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HISTÓRICO DE ENCHENTES DO RJ TEM MAIS DE 500 ANOS: ‘JÁ PERDI AS CONTAS DE QUANTOS GUARDA-ROUPAS COMPREI’, DIZ BABÁ QUE PERDEU TUDO

A moradora da Pavuna, na Zona Norte do Rio, chorou ao relembrar da difícil situação de ter seus pertences levados pelas chuvas ano após ano. Grandes enchentes se repetem há séculos. Veja imagens de grandes temporais.

Todos os moradores do Rio de Janeiro já sabem, o início de ano no estado é época de preocupação com as chuvas e enchentes. A situação se repete há séculos, com relatos da época da fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, em 1575. Ou imagens de 1911, por exemplo.

Com a falta de políticas públicas eficientes para combater esse problema frequente e as mudanças climáticas que potencializam as chuvas e enchentes, a população segue refém, trabalhando para refazer e não para avançar em suas conquistas.

Esse é o sentimento da babá Alcidineia Lopes Lima, que enfrenta, praticamente, uma enchente por ano na Pavuna, onde mora, na Zona Norte do Rio. Na última segunda-feira (15), ela mais uma vez começava a reconstruir sua casa, depois que ela foi completamente alagada.

“Eu moro aqui há dez anos e todo ano é isso aí. Já perdi as contas de quantos guarda-roupas comprei, de quantos sofás eu já comprei, sabe? Fica muito difícil. A gente luta…(chorando) Eu trabalhei Natal, 24, 31, e a gente vê nossas coisas indo embora assim”, disse Alcidineia.

Pelo menos 12 pessoas morreram em consequência do temporal do último final de semana no RJ. Estima-se que o número de desalojados e desabrigados chegue a 600 em todos os municípios — só em Nova Iguaçu, seriam 300 pessoas.

RJ tem bairros alagados quase 2 dias depois das chuvas

Assim como Alcidineia, milhares de moradores do estado já passaram por situações como essas ao longo dos anos. A certeza de chuvas nessa época é tanta que o poeta e compositor Tom Jobim eternizou: “São as águas de março fechando o verão”.

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Séculos de dilúvio

Em 1575, apenas dez anos depois da fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, o padre José de Anchieta escreveu uma carta para outro jesuíta contando sobre a força das chuvas em terras cariocas: “[…] choveu tanto que se encheu e rebentaram as fontes […]”.

O relato é um dos vários compilados pela historiadora Andréa Casa Nova Maia em um artigo publicado na Revista da Fundação Casa de Rui Barbosa. Eles mostram que as enchentes e os problemas trazidos por ela são praticamente tão antigos quanto a cidade do Rio de Janeiro.

O caso foi alvo de um inquérito determinado por D. João VI. A conclusão parece a mesma repetida por prefeitos, autoridades e especialistas até hoje: “falta de conservação das valas e drenos pelos entulhos e lixos e demais imundícies lançadas nelas”.

Carros são cobertos por água na enchente de 1966 — Foto: Reprodução

Carros são cobertos por água na enchente de 1966 — Foto: Reprodução

O escritor Machado de Assis citou mais de uma vez as “Águas do Monte” e também outras enchentes em suas crônicas: “Se remontares ainda uns 60 anos, terás o dilúvio de 1756, que uniu a cidade ao mar e durou três longos dias de 24 horas. Mais que em 1811, as canoas serviram aos habitantes, e o perigo ensinou a estes a navegação”.

Houve episódios de fortes tempestades – com enchentes e deslizamentos – também em 1711, 1756, 1779, 1803, 1833, 1862, 1864… A frequência dos temporais levou Machado de Assis a escrever no fim do século 19: “Não esperes ouvir de mim senão que foi e vai querendo ser o maior de todos os dilúvios”.

Já no século 20, jornais e revistas registraram episódios de grandes tempestades em 1906, 1911 e 1928.

A maior enchente ocorreu em 1966, quando 250 pessoas morreram e mais de 50 mil ficaram desabrigadas. As chuvas transbordaram rios e alagaram a cidade durante cinco dias de temporal.

Imagem da enchente de 1911 no Centro do Rio de Janeiro — Foto: Careta/Acervo da Biblioteca Nacional

No ano seguinte, o deslizamento de uma encosta causado pela chuva destruiu uma casa e dois prédios, provocando a morte de 119 pessoas no cruzamento entre as ruas Belisário Távora e General Glicério, em Laranjeiras, Zona Sul da capital.

Em 1988, uma enchente que alagou bairros inteiros e causou caos na capital deixou mais de 300 mortos em duas semanas.

Em 1996, nova tragédia. As tempestades causaram deslizamentos e alagamentos que mataram 200 pessoas e deixaram mais de 30 mil desabrigados.

