Daiane de Souza Mello é uma liderança na luta pela igualdade racial e em abril ela própria sofreu a situação constrangedora durante um evento sobre igualdade racial no Centro do Rio.
Uma servidora pública e liderança na luta pela igualdade racial registrou queixa na delegacia depois de ser confundida com uma foragida da justiça. A foto dela apareceu no sistema de reconhecimento facial e ela foi abordada por policiais militares.
Há 10 anos Daiane de Souza Mello trabalha ouvindo a dor de quem é vítima de preconceito. Em abril, ela própria sofreu uma situação constrangedora durante um evento sobre igualdade racial, no Centro do Rio, Daiane foi identificada no sistema da Polícia Militar do Rio como uma mulher procurada pela polícia.
“Me abordaram dizendo que a minha imagem foi capturada no reconhecimento facial. Eles me mostraram a foto da pessoa, é completamente diferente de mim. Eu me senti muito desamparada, eu tenho medo porque