CRISE HUMANITÁRIA EM GAZA: INVASÃO DE ARMAZÉM DE ALIMENTOS DEIXA MORTOS E EXPÕE SITUAÇÃO DE FOME GENERALIZADA
A Faixa de Gaza voltou a ser palco de cenas desesperadoras nesta semana. Segundo autoridades médicas locais, pelo menos quatro palestinos morreram e dezenas ficaram feridos após centenas de civis famintos invadirem um armazém do Programa Alimentar Mundial (PAM), em Deir al-Balah, no centro do enclave. A ONU confirmou dois mortos e diversos feridos no episódio, classificando a multidão que tomou o depósito como “hordas de famintos”.
A ação reflete o colapso iminente da segurança alimentar na região, onde mais de dois milhões de pessoas vivem sob bloqueio severo e constante ameaça militar. A agência da ONU alertou em nota oficial para “as condições alarmantes e em deterioração” na Faixa de Gaza e reforçou o apelo por um “acesso humanitário seguro e irrestrito”, condição essencial para evitar uma tragédia ainda maior.
O episódio ocorre apenas um dia após outro incidente semelhante em Rafah, no sul do território, onde pelo menos uma pessoa morreu e outras 48 ficaram feridas — entre elas mulheres e crianças — ao tentarem acessar um novo ponto de distribuição de alimentos criado por uma fundação com apoio dos Estados Unidos e de Israel. O posto foi alvo de tiros, supostamente disparados por soldados israelenses, segundo o Ministério da Saúde local.
Disputa Sobre a Ajuda Humanitária
O cerne da crise atual vai além da escassez de alimentos. Está em curso um embate político sobre quem controla o fluxo da ajuda internacional. De um lado, a ONU e organizações humanitárias tradicionais denunciam o novo sistema de distribuição, gerido pela Gaza Humanitarian Foundation (GHF), uma entidade sediada nos EUA e sem chancela das Nações Unidas. Do outro, Israel defende o novo arranjo, alegando que ele evita que recursos caiam nas mãos do grupo palestino Hamas.
Para a coordenadora da ONU para o processo de paz no Oriente Médio, Sigrid Kaag, o modelo alternativo representa “um precedente perigoso” de privatização da ajuda humanitária. “Não só em Gaza, mas em qualquer outro conflito”, alertou em discurso ao Conselho de Segurança da ONU. O temor é de que alimentos passem a ser usados como arma política — uma acusação que se fortalece à medida que a fome avança entre a população civil.
Entraves na Logística
Dados revelam a lentidão e os obstáculos enfrentados pela ajuda internacional: dos 900 caminhões solicitados pela ONU nas últimas duas semanas, apenas 500 conseguiram cruzar fronteiras e, desses, menos da metade efetivamente chegou aos beneficiários. Antes do início do conflito, a Faixa de Gaza recebia em média 600 caminhões de mantimentos por dia, somando insumos da ONU e do setor privado.
As razões para o gargalo são várias: exigências logísticas como recarregamento das cargas em diferentes veículos, múltiplas inspeções e entraves burocráticos impostos por Israel. Para muitos analistas, isso contribui para aprofundar o colapso do sistema de distribuição de alimentos em Gaza, num momento em que a fome já é classificada como risco iminente por diversas agências da ONU.
O Agravamento do Conflito
A nova onda de confrontos ocorre após o rompimento de um cessar-fogo em meados de março. Há cerca de dez dias, Israel iniciou uma nova ofensiva militar, com operações aéreas e terrestres na região. O governo israelense sustenta que seu objetivo é desmantelar o Hamas, organização islamista que controla a Faixa de Gaza desde 2007.
A escalada é parte da retaliação aos ataques coordenados pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, que resultaram na morte de aproximadamente 1.200 pessoas em Israel, em sua maioria civis, e no sequestro de mais de 200 reféns. Desde então, a resposta israelense deixou um rastro de destruição: mais de 54 mil mortos, de acordo com dados das autoridades locais, dezenas de milhares de feridos, infraestruturas inteiras destruídas e o deslocamento forçado de centenas de milhares de pessoas.
Impasse com a ONU
O embaixador de Israel nas Nações Unidas, Danny Danon, acusou a ONU de boicotar o novo modelo de distribuição ao pressionar ONGs internacionais a não participarem do sistema da GHF. Em pronunciamento enérgico, Danon afirmou que as Nações Unidas estariam “escolhendo o lado errado” e tratando as entidades parceiras como “máfia”, retirando-as de cadastros oficiais sem o devido processo.
As declarações acentuam a já deteriorada relação entre Israel e a ONU, acusada pelo governo israelense de adotar uma postura “antissemita” e de se aliar ao Hamas — acusações que a organização nega veementemente.
Uma Crise Sem Precedentes
A Faixa de Gaza vive hoje um colapso humanitário sem precedentes. Em um cenário que combina guerra, fome e ausência de canais diplomáticos efetivos, a população civil — composta majoritariamente por mulheres e crianças — é quem paga o preço mais alto. A urgência por um cessar-fogo duradouro e por soluções políticas está mais evidente do que nunca, mas segue distante.
Enquanto isso, cenas como a invasão de armazéns de alimentos por multidões famintas se tornam, tragicamente, cada vez mais comuns — um retrato cruel de um povo encurralado pela violência e pela escassez.
Por Redação Gazeta Rio/Ricardo Bernardes