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‘BERÇO’ DE REIS E IMPERADORES, TÚMULO DE LENDAS, PALCO DE BATALHAS: A IGREJA QUE CONTA BOA PARTE DA HISTÓRIA DO RIO

Igreja foi local da coroação de D. Pedro II, que completa 183 anos no dia 18 de julho, e guarda resíduos mortais de Pedro Álvares Cabral.

No dia 18 de julho de 1841, um domingo, o adolescente Pedro de Alcântara atravessou a nave da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, a Capela Real, no Centro do Rio de Janeiro. De lá, ele saiu coroado como D. Pedro II, imperador do Brasil, apesar dos 14 anos.

Pedro caminhou até uma varanda que foi instalada na parte frontal da igreja e, com vestes cerimoniais, acenou para a multidão que lotava o Largo do Paço, como era conhecida a Praça XV.

A cerimônia que transformou D. Pedro II em imperador do Brasil, que completa 183 anos nesta semana, aconteceu no mesmo local que a coroação do pai dele, D. Pedro I, e a sagração de D. João VI.

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Muito mais do que uma das igrejas favoritas das noivas no Rio de Janeiro, a Igreja Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé foi cenário de batalhas, casamentos e intrigas em um tempo em que política e religião caminhavam de mãos dadas.

Atualmente, o local guarda os resíduos mortais do navegador Pedro Álvares Cabral e os restos mortais de Joaquim Arcoverde, o primeiro religioso a ter o título de cardeal na América Latina.

“A igreja está aqui desde o início da colonização desta área. Foi a Capela dos Carmelitas, foi Capela Real, Capela Imperial. Atos de governo aconteceram aqui. Os resíduos de Pedro Álvares Cabral estão aqui e os restos mortais do primeiro cardeal”, destacou Daisy Ketzer, da Mitra do Rio de Janeiro.

Fachada da Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé é de estilo eclético e data do começo do século XX — Foto: Cristina Boeckel/ g1

Fachada da Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé é de estilo eclético e data do começo do século XX — Foto: Cristina Boeckel/ g1

A primeira construção do lugar foi uma capela dedicada à Nossa Senhora do Ó, erguida ainda no século XVI. Os pescadores buscavam bênçãos antes de saírem para o mar.

Escavações no local revelaram que o local também foi espaço de guerras, com a existência de paliçadas, uma espécie de cerca defensiva usada em conflitos.

A Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em dois registros diferentes: pela importância histórica e artística.

“É uma das primeiras edificações da parte baixa da cidade. A cidade nasce no [Morro] Cara de Cão e depois a cidade é transferida para o Morro do Castelo, que foi destruído em 1922”, destacou Paulo Vidal, superintendente do Iphan no Rio de Janeiro.

Imagem da Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé em cartão de 1905, antes da finalização da fachada em estilo eclético — Foto: A. Ribeiro/Acervo Instituto Moreira Salles

No começo do século XVII, mais precisamente em 1619, começou a construção de um convento ao lado da então capela, por frades beneditinos. Uma nova igreja começou a ser erguida em 1761, em estilo rococó.

A igreja e o convento permaneceram unidos até o século XIX, quando foi aberta uma rua para o escoamento de água.

Não por acaso, a via tinha o nome de Rua do Cano. De acordo com a Prefeitura do Rio, o local passou a ter o nome atual — Rua Sete de Setembro — depois de um decreto em outubro de 1917.

A Rua Primeiro de Março, que antes era Rua Direita, também teve o nome alterado no mesmo ano.

Capela Real

Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, no Centro do Rio de Janeiro — Foto: Cristina Boeckel/ g1

Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, no Centro do Rio de Janeiro — Foto: Cristina Boeckel/ g1

O período mais brilhante da Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé aconteceu a partir da chegada da Família Real Portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808. Com D. João VI, ainda príncipe regente, instalado no que passou a se chamar de Paço Imperial, o lugar foi elevado ao posto de Capela Real.