Tragédias seguem nos anos 2000

Em 2010, a chuva provocou quase 100 mortes no Rio. No desabamento no Morro do Bumba, em Niterói, 48 pessoas morreram e 3 mil ficaram desabrigadas.

No ano seguinte, os moradores da Região Serrana enfrentaram a maior tragédia climática do RJ, com quase mil mortos. Deslizamentos e alagamentos mataram 918 pessoas e deixaram 30 mil desalojados, além de 99 desaparecidos em vários municípios da região, como de Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis e Sumidouro.

Pior chuva dos últimos 44 anos causa estrados e dezenas de mortes no começo do mês. O símbolo da tragédia na região é o deslizamento no Morro do Bumba, em Niterói, em área onde casas foram construídas sobre um antigo aterro sanitário — Foto: Carlos Ivan/Agência O Globo

Pior chuva dos últimos 44 anos causa estrados e dezenas de mortes no começo do mês. O símbolo da tragédia na região é o deslizamento no Morro do Bumba, em Niterói, em área onde casas foram construídas sobre um antigo aterro sanitário — Foto: Carlos Ivan/Agência O Globo

Ano após ano, chuva após chuva e os moradores do estado continuavam sem esperança nas promessas dos governantes. Desde 2011, o RJ teve cinco governadores e nenhum deles conseguiu desenvolver e colocar em prática um plano de prevenção eficiente para evitar grandes tragédias.

A cada nova tragédia, a mobilização de políticos é praticamente imediata. No entanto, o passado mostra que a maioria das ações são de caráter emergencial, para amenizar os problemas já causados e não para evitar novas tragédias.

Na opinião de Marcelo Motta, professor do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio, as autoridades sabem o que precisa ser feito, mas falta vontade política.

“É o que eu chamo de amnésia do céu azul. O céu fica azul, esquece de se fazer a política que é necessária. E com isso o sucateamento de defesa civil, sucateamento das políticas, né, de intervenção das obras e a gente tem o quadro que tem”, concluiu o professor.

Carros ficaram soterrados em deslizamento no Vale do Cuiabá, em Itaipava, distrito de Petrópolis, na Região Serrana do Rio — Foto: Matheus Quintal/ Prefeitura de Petrópolis

E como nada mudou no estado, em fevereiro de 2019, seis pessoas morreram também por causa das enchentes no Rio. Na ocasião, o prefeito Marcelo Crivella afirmou que a extensão da tragédia não era prevista: “Tempestade que não se via há tempos”.

Em abril, um novo temporal deixou ao menos dez mortos e bairros submersos, além de muita destruição na capital.

Sete das vítimas estavam na Zona Sul, entre elas a avó e a neta que tentaram fugir da chuva em um táxi e três na Zona Oeste (dois em Santa Cruz e outro no Jardim Maravilha).

Mais um trecho da ciclovia Tim Maia desabou ontem no Rio de Janeiro — Foto: Daniel Castelo Branco/Agência O Dia/Estadão Conteúdo/

Mais um trecho da ciclovia Tim Maia desabou ontem no Rio de Janeiro — Foto: Daniel Castelo Branco/Agência O Dia/Estadão Conteúdo/

235 mortos em Petrópolis

Apenas três anos depois, uma nova grande tragédia. Dessa vez, pelo menos 235 pessoas morreram em Petrópolis.

Esse foi o maior desastre na Cidade Imperial ligado às chuvas. No ano seguinte, o g1 mostrou que a prefeitura de Petrópolis gastou apenas 15% do orçado em habitação, mesmo diante dos 4 mil desabrigados ou desalojados e 235 mortos.

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Tragédia em Petrópolis: catástrofe deste ano já é a maior da história da cidade

Dos R$ 2,19 milhões autorizados, foram pagos apenas R$ 318 mil no programa “Habitação Petrópolis”, que tem o objetivo de diminuir o déficit habitacional e coordenar trabalhos preventivos em áreas de risco.

Naquele mesmo ano de 2022, uma nova sequência de chuvas no estado deixou 15 mortos, sendo sete em Paraty e sete mortos em Angra dos Reis, ambos na Costa Verde.

As vítimas de Paraty eram da mesma família e morreram após um deslizamento de terra, que atingiu casas na Praia de Ponta Negra durante a madrugada. Um outro deslizamento de terra atingiu quatro casas em Monsuaba, bairro litorâneo de Angra dos Reis, na mesma madrugada.

Ruas alagadas no Jardim Maravilha, em Guaratiba — Foto: Reprodução/TV Globo

Em 2023, chuvas em fevereiro e em março deixaram mais oito mortos no RJ. As vítimas moravam na capital, São Gonçalo, Niterói, Saquarema e Duque de Caxias.

Com 15 dias do ano, 2024 também já registrou sua tragédia relacionada as chuvas no Rio de Janeiro. Até o momento, 12 pessoas morreram de afogamento, descarga elétrica e soterramento. Algumas estavam dentro da própria casa.

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