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PARADA DO ORGULHO LGBTQIAPN DISCUTE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A POPULAÇÃO 60+

A 25ª Parada de Brasília coloriu as ruas da capital com festa e, pela primeira vez, trouxe o debate sobre visibilidade, inclusão e acesso à saúde para os idosos da comunidade representada pelas cores do arco-íris

É na capital do país a terceira Parada do Orgulho LGBTQIAPN mais antiga do Brasil e a terceira maior em público. Para 2024, a 25ª edição da marcha, organizada pela Associação Brasília Orgulho, teve como tema “60 Orgulho. Terceira idade LGBT: visibilidade, inclusão e políticas públicas”. Ontem, foi a primeira vez no país que um evento em prol da diversidade homenageou os idosos representados pela sigla.

Assim como na sociedade de forma global, o etarismo também atinge com muita força homens e mulheres que não se consideram heterossexuais cisgêneros. Um dos organizadores da parada, o produtor cultural Igor Albuquerque, 32 anos, comentou sobre a relevância da temática proposta, considerando que o preconceito em relação à idade afeta de maneira específica a qualidade de vida e a longevidade da comunidade LGBTQIAPN.

Além de ter vivido a juventude em tempos de estigmas e preconceitos ainda mais acentuados, essa parcela da população sofre isolamento social e enfrenta dificuldades no acesso à saúde. “Envelhecer sendo LGBT é diferente. Muitos de nós não temos família, a maioria não terá filhos, então como é que vai ser o envelhecer dessa população? Como serão os asilos para receber essas pessoas? Quem vai cuidar delas?”, questionou Igor. “É necessário discutir sobre isso, porque essa população precisa de políticas públicas exclusivas”, completou.

Para o médico geriatra Milton Crenitte, doutor em ciências pela Universidade de São Paulo (USP) e consultor em longevidade da Unesco, é preciso observar os cenários da comunidade LGBTQIAPN : como se deu o envelhecimento dessa população até o fim do século 20 e como tem sido nessas últimas décadas. “Houve uma mudança de paradigma. Antigamente, a gente não falava sobre o envelhecimento, e a gente tem falado mais, pensando em acesso à saúde, melhores condições de vida”, afirmou.

O especialista aponta, ainda, a mudança cultural e social das gerações. “Por exemplo, quem tinha 70 anos no fim do século 20 e quem tem 70 hoje pertencem a realidades diferentes. Lá no fim do século, muitos ainda estavam no armário. Hoje, a gente tem essa luta para que as pessoas se sintam à vontade para estarem fora do armário”, observa.

Enilson Ferreira Bastos, 61, se considera uma pessoa de sorte por estar ao lado do companheiro, Nelson Cosmo de Brito, 44, há uma década, porque percebe ser recorrente, sobretudo entre os homens gays, a solidão na terceira idade. “Dentro do Brasil, os idosos começaram a ter direitos há pouco tempo. Na comunidade gay, ainda sofremos com o etarismo”, disse. “Hoje mesmo, ouvi uma ‘piada’, que dizia que a pessoa fez 30 anos, ou seja, está na terceira idade gay”.

“Imagine você envelhecer em um local onde já é excluído da própria comunidade porque já está velho, não tem mais aqueles encantos, não tem mais aquela disposição para a curtição que tinha antes”, acrescentou Nelson. “Você está velho, doente e solitário. É muito triste. Então, precisa haver programas do governo voltados para essas pessoas, para que deem assistência e qualidade de vida”, defendeu.

Vida saudável

Em relação aos aspectos específicos da comunidade LGBTQIAPN com mais de 60 anos, o geriatra Milton Crenitte avalia que há especificidades a serem observadas no acesso à saúde. “A gente tem que pensar em saúde mental, tabagismo, consumo de álcool. Há questões importantes relacionadas à saúde do homem, como o exame da próstata e um papanicolau anal para fazer rastreio de câncer de ânus, por exemplo. Para as mulheres idosas, os estudos mostram que lésbicas fazem menos exames preventivos, como mamografia e papanicolau, do que mulheres heterossexuais. A gente tem que garantir o acesso dessas mulheres e, inclusive, discutir quais são as barreiras, para que elas se sintam acolhidas”, detalha o geriatra.

