendeu em seus anos de CAL.Tudo muito envolvente, bem bolado e executado. Chance ímpar para quem deseja não somente ver um dos grandes autores do teatro nacional em cartaz, como também ter um momento de distração com muitas reflexões.
Xadrez III ficará em cartaz até a próxima quinta-feira, 27 de fevereiro. Suas sessões são nas quartas e quintas, às 19h, na sala Rogério Cardoso, Casa de Cultura Laura Alvim, encostadinha na orla de Ipanema, com a vista mais maravilhosa de todo o planeta.
Para mais informações, consultar as redes sociais da companhia Churros de Polvo (@churrosdepolvo) e da Casa de Cultura Laura Alvim (@casadeculturalauraalvim), além do site oficial da Fundação de Artes do Estado do Rio de Janeiro (FUNARJ).
por João Bernardo