A igreja se tornou, mais que nunca, um centro de poder e de suas principais discussões.

“A igreja e o Estado eram misturados, então todos os atos litúrgicos e religiosos, assim como os atos de governo, acabavam sendo aqui”, ressaltou Daisy Ketzer.

A então Rua Direita, que separava o Paço da igreja, não era simplesmente atravessada pela realeza. Foi erguido um passadiço, que era usado no deslocamento até o convento, então ligado à construção e, por dentro, a família real chegava até os balcões mais altos da igreja, de onde assistiam a cerimônia.

D. Maria I passou a viver em um aposento do convento. Lá ela morreu, em 1816. Na igreja aconteceu a missa de corpo presente, assim como a sagração do príncipe regente, que passou para a história como D. João VI.

A igreja se transformou no palco de alguns dos principais acontecimentos do Império, como as coroações de D. Pedro I e D. Pedro II.

Assim, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo se tornou o cenário de várias pinturas que retrataram essas figuras históricas em situações de poder. Como no retrato de Jean Baptiste Debret da coroação de D. Pedro I que, atualmente, faz parte do acervo do Palácio Itamaraty.

Outro exemplo é a coroação de D. Pedro II, pintada por Manuel José de Araújo Porto Alegre.

Lá também aconteceram as bençãos dos casamentos de D. Pedro I com a imperatriz Leopoldina e com Amélia de de Leuchtenberg, e de D. Pedro II com a imperatriz Teresa Cristina. Também ocorreu lá o casamento da Princesa Isabel com o Conde D’Eu em 1864.

Pintura de Jean Baptiste Debret que mostra a coroação de D. Pedro I na Capela Real. O quadro está exposto no Palácio Itamaraty — Foto: MRE/Divulgação

Povo brasileiro

O status adquirido ao longo dos séculos pela igreja não foi apenas conquistado por nobres, mas por gente comum, como José Maurício Nunes Garcia, que a usou como espaço para exibir o próprio talento.

Negro, descendente de escravos, ascendeu graças à carreira na igreja e foi nomeado metre de capela durante o tempo que a família real portuguesa esteve no Brasil. Encantou D. João VI, que foi grande admirador do seu talento.

A igreja se transformou em um dos principais cenários para a exibição da obra de um dos mais importantes compositores da história da música brasileira.

Bem tombado

Teto da Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, no Centro do Rio de Janeiro — Foto: Cristina Boeckel/ g1

Teto da Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, no Centro do Rio de Janeiro — Foto: Cristina Boeckel/ g1

Com a chegada da República, a igreja seguiu como Sé, status que manteve até 1976, quando foi inaugurada a atual Catedral Metropolitana.

“Ela está intrinsecamente relacionada à história da cidade, do país e até a história europeia”, disse o superintendente do Iphan no Rio de Janeiro.

O local guarda os resíduos mortais do navegador Pedro Álvares Cabral, que chegaram à igreja em 1903, e os restos mortais do cardeal Joaquim Arcoverde, primeiro cardeal da América Latina.

Os túmulos ficam em uma capela no subsolo. Como o local é próximo do mar, conta com uma bomba ativada para retirar de forma automática ao identificar a presença de água.

Resíduos mortais de Pedro Álvares Cabral guardados da Igreja Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé — Foto: Cristina Boeckel/ g1

O interior é classificado como sendo de estilo rococó, mas com fachada de estilo eclético. Ela, inclusive, foi finalizada em 1922.

A igreja é uma das mais solicitadas para casamentos no Rio de Janeiro. Apenas no ano passado, foram mais de 40 celebrações. O local já teve 3 cerimônias celebradas em um mesmo dia. Maio e dezembro são os meses mais concorridos.

A igreja se sustenta com a realização de eventos e doações.

“O pároco procura manter uma tradição musical muito grande. A vida social passava pela igreja, pelos atos, pela música”, finalizou Daisy.

Por Cristina Boeckel, g1 Rio

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