EM 2025, 6 DOS 12 SAMBAS DO GRUPO ESPECIAL TÊM A PALAVRA ‘FÉ’; VEJA AS LETRAS DE VIRADOURO, MANGUEIRA, IMPERATRIZ E UNIDOS DE PADRE MIGUEL
No próximo carnaval, sambas-enredo com referências afro ou indígenas falarão de temas que resgatam nossas origens e falam de religiosidade
O samba na ponta da língua, de quem está na arquibancada ou na Avenida, é decisivo para o sucesso de um desfile. Mas, para além disso, no próximo carnaval, a safra de canções prevê que outro fator primordial será a “fé”, palavra que aparece em metade dos 12 sambas-enredo escolhidos para 2025. Abençoando a Marquês de Sapucaí as letras com referências afro ou indígenas fazem alusão a temas que remontam às nossas origens e, claro, à religiosidade.
A Mangueira, última das agremiações do Grupo Especial a definir seu samba, apresentará um enredo sobre os povos bantus, grupo linguístico da África que representa a maioria dos negros que chegaram ao Rio através do Cais do Valongo, como escravizados. Na final, na madrugada deste domingo (20), os três sambas finalistas faziam referência a palavras do universo bantu.
Ano que vem, a Mangueira encerrará a primeira das três noites de desfiles, em 2 de março, depois de Unidos de Padre Miguel, Imperatriz Leopoldinense e Viradouro. Abaixo, veja as letras dos sambas das quatro. Amanhã (22) e quarta-feira (24), o EXTRA traz, respectivamente, detalhes das composições e as letras escolhidas pelas agremiações que se apresentarão na segunda e na terceira noite de carnaval na Sapucaí em 2025.
Resgate das origens
Sidnei França, carnavalesco da Verde e Rosa, entende o processo como natural. Um dos motivos para isso é a sinopse do enredo, escrita muitas vezes pelos próprios carnavalescos ou enredistas, que já dá uma pista de conceitos que serão abordados no desfile
— O Brasil, cada mais, está resgatando sua identidade mais íntima, que é a cultura, um entrecruzamento de várias origens. Acho bem complicado quando alguém acompanha um desfile e não consegue dimensionar sua potência. São tradições que não estão no seu cotidiano, isso significa ensinamento, tradição, ancestralidade e fundamentos — afirma Sidnei, que vê samba e enredo fundidos “numa coisa única” no dia do desfile.
O vocabulário também chama atenção em outros sambas. A atual campeã, Viradouro, que falará de Malunguinho, entidade afro-indígena que se manifesta como Caboclo, Mestre e Exu, traz expressões como “alujá ligeiro”, em referência ao toque de Xangô para Malunguinho, e “jurema”, em referência à planta sagrada usada em religiões.
Não é diferente na Imperatriz, que contará na Avenida a ida de Oxalá ao reino de Oyó, na África, onde é hoje a Nigéria, para visitar Xangô. A letra de seu samba enredo traz termos como “itan” (lenda), mas também menciona palavras do universo religioso, como “ebó”, que nada mais é que um ritual ou oferenda.
Inclusive, neste carnaval, o que se vê são as palavras “macumba” e “macumbeiro” aparecendo em alguns sambas, como o da Unidos de Padre Miguel, que contará a história de Iyá Nassô, fundadora da Casa Branca do Engenho Velho, na Bahia, primeiro terreiro de candomblé do Brasil.
Das 12 escolas, 7 já gravaram suas músicas para o álbum do próximo carnaval: a Mangueira será a última a gravar sua faixa, em 28 de outubro.
Confira abaixo as letras dos sambas enredo de Unidos de Padre Miguel, Imperatriz, Viradouro e Mangueira, escolas que desfilam no domingo de carnaval (2 de fevereiro). Nesta terça-feira (22), publicaremos as letras de Unidos da Tijuca, Beija-Flor, Salgueiro e Vila Isabel.
Sambas das escolas de samba do Rio que desfilam no dia 2 de março
Letra do samba da Unidos de Padre Miguel – ‘EGBÉ IYÁ NASSÔ’
Awurê Obá Kaô! Awurê Obá Kaô!
Vila Vintém é terra de macumbeiro!
No meu Egbé, governado por mulher…
Iyá Nassô é rainha do Candomblé!
Eiêô! Kaô Kabesilê Babá Obá!
Couraça de fogo no orô do velho Ajap
A raça do povo do Alafin, e arde em mim…
Rubro ventre de Oyó
Na escuridão, nunca andarei só
Vovó dizia: sangue de preto é mais forte que a travessia!