Para pessoas trans, Milton destaca que não dá para falar apenas sobre o processo hormonal. “A idade não é contraindicação para continuar ou iniciar uma hormonização, mas não é só isso. A gente controla as doenças crônicas, como pressão alta, diabetes, a gente pede os exames de rastreio, a gente fala do cigarro, de saúde mental. Uma grande questão é lembrar que há indicações e contraindicações de mamografia para um homem trans e que uma mulher trans tem próstata”, conclui.

Famílias legítimas

Ampliando o debate sobre os vínculos familiares e afetivos das pessoas que pertencem ao grupo simbolizado pelo arco-íris, o organizador da parada defendeu a aprovação do Projeto de Lei do casamento homoafetivo, atualmente sob relatoria da deputada federal Erika Hilton (Psol-SP), na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, para que a reunião estável entre pessoas de mesmo sexo, permitida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2011, se torne lei. “Esse projeto amplia o conceito de família, legalizando, finalmente, o casamento LGBT, regularizando a situação das famílias monoparentais e, também, permitindo a adoção por casais LGBT, o que é muito importante para nós”, frisou Igor Albuquerque.

Próximo a uma enorme bandeira estendida no gramado da Esplanada, o casal Robert Rosselló, 33, e Gustavo Catunda, 32, levaram os filhos Marc e Maya Rosselló Catunda, de 2 anos, para conhecer a parada do orgulho de Brasília. Os pequenos são os primeiros gêmeos do Brasil a terem sido fertilizados com os genes de ambos os pais.

Desde que as crianças nasceram, a família vai todos os anos para a parada LGBT de São Paulo, onde vivem. Robert e Gustavo têm um projeto de criação de conteúdo e influência digital no Instagram chamado @2depais, onde falam sobre paternidade gay. “Criamos esse costume de estar com eles para comemorar e mostrar que famílias como a nossa existem. Eles fazem parte da diversidade, eles nasceram da diversidade. Então, nada mais justo do que eles fazerem parte deste momento, desta festa”, destacou Robert.

“Vamos celebrar que temos casamento civil e que criminalizamos a homotransfobia no Brasil. Mas precisamos lembrar que todas essas conquistas foram no STF. Precisamos de mais de nós no Congresso Nacional, para mostrar que o fundamentalismo religioso não terá vez, que não haverá retrocesso e que nossa voz será lembrada”, afirmou o deputado distrital Fábio Félix (PSol), presente na abertura da Parada de Brasília.

A concentração da marcha, às 14h, na Esplanada dos Ministérios, contou com discursos políticos de nomes como do parlamentar e de Gabriel Borba, presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF). A defesa dos direitos da população trans e travesti, a resistência contra o fundamentalismo religioso, e a representatividade de LGBTs no Congresso Nacional foram as principais pautas levantadas nos trios.

“Mostrar a cara”

Desde que se mudou para Brasília, há pouco mais de dois anos, Lory Alves, 23, não perde a parada do orgulho. Nascida na Bahia, a travesti se alegrou ao falar de como a mudança para a capital federal possibilitou a conquista de sua carreira. “O lugar de onde vim era muito pequeno para mim. Me mudei para o DF para tentar a vida, e consegui. Hoje sou cabeleireira e maquiadora”, comentou. Para ela, a liberdade de ser quem se é traz dignidade. “Antigamente, era muito triste, as pessoas morriam sem sair do armário. E hoje, não. Não temos medo de mostrar a cara”, exaltou.

O morador de Aparecida de Goiânia, Tarlos Tayrone Alencar, 40, foi pela quinta vez à parada de Brasília, e garantiu que sempre reúne um grupo grande de amigos para ir junto. “Por mais que muitos digam que a parada virou um carnaval fora de época, ainda é uma forma de mostrar à sociedade que estamos aqui”, pontuou o produtor cultural, completando que, para ele, ser visto é essencial para mostrar que sua deficiência não o limita.

“As pessoas chegam a me perguntar se eu sou cadeirante de verdade, porque não entendem que uma pessoa na cadeira de rodas pode fazer excursão, produzir festas, ir para a parada gay e fazer rolês. Eu acredito que há espaço para todos, mas precisamos ter coragem para dar a cara a tapa, para a sociedade nos ver. Se você ficar atrás da bandeira, infelizmente você não é visto”, defendeu.

Por Giulia Luchetta  e Ailim Cabral – CB

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