Discussão sobre o Conselho Federativo na reforma tributária e administração do novo imposto subnacional volta a esquentar o debate entre estados
A tramitação da reforma tributária voltou a esquentar o debate federativo. Na semana que antecedeu a aprovação da proposta na Câmara, os estados das regiões Sul e Sudeste reivindicaram mudanças nas regras do Conselho Federativo, órgão colegiado que vai gerir o novo tributo subnacional, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Na última semana, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) defendeu maior “protagonismo político” para as regiões. Ele sustentou o argumento de que a relevância econômica destes estados para União não se traduz em políticas federais voltados a eles.
“Então, Sul e Sudeste vão continuar com a arrecadação muito maior do que recebem de volta? Isso não pode ser intensificado, ano a ano, década a década”, disse o governador em um dos trechos.
A Lei Orçamentária Anual de 2023 traz dados que reiteram a afirmação do governador. Em uma de suas projeções, a peça indica a arrecadação de impostos federais em cada região e compara este dado com os gastos tributários (que engloba desonerações, renúncias e incentivos indiretos via sistema tributário) voltados àqueles estados.
Segundo dados da peça, será arrecadado no Sudeste cerca de R$ 1,3 trilhão em 2023, enquanto os gastos tributários que retornam à região totaliza R$ 217 bilhões. Ou seja, a arrecadação é 6,1 vezes maior que o gasto tributário. No Sul, a situação é parecida, a razão é de 4,7; no Centro-Oeste, de 5,7.
No Nordeste, a razão é menor, de 2,7. Já no Norte, o gasto tributário é maior (R$ 72 bilhões) do que a arrecadação (R$ 54 bilhões).
Se por um lado os números reiteram o prejuízo a Sul e Sudeste, por outro, especialistas consultados pela CNN indicam que é necessário considerar contextos históricos e sociais para a compreender o porquê de o Brasil adotar este modelo de distribuição.
Privilégios em equilíbrio
Economista e especialista em contas públicas, Murilo Viana afirma que apesar de os incentivos federais hoje terem este desenho, durante décadas o gasto tributário da União esteve voltado ao Sul e ao Sudeste.
“O Brasil como um todo se desenvolveu de maneira concentrada em determinadas regiões. São Paulo adquiriu a potência econômica que tem hoje, muito por causa dos investimentos federais — e, além disso, contando com outras regiões do país como mercados de seu desenvolvimento”.
Professor da Fundação Dom Cabral, o economista Bruno Carazza reitera a complexidade da discussão sobre a partilha da arrecadação. Ele indica que o sistema contém elementos “que ora privilegiam os estados mais ricos, ora procuram compensar o menor nível de desenvolvimento dos estados mais pobres”.
Carazza considera os fundos constitucionais voltados às regiões mais pobres, assim como a atuação de órgãos como Sudene, Sudam, Sudeco, Codevasf, e outros que buscam minorar desigualdades regionais. Mas destaca, por exemplo, os efeitos da cobrança do ICMS na origem, “que sempre beneficiou os estados mais ricos”.
Para a economista e professora da FGV Carla Beni, a ideia de que Sul e Sudeste estão sendo punidos “decorre do conceito meritocrático, que vai na direção oposta do conceito de justiça humanista e humanitária, aceita no sistema tributário e Constituição brasileira”.
“O modelo em vigor foi pensado há muito tempo. Há outros possíveis, o caso é saber se haveria um melhor que o atual. A Constituição de 1988 é severa quanto a um tratamento ético para com todos. É preciso examinar propostas políticas recheadas de ineditismos”, disse.
Murilo Viana destaca ainda que o modelo de distribuição de arrecadação é semelhante ao adotado em nações desenvolvidas e remete a práticas modernas de fomento ao desenvolvimento regional.
Conselho Federativo
As definições de regras para deliberação e composição do Conselho Federativo gerou parte dos principais impasses para a aprovação da reforma na Câmara. Governadores de Sul e Sudeste pleiteavam maior influência no órgão.
Na versão final de seu substitutivo, o relator da proposta, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), trouxe o que chamou de “aperfeiçoamentos” e atendeu a pedidos destas regiões. Com isso, as deliberações passaram a depender do consenso entre representantes que correspondem a mais de 60% da população do país.
“Essa medida foi benéfica. A forma aprovada pela Câmara equilibra o critério de número, que poderia beneficiar os estados no Norte e Nordeste, que são mais numerosos, com o critério populacional, que atende aos estados do Sudeste e do Sul, em geral”, explica Carazza.
Viana pontua que a composição da Câmara dos Deputados (cujo número de representantes varia por estado) propiciava maior influência aos estados de Sul e Sudeste. Visto que no Senado todos os estados contam com o mesmo número de parlamentares, o especialista chama a atenção para novos — e mais equilibrados — debates federativos.
Por Danilo Moliterno – CNN