Pela segunda vez na história da medicina, pesquisadores detectaram o caso de uma pessoa que, embora geneticamente predisposta a ter Alzheimer de início precoce, permaneceu cognitivamente saudável até perto de morrer. O paciente, um colombiano, começou a apresentar sinais da doença neurocognitiva aos 67 anos, desenvolveu comprometimento leve aos 70 e morreu aos 74, com demência também leve. Pessoas com a mesma mutação, chamada paisa, costumam ter os primeiros sintomas aos 44 anos e sofrer comprometimento mental aos 49. A expectativa é de que o estudo ajude na busca de novos tratamentos para uma doença debilitante que afeta mais de 55 milhões de pessoas no mundo.
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O caso que chamou a atenção dos cientistas envolveu um membro da família do maior parentesco conhecido do mundo com a variante paisa (Presenilin-1 E280A). Francisco Lopera, diretor do Grupo de Neurociências de Antioquia em Medellín, na Colômbia, e coautor do artigo publicado na revista Nature Medicine, conheceu esse grupo há 35 anos e, desde então, os acompanha como neurologista.
A mesma equipe de pesquisa que Lopera integra, liderada pelo Mass General Brigham, em Massachusetts, nos Estados Unidos, estudou anteriormente uma mulher desta família que permaneceu com a cognição intacta até os 70 anos e tinha uma mutação na proteína APOE. O caso foi relatado em 2019. A variante descrita no artigo atual ocorre em um gene diferente, mas aponta para um caminho comum da doença, destaca o médico colombiano.
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As descobertas também identificam uma região do cérebro que pode fornecer um alvo de tratamento ideal no futuro. A variante descrita no artigo atual ocorre em um gene diferente, mas aponta para um caminho comum da doença, destaca o médico colombiano. As descobertas também identificam uma região do cérebro que pode fornecer um alvo de tratamento ideal no futuro.
“O mais emocionante é que, se a natureza nos revela que nela mora a doença e a cura para o Alzheimer, não vemos razão lógica para não acreditar que nela viva também a doença e a cura para as restantes doenças neurodegenerativas”, afirma Lopera. “Uma grande porta foi aberta para a prevenção e o tratamento de doenças incuráveis”, acredita.
Em nota, o coautor sênior Joseph F. Arboleda-Velasquez, do Mass General Brigham, disse que a variante “aponta para um caminho que pode produzir resiliência extrema e proteção contra os sintomas da doença de Alzheimer”. “Os pacientes estão nos mostrando o que é importante quando se trata de proteção e desafiando muitas das suposições do campo sobre a doença de Alzheimer e sua progressão”, afirmou.
Versão rara
O paciente foi inscrito em um estudo de biomarcadores que inclui dados de 6 mil membros de um grupo familiar com a conhecida paisa. Os cientistas realizaram análises genéticas e moleculares para identificar variantes que poderiam protegê-lo do Alzheimer. O candidato mais promissor era uma versão nova e rara, que foi chamada de Reelin-COLBOS. Mais tarde, os pesquisadores testaram e verificaram ainda mais o papel protetor da mutação em modelos de camundongos e neuropatológicos.
O Reelin é uma proteína com um papel fundamental na regulação do desenvolvimento e da função das células cerebrais. Estudos anteriores associaram mutações nesse gene a condições como autismo e doenças como esquizofrenia, epilepsia e transtorno bipolar. No entanto, essas variantes são diferentes porque diminuem a função da proteína. No caso da Reelin-COLBOS, ela é protetora, fazendo o efeito inverso.
“Quando vimos que um dos nossos principais candidatos para a variante estava no Reelin, foi um pouco chocante”, disse Arboleda-Velasquez. “O fato de o primeiro caso nos mostrar uma variante que afeta a APOE e o segundo caso afetar a Reelin nos diz que essa via de sinalização que controla a fosforilação da tau, entre outros efeitos, pode ser a chave para entender por que esses pacientes foram protegidos. Isso é fundamental para orientar as terapias porque nos diz claramente que mais mutações Reelin poderiam levar a efeitos benéficos”.
O paciente foi submetido a exames de neuroimagem no Hospital Geral de Massachusetts aos 73 anos. As varreduras revelaram que, embora a carga de placas beta-amiloide fosse alta e ele tivesse emaranhados tau em algumas regiões do cérebro, o córtex entorrinal tinha uma patologia tau muito limitada. Essa região desempenha um papel crítico na memória e no aprendizado, e sua degeneração é conhecida por levar ao comprometimento cognitivo e à demência.
Estudos em um modelo de camundongo também mostraram que a variante Reelin-COLBOS protegeu contra a patologia tau. “Esse caso indica que a região entorrinal pode representar um pequeno alvo crítico para a proteção contra a demência”, disse Quiroz.
Por- CB