ESTREIA DA ÚNICA EQUIPE BRASILEIRA DA F1 FAZ 50 ANOS: “FORA DO COMUM”
Copersucar-Fittipaldi começou na categoria em 12 de janeiro de 1975, no GP da Argentina. Emerson e Christian, filho de Wilsinho, detalham início da história da escuderia da família Fittipaldi
– Ah, foi emocionante ver o Wilson guiando o carro. A primeira volta mexeu muito comigo, lógico que mexeu. Tanto esforço, tanto trabalho, e estava lá o carro andando a 100 metros do portão 7 de Interlagos.
A frase acima é de Emerson Fittipaldi. No fim de novembro de 1974, o recém-coroado bicampeão da Fórmula 1 acompanhava seu irmão Wilson Fittipaldi Jr. testando o carro da Copersucar-Fittipaldi em São Paulo e se emocionava. Pouco mais de um mês depois, Wilsinho faria história: tiraria o sonho da família do papel para colocar o Brasil entre a seleta lista de países que já tiveram uma equipe na F1. Há exatos 50 anos, no dia 12 de janeiro de 1975, uma equipe 100% brasileira competia pela primeira vez.
Wilsinho Fittipaldi guia carro da Copersucar-Fittipaldi no ano de estreia na Fórmula 1 — Foto: Hoch Zwei/Corbis via Getty Images
O cenário era o autódromo de Buenos Aires, na Argentina. Wilsinho, que faleceu em fevereiro do ano passado, era o responsável por guiar o modelo FD-01 da Fittipaldi na prova inaugural da temporada. E o resultado não foi bom, é verdade: o brasileiro saiu em último e abandonou a corrida após 12 voltas – o carro pegou fogo após bater no guard rail. Mas o que importava naquele momento era o início da aventura brasileira que durou oito anos na Fórmula 1.
O ge.globo reconta abaixo a história do início e da primeira corrida da Copersucar-Fittipaldi com a ajuda de dois personagens da família entrevistados: Emerson Fittipaldi, o bicampeão, e o também piloto Christian Fittipaldi, filho de Wilsinho e ainda um menino à época.
O começo de tudo
Chega a ser redundante falar da paixão da família Fittipaldi por carros. E não era só dirigir: Emerson e Wilsinho tinham prazer em construir veículos e trabalharam no Mini Kart, no Fitti Vê e no Fitti-Porsche – à época o carro mais rápido do Brasil, diz Emerson. Mas a ideia de ter uma equipe brasileira na F1 surgiu apenas em 1973, já com os dois irmãos dentro da categoria. O objetivo era abrir mais ainda as portas para os compatriotas:
– Nosso objetivo em ter uma equipe brasileira, era obviamente se estabelecer no mundo da Fórmula 1, dando chance aos pilotos brasileiros tendo uma equipe brasileira – como tinha a Ferrari aqui na Itália, com várias equipes na Inglaterra, obviamente nossa prioridade seria com pilotos brasileiros. (…) Foi, assim, um ato de muito espírito patriótico brasileiro, muito desafio, que sabíamos que íamos ter pela frente. Mas um projeto espetacular, e todo mundo na época que a gente falava, contratava ou entrava na equipe, era todo mundo motivado pra trabalhar – disse Emerson Fittipaldi, que participou da Itália na entrevista por chamada de vídeo.
No entanto, foi apenas em 1974 que o projeto saiu do papel. Depois da assinatura do patrocínio com a Copersucar, foram realizados testes no túnel de vento da Embraer em São José dos Campos, em Sâo Paulo. Em outubro, o carro foi lançado no Salão Negro do Congresso Nacional e chamou atenção dos presentes pela beleza. Ali estava o FD-01, modelo que daria início a história da equipe Fittipaldi. O F era de Fittipaldi, e o D de Divila: Ricardo Divila, projetista da equipe e tido como “gênio” por Emerson.
– O Ricardo Divila foi uma figura muito importante pra nós e já desenvolveu esse primeiro carro. A ideia do primeiro carro, o 01, era ser muito deitado, com a aerodinâmica fechada. Aquela asa inteira na frente foi lançada antes de muitos outros carros na Fórmula 1, que era uma ajuda da Embraer. Então foi assim. Eu estava guiando a McLaren e ao mesmo tempo muito envolvido desde o começo do primeiro desenho do carro, porque é o que eu gostava e o que eu queria pro futuro também – afirmou Emerson, que não pilotou a Fittipaldi na temporada de estreia por ter vínculo com a McLaren.
