A Primeira Seção, composta por dez ministros, avaliará o pedido de uma empresa de biotecnologia
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) começa a julgar nesta quarta-feira (14) um recurso que busca autorização para o cultivo de cannabis com finalidades exclusivamente medicinais no Brasil. A Primeira Seção, composta por dez ministros, avaliará o pedido de uma empresa de biotecnologia que quer importar e plantar cânhamo industrial, uma variante da cannabis com baixas concentrações de THC, o componente psicoativo da planta. A decisão deverá ter impacto em tribunais inferiores em todo o país, servindo de referência para futuros casos semelhantes, segundo apurou o G1.
A empresa argumenta que o cânhamo industrial, com menos de 0,3% de THC, é voltado apenas para a extração de canabidiol (CBD), um componente não-psicoativo que já é utilizado amplamente em medicamentos para tratar doenças como epilepsia, esclerose múltipla, Parkinson, entre outras. “Na prática, o vegetal só teria potencial para uso farmacêutico, seria incapaz de causar efeitos psicotrópicos”, defende a empresa. Ela reforça que a produção seria rigidamente monitorada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Ministério da Agricultura.
Além do aspecto medicinal, a empresa alega que a permissão para cultivo poderia reduzir o alto custo dos medicamentos à base de CBD no país, atualmente encarecidos devido à importação dos insumos. “Sem a autorização para a exploração do produto, há violação do direito à livre iniciativa”, afirma a companhia, ressaltando que o plantio nacional ajudaria a democratizar o acesso a tratamentos.
Entenda o julgamento
O caso começou na Justiça Federal no Paraná, onde tanto a primeira quanto a segunda instâncias negaram o pedido, sob o argumento de que uma decisão dessa natureza envolveria uma deliberação dos Poderes Executivo e Legislativo. No entanto, ao chegar ao STJ, o processo foi considerado relevante o suficiente para ser julgado pelo mecanismo de incidente de assunção de competência, que, se aprovado, obriga instâncias inferiores a aplicarem a decisão do tribunal em processos similares.
O julgamento do STJ não discute a descriminalização ou a legalização da cannabis para uso recreativo. “A ideia é liberar o plantio e cultivo de uma das variantes da cannabis com o objetivo de obter o CBD, que já é usado com fins farmacêuticos”, informa o G1. Na prática, o objetivo é que o cânhamo industrial possa ser explorado com finalidades terapêuticas e industriais, sem abrir precedentes para o uso recreativo da planta.
O que está em jogo
O STJ já concedeu anteriormente autorizações pontuais para o cultivo doméstico de cannabis com fins terapêuticos, mas esta é a primeira vez que o tribunal analisa a questão sob a ótica da exploração industrial. A relatora do caso, ministra Regina Helena Costa, observa que a decisão poderá impactar a política de regulamentação da Anvisa, abrindo caminho para uma produção nacional regulamentada e, potencialmente, mais acessível.
No mercado mundial, o CBD é usado em diversos produtos devido às suas propriedades relaxantes, anticonvulsivantes e analgésicas, com a vantagem de não gerar os efeitos psicotrópicos associados ao THC. A defesa da empresa sustenta que o cultivo e a produção locais permitiriam o desenvolvimento de uma cadeia produtiva que beneficiaria pacientes, além de abrir novas oportunidades para o setor farmacêutico.
Próximos passos e repercussões possíveis
Caso a decisão seja favorável, a Anvisa e o Ministério da Agricultura deverão implementar normas para a fiscalização rigorosa do cultivo e da produção, garantindo que o uso do cânhamo industrial seja exclusivamente terapêutico. A decisão pode ainda ser questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) caso envolva interpretações de direitos constitucionais, abrindo possibilidade para novos debates sobre a regulamentação do cânhamo no Brasil.
Independentemente do resultado, a discussão traz à tona a crescente demanda por alternativas terapêuticas à base de cannabis no Brasil. O julgamento no STJ representa um marco potencial para o futuro da medicina canabinoide no país, influenciando desde o acesso dos pacientes a tratamentos mais acessíveis até a consolidação de um mercado nacional para produtos medicinais à base de CBD.
Por Brasil 247