Saudade, que invade! Foi maré em tempestade
Sopra a ancestralidade no mar (Ê rainha)
Preceito é herança sem martírio
Airá guarda seus filhos no Ilê da Barroquinha
É a semente que a fé germinou, Iyá Adetá
O fruto que o Axé cultivou, Iyá Akalá
Yíá Nassô, Ê Babá Assika
Yíá Nassô, Ê Babá Assika
Vou voltar mainha, eu vou
Vou voltar mainha, chore não
Que lá na Bahia
Xangô fez revolução
Oxê… a defesa da alma na palma da mão
No clã de Obatossi, há bravura de Oxóssi no meu panteão
É D’Oxum o acalanto que guarda o Otá
Do velho engenho, Xirê que mantenho no meu caminhar
Toca o Adarrum que meu Orixá responde
Olorum, guia o boi vermelho seja onde for
Gira saia Aiabá, traz as águas de Oxalá
Justiça de Agodô, tambor guerreiro firma o Alujá
Letra do samba da Imperatriz Leopoldinense – ‘ÓMI TÚTÚ AO OLÚFON’
Vai começar o itan de Oxalá
Segue o cortejo funfun ao Senhor de Ifón, Babá
Orixalá, destina seu caminhar
Ao reino do quarto Alafin de Oyó
Alá, majestoso em branco marfim
Consulta o Ifá e assim
No Odú, o presságio cruel
Negando a palavra do Babalaô
Soberano em seu trono, Senhor
Vê o doce se tornar o fel
Ofereça pra Exú… um ebó vai proteger
Penitência de Exú, não se deixa arrefecer
Ele rompe o silêncio com a sua gargalhada
É cancela fechada, é o fardo de dever
Mas o dono do caminho não abranda
Foi vinho de palma, dendê e carvão
Sabão da costa pra lavar demanda
E a montaria o leva à prisão
O povo adoeceu, tristeza perdurou
Nos sete anos de solidão
Justiça maior é de meu pai Xangô
Traz água fresca pra justiça verdadeira
(Meu pai Xangô mora no alto da pedreira)
Preceito Nagô a purificar
Desata o nó que ninguém pode amarrar
Transborda axé no ibá e na quartinha
Pra firmar tem acarajé, ebô e ladainha
Oní sáà wúré! Awure awure!
Quem governa esse terreiro ostenta seu adê
Ijexá ao pai de todos os orixás
Rufam atabaques da Imperatriz
Letra do samba da Unidos do Viradouro – ‘MALUNGUINHO: O MENSAGEIRO DE TRÊS MUNDOS’
Acenda tudo que for de acender
Deixa a fumaça entrar
Sobô nirê mafá, sobô nirê
Evoco, desperto
Nação coroada
Não temo o inimigo
Galopo na estrada
A noite é abrigo
Transbordo a revolta dos mais oprimidos
Eu sou caboclo da mata do catucá
Eu sou pavor contra a tirania
Das matas o encantado
Cachimbo, já foi facão amolado
Salve malungueiro, juremá
Ê juremeiro, curandeiro oh
Vinho da erva sagrada
Eu viro num gole só
Catiço sustenta o zeloso guardião
Capangueiro da jurema
Não mexe comigo não
Entre a vida e a morte, encantarias
Nas veredas da encruza, proteção
O estandarte da sorte é quem me guia
Alumia minha procissão
No parlamento das tramas
Para os quilombos modernos
A quem do mal se proclama
Levo do céu pro inferno
Toca o alujá ligeiro
Tem coco de gira pra ser invocado, kaô, consagrado
Reis Malunguinho encarnado
Pernambucano mensageiro bravio
O rei da mata que mata quem mata o Brasil
A chave do cativeiro
Virado no exu trunqueiro
Viradouro é catimbó
Viradouro é catimbó
Eu tenho corpo fechado
Fechado tenho meu corpo
Porque nunca ando só
Letra do samba da Estação Primeira de Mangueira – ‘À FLOR DA TERRA, NO RIO DA NEGRITUDE ENTRE DORES E PAIXÕES’
Sou Luanda e Benguela
A dor que se rebela, morte e vida no oceano
Resistência quilombola dos pretos novos de Angola
De Cabinda, suburbano
Tronco forte em ribanceira, flor da terra de Mangueira
Revel do Santo Cristo que condena
Mistério das Kalungas ancestrais
Que o tempo revelou no cais
E fez do Rio minha África Pequena
Ê Malungo, que bate tambor de Congo
Faz macumba, dança jongo, ginga na capoeira
Ê Malungo, o samba estancou teu sangue
De verde e rosa renasce a nação de Zambi
Bate folha pra benzer Pembelê, Kaiango
Guia meu Camutuê, mãe preta me ensinou
Bate folha Pra Benzer, Pembelê, Kaiango
Sob a cruz do seu altar Inquice Incorporou
Forjado no arrepio da lei que me fez vadio
Liberto na senzala social
Malandro, Arengueiro, Marginal
Na gira, no jogo de ronda e lundu
Onde a escola de vida é Zungu, fui risco iminente
O alvo que a bala insiste em achar
Lamento informar… Um sobrevivente
Meu som por você maculado
Sem ser convidado pela burguesia
Tomou a cidade de assalto
E hoje no asfalto a moda é ser cria
Quer imitar meu riscado, descolorir o cabelo
Bater cabeça no meu terreiro
É de Arerê, vento de Matamba
É dela o trono onde reina o samba
Sou a voz do gueto, dona das multidões
Matriarca das paixões, Mangueira
O povo banto que floresce nas vielas
Orgulho de ser favela
Por Extra