Chacina da Candelária: vítimas são lembradas após 30 anos do crime
Hoje, ativistas voltam ao local para ato
O vermelho intenso da tinta que retocou a pintura na calçada em frente a Igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro, chama a atenção de quem passa. A representação dos oito meninos e adolescentes mortos a tiros na madrugada do dia 23 de julho de 1993, no entorno da igreja, divide espaço com uma cruz de madeira e placas com os nomes deles. Tudo foi restaurado para lembrar o crime, que ficou conhecido internacionalmente como Chacina da Candelária, e que completa 30 anos, hoje, domingo (23).
Movimentos sociais programaram atividades em memória das vítimas, que tinham entre 11 e 19 anos e viviam em situação de rua. Na sexta-feira (21) houve vigília, que reuniu mães e familiares, e neste domingo (23), ativistas voltam à Candelária para um ato. Na segunda-feira (24), haverá lavagem das escadarias da igreja, missa e caminhada. À noite, a estátua do Cristo Redentor será iluminada de verde esperança.
Nesses 30 anos do crime, outras chacinas ocorreram no estado, e em vários desses casos, os acusados foram agentes, que, legalmente, deveriam proteger vidas.
Um estudo publicado em abril deste ano, pelo Geni, o Grupo de Estudos de Novas Ilegalidades, da Universidade Federal Fluminense, mostrou que, apenas de 2007 a 2022, foram registradas 629 chacinas decorrentes de ações de policiais no estado. Ou seja, ocorrências que deixaram três ou mais mortos, segundo a metodologia da pesquisa. Nada menos que 2.500 pessoas perderam a vida nesses episódios.
Para o sociólogo e coordenador do Geni, Daniel Hirata, as chacinas são consequência de uma convivência bastante íntima das instituições formalmente democráticas e de certos setores estatais, particularmente os que são ligados ao uso da força.
” Com o passar das décadas as chacinas foram se tornando predominantes em operações policiais em ações avalizadas pelos poderes políticos e policiais”, explicou.
Márcia Gatto, representante do Movimento Candelária Nunca Mais e membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, disse que o Rio tem uma política de segurança muito “agressiva e violenta”, que ocasiona não apenas as chacinas, mas também as mortes de crianças e jovens, de forma isolada.
“É uma política mesmo homicida e tem um segmento que são negros e pobres. Não assegura direitos e sim, está sempre violando direitos que é o direito a vida dessas pessoas”, observou.
A educadora Yvonne Bezerra de Mello trabalhava com crianças e adolescentes em situação de rua na região da Candelária quando houve a chacina, em 1993. O projeto de educação mantido por ela naquela época evoluiu e se transformou na Organização Não Governamental Uerê, voltada para aqueles que possuem bloqueios cognitivos e emocionais, devido à exposição constante a traumas e violência.
” A chacina da Candelária não serviu para nada, a violência é constante, aqui se mata mais que a maioria dos países do mundo”, explicou a educadora.
Dois policiais militares e um ex-policial foram condenados pelo massacre, todos com penas que superam os 200 anos de prisão. Segundo o Tribunal de Justiça do Rio, o PM Nelson Oliveira dos Santos cumpriu pena até sua extinção, em 2008. Já o PM Marco Aurélio Dias de Alcântara e o ex-PM Marcus Vinícius Emmanuel Borges cumpriram suas penas até receberem indultos em 2011 e 2012, respectivamente.
O crime teria acontecido porque, no dia anterior, os meninos jogaram pedras em um carro da Polícia Militar.
Um sobrevivente da chacina, Wagner dos Santos, alvo de quatro tiros, acabou tornando-se peça-chave na elucidação do crime.
Por meio de nota, a Polícia Militar informou que suas ações têm “como preocupação central a preservação de vidas e o cumprimento irrestrito da legislação em vigor”.
A Secretaria Municipal de Assistência Social da cidade do Rio, também por meio de nota, explicou que existe um serviço de acolhimento institucional temporário para garantir direitos de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social que precisaram ser afastados de suas famílias ou casas.
Procurada, a Polícia Civil não se manifestou.
Por Cristiane Ribeiro* – Rádio Nacional – Rio de Janeiro