Paranaense vinha no sacrifício desde a classificatória na última sexta-feira. Apesar do resultado, a atleta de 34 anos impressiona pela história de vida
Saint-Denis — Nem só de resultados e conquistas vivem Jogos Olímpicos e atletas. É necessário humanizar o evento mais nobre do esporte. E Valdileia Martins, aos 34 anos, reforça o pedido. Embora não tenha conquistado medalha após a disputa da final do salto em altura neste domingo (4/8), no Stade France, candidata-se à campeã pela história de vida.
Conforme publicado inicialmente pelo blog Olhar Olímpico, do portal UOL, a trajetória de Valdileia Martins está diretamente ligada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). Foi em um assentamento que a paranaense de Querência do Norte nasceu, foi criada e iniciou no esporte. Um dos primeiros contatos foi justamente o salto em altura. Porém, naquela época, não havia o conforto da aterrissagem à disposição hoje em grandes competições. O pai, Seu Israel Martins, enchia sacos de milho com palhas de arroz que sobravam de uma fábrica próxima para usar como “colchões” e utilizava varas de pesca como sarrafos no trabalho com os protótipos de atletas de Pontal do Tigre.
O improviso de Seu Israel Martins deu resultado com a final da filha na primeira participação em Jogos Olímpicos. O pai de Valdileia morreu em 29 de julho, aos 74 anos, vítima de um infarto fulminante. A atleta sentiu a perda, mas foi encorajada pela família para competir em memória do maior incentivador. Segundo o MST, Valdileia é uma pessoa que foge dos holofotes. Nem mesmo os treinadores dela nos últimos 16 anos conheciam as origens da atleta em um assentamento no Paraná.
Não bastasse a perda do pai, Valdileia também teve de lidar com problema físico durante a jornada nos Jogos Olímpicos de Paris. Na última sexta-feira (2/8), durante a classificatória, sofreu uma lesão no tornozelo esquerdo ao tentar saltar 1,95m, mas se classificou com a marca anterior, de 1,92m. A projeção da paranaense igualou o recorde brasileiro de Orlane Maria dos Santos, de 1989. O melhor desempenho pessoal havia sido 1,90m.
Durante a final, Valdileia abriu mão do primeiro salto. A prova começou com 1,86m, mas, antes do impulso, sentiu novamente o tornozelo e comprovou a participação no sacrifício. A brasileira logo se sentou, vestiu a roupa de aquecimento e deixou a pista de atletismo do Stade de France mancando.
Dever cumprido
Valdileia deixará Paris com a sensação de dever cumprido. “Igualei o recorde brasileiro e fui para final olímpica. É algo que eu queria, treinei para isso, não cheguei por acaso. As pessoas que estavam comigo no dia a dia sabiam das minhas condições físicas e mental. É preciso estar muito bem mentalmente para chegar na Olimpíada e conseguir fazer o melhor sem ter feito o melhor.”
Durante a entrevista após a decisão, a paranaense compartilhou a surpresa com a viralização da história de vida dela. “Saí de um assentamento, fui para a cidade e fiquei longe da família. Saí de casa de 14 para 15 anos. Para a minha cidade, é algo único uma pessoa na Olimpíada. É gratificante participar e acho que foi maior do que eu imaginava. O que fiz, nunca imaginei que teria uma repercussão tão grande. Até os seguidores, vi que ganhei muitos. Eu não imaginava que seria acolhida, a minha história contada e que as pessoas me abraçariam desse jeito. Imaginava que a Paris seria uma simples vinda”, conta.
Valdileia fez questão de exaltar o papel do pai na trajetória de vida e no esporte. “Falei para as minhas irmãs no ano passado que ele não estava bem e que não o teríamos no Natal. Eu não imaginava que seria agora, mas sabia que ele iria partir. Ele fez o papel dele de homem, pessoa de caráter e cumpriu o papel dele. É a vida. Precisamos aproveitar as pessoas em vida. Ontem, chorei à noite, pois após todas as conquistas, eu saía da pista e olhava para o meu pai. Agora, tenho de viver sem ele”, lamentou.
Por Victor Parrini – CB