Ricardo Divila na frente do FD01, primeiro carro da equipe Copersucar-Fittipaldi na Fórmula 1 — Foto: Reprodução
As dificuldades antes do início
Construir um carro de Fórmula 1 nunca foi uma tarefa fácil, e uma equipe baseada no Brasil teria ainda mais problemas por causa da distância para a Europa, crucial na categoria. Muitas das peças do FD-01 foram produzidas nacionalmente, mas a Copersucar-Fittipaldi ainda precisava pedir o motor e a caixa de câmbio da Inglaterra. A comunicação era por telex ou até por “sinal de fogo”, brinca Christian. Altos custos para pedidos e envios e o risco de atrasos complicavam as operações da escuderia:
– Isso foi marcante para mim: ele (Wilsinho) pedia relação de câmbio para a Inglaterra por telex. Nem existe mais, toda vez que ele precisava passar a mão para ligar para alguém lá na Inglaterra, estava pagando entre três a cinco dólares por minuto pela ligação. Eu nem sei se a palavra heroico é a correta para tentar definir essa empreitada dele, mas foi, na minha opinião, fora do comum. Eu vim a entender só depois que fiquei velho, com 20 e poucos anos de idade – disse Christian ao relembrar a história do pai.
No fim, aconteceu: atrasos prejudicaram significativamente o desenvolvimento do primeiro carro da equipe. A ideia era realizar os primeiros testes em outubro de 1974, pouco depois da apresentação em Brasília; porém, a demora na entrega das caixas de câmbio fez com que o plano fosse adiado. Depois, de acordo com matéria do jornal “O Globo” da época, os motores Cosworth vindos do exterior ficaram retidos na alfândega.
Com isso, o primeiro teste do carro da Copersucar-Fittipaldi só viria a acontecer no dia 19 de novembro de 1974. Sem os motores novos, o jeito foi dirigir o veículo com uma peça de 1971. Por se tratar de um novo projeto, era natural que o bólido apresentasse problemas: alguns de estrutura, como vazamento e superaquecimento, e outros relacionados aos motores antigos.
Emerson e Wilsinho Fittipaldi testam cockpit de carro da Copersucar — Foto: Divulgação
– Eu estava lá no primeiro dia que o Wilson foi andar, uma expectativa muito grande, o Ricardo Divila, os mecânicos, todo mundo naquela expectativa do carro andar. E tinha problemas do carro novo, mas foi muito perto do GP da Argentina. E desde o começo da ideia em 1973 até construir o carro e começar a testar, nós tínhamos muito pouco tempo disponível antes do GP da Argentina. Então apareceram problemas, o que é normal num carro novo, só que o tempo, o timing, era muito curto antes do grande prêmio. Então não foi testado como a gente gostaria que testasse – afirmou Emerson.
A equipe continuou a sofrer com os problemas até o dia 30 de dezembro: ou seja, só duas semanas antes do GP da Argentina. Se as questões estruturais eram aos poucos resolvidas pelos mecânicos, não dava para dizer o mesmo dos motores antigos. As peças da Cosworth foram finalmente liberadas no meio de dezembro, mas foi só no penúltimo dia do ano – o último disponível para testes na pista de Interlagos antes do início da temporada da Fórmula 1 – que o carro se comportou como Wilsinho quis, para alívio geral.
Copersucar-Fittipaldi fica pronto duas semanas antes do GP da Argentina — Foto: Acervo O Globo
A corrida e o destino do FD-01
Após quatro dias de viagem de São Paulo a Buenos Aires, a equipe Fittipaldi teve pouco tempo para testar seu único carro disponível – o FD02 estava em fase de construção, mas não pôde ser montado a tempo.
Como resultado, Wilsinho só conseguiu se classificar para a corrida no limite – o tempo de 2m00s93 ficou 11s acima do pole Jean-Pierre Jarier, da Shadow. Na época, o regulamento exigia que um piloto fizesse um tempo, no máximo, 110% acima da média do top 3 – uma norma semelhante à atual “regra dos 107%”, mas só a marca do primeiro colocado é considerada na atualidade.
Carro da Copersucar durante o GP de Buenos Aires de 1975 — Foto: Reprodução
Apesar das dificuldades, a Copersucar-Fittipaldi deu vida ao sonho e largou. E o início até foi promissor: Wilsinho encontrou melhor ritmo na corrida, fez ultrapassagens e vinha diminuindo o tempo obtido no treino (mesmo com o tanque de gasolina cheio, tornando o carro mais pesado e lento).
No entanto, a corrida de estreia da Fittipaldi acabou na 12ª volta: o carro brasileiro começou a derrapar na curva e bateu de traseira no guard rail. A forte colisão fez com que o carro pegasse fogo, e Wilson só conseguiu deixar o veículo 30 segundos depois – felizmente, sem maiores problemas. A batida destruiu boa parte do FD-01, que nunca mais foi utilizado oficialmente: na prova seguinte, em Interlagos, o time já usou o FD-02.
Copersucar-Fittipaldi volta à pista de Interlagos em 2004 — Foto: Divulgação
O FD-01 acabou restaurado posteriormente e voltou à pista em novembro de 2004, quando Wilsinho e Christian foram ao circuito de Interlagos e dirigiram a relíquia, que hoje se encontra no Museu Fittipaldi, em São Paulo. Christian acredita que o pai ficou muito emocionado ao rever o Copersucar-Fittipaldi na pista e revela a sensação que teve ao dirigir o bólido:
– Eu acho que aquele dia para o meu pai, óbvio que ninguém nunca vai saber o que passava pela cabeça dele, mas imagino que foi uma das maiores emoções da vida dele. Ver o filho dele acelerando o outro filho dele. Acho que foi uma emoção muito grande, principalmente depois que o carro foi reconstruído. Acabei dando duas ou três voltas, desci do carro, olhei para ele e falei: ‘Nossa, você era corajoso. Muito corajoso!’ – relatou.
Legado e críticas
A história da única equipe brasileira na Fórmula 1 duraria até 1982, quando teve que fechar as portas por problemas financeiros. A Fittipaldi contou com nomes de peso da F1 no período; não só Emerson, que se juntaria à escuderia em 1976. O finlandês Keke Rosberg (campeão em 1982 pela Williams), o craque da aerodinâmica Adrian Newey e o importante chefe Jo Ramírez também foram parte do time.
Emerson Fittipaldi chegou em segundo lugar no GP do Brasil de 1978 — Foto: Divulgação
Apesar de ter conseguido se estabelecer no grid neste período, a Fittipaldi era alvo de críticas por não competir no topo da tabela de classificação. Emerson e Christian atribuem as opiniões negativas do público principalmente à influência exercida pela imprensa não especializada. Além disso, acreditam que os comentários foram determinantes para fazer com que a escuderia perdesse patrocínios – o que culminou no fim do sonho.
– A imprensa não especializada detonava, então para nós era muito difícil justificar patrocínio para continuar. Foi uma pena, tivemos pilotos excelentes brasileiros. Alex Dias Ribeiro, gente muito competente como piloto; depois nós tivemos Chico Serra. Gente boa, brasileiros e pilotos bons, mas nós não pudemos prosseguir com a equipe. Foi uma lástima, foi muito esforço – avalia Emerson.
Ainda assim, ambos creem que a visão do público e da imprensa em relação à equipe mudou ao longo do tempo. Hoje, avaliam que a mídia valoriza mais a superação dos percalços vividos na época e que há até mesmo uma sensação de orgulho pelo legado construído no automobilismo brasileiro. Legado esse que Christian atribui à família.
– Eles (o “Barão” Wilson Fittipaldi, Wilsinho e Emerson) praticamente abriram as portas para muitos no Brasil. Talvez, se não fosse por causa desses três, a história do automobilismo aqui no Brasil seria bem diferente. A gente joga a equipe Fittipaldi no meio, deu aquele boost, aquela ênfase no automobilismo. Eu acho que os grandes responsáveis pela história do automobilismo brasileiro: Barão, meu pai, meu tio. Não tem uma ordem necessária, mas eu acho que são esses três – concluiu.
Em oito anos na Fórmula 1, a Copersucar-Fittipaldi disputou 103 corridas e teve pilotos no pódio em três oportunidades. O melhor resultado foi o segundo lugar alcançado por Emerson no GP do Brasil de 1978 – uma “vitória”, segundo o piloto. A equipe também foi ao top 3 em outras duas provas de 1980: Buenos Aires e Long Beach.
Por Breno Peçanha e Bruna Rodrigues — Rio de Janeiro- ge