Uma luta pela vida, aliás, segundo carnavalescos, na qual não cabem preconceitos. Escola desfila neste domingo
Durante os incêndios nos últimos anos no pantanal, causados principalmente pela ação do homem e agravados pelas mudanças climáticas, a onça tornou-se um símbolo que será festejado neste carnaval. Da luta pela vida com as patas queimadas, um alerta para a preservação da espécie, do bioma e da biodiversidade como um todo. E como lembrou o carnavalesco Gabriel Haddad, da Escola de Samba Acadêmicos da Grande Rio, de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, um símbolo de lutas da sociedade em geral. Inclusive contra o preconceito.
“A onça ganhou uma força muito grande como símbolo de luta, como símbolo de resistência, como símbolo na luta da demarcação de terra indígena, a onça como símbolo da população LGBTQIA+. Então você fazer a diferença, ou fazer a ‘diferonça’, é a gente unir esse grupo todo e lutar contra o fim do mundo”, disse o carnavalesco.
O enredo “Nosso destino é ser onça” do carnaval da Grande Rio foi inspirado no livro homônimo, do escritor Alberto Mussa. Na obra, ele aborda o papel central da onça na cosmovisão dos indígenas Tupinambá. E a partir dele os carnavalescos buscaram a simbologia para as narrativas míticas de outras nações indígenas brasileiras e latino-americanas. E o enredo foi sendo costurado, “pegada por pegada”, caminhando pelos impérios sertanejos da Pedra do Reino, pela memória de alguns carnavais incríveis, pela utilização da onça enquanto símbolo de lutas do presente, vide a produção de uma série de artistas e coletivos contemporâneos.
“Não é um enredo preso ao passado, fora do tempo: é uma narrativa de eterna ‘devoração’, que salta para o futuro e pensa o Brasil de hoje, terra indígena, tão complexo e diverso em sua riqueza cultural”, disse Gabriel Haddad.
Segundo a sinopse do enredo da escola neste carnaval, “metáfora viva dos rituais antropofágicos, a onça é uma chave para que sejam pensadas as disputas identitárias brasileiras e a nossa eterna capacidade de devorar para recriar – e renascer, rebrotar, revidar, deglutir”. “Mais do que o animal em si, o bicho, o ser divino, sagrado, que ergueu reinos, em nosso imaginário. Bordou de força e bravura as narrativas de matriz oral dos povos originários, as lendas costuradas em folguedos e canções”.
Confira a letra do enredo:
Trovejou! Escureceu!
O velho onça! Senhor da criação
É homem fera! É brilho celeste, devora e se veste de constelação
Tudo acaba em fogaréu e depois transborda em mar
A terceira humanidade
Cuaraci vem clarear
Ê Sumé nas garras da sua ira
Enfrentou Maira
Tanto perseguiu
Seus herdeiros vivem esta guerra
Povoando a terra
O bicho mais feroz rugiu
É preta, parda, é pintada feita a mão
Sussuarana no sertão que vem e vai
Maracajá, jaguatirica ou jaguar
É jaguarana, onça grande mãe e pai
Yawalapiti, Pankaruru, Apinajé
Na voz do povo Wareté
Na flecha de tupinambá
Do tempo que pinta pedra
A fé de ser encantada
Onça loba, onça alada
Na memória popular
Kiô… kiô kiô kiô kiera
É cabocla e mão torta
Pé de boi que o chão recorta
Travestido de pantera
Kiô… kiô kiô kiô kiera
A folia em reverência
Onde a arte é resistência
Sou Caxias bicho fera
Werá werá aue naurú wera que
A aldeia Grande Rio ganha a rua
No meu destino a eternidade
Traz no manto a liberdade
Enquanto a onça não comer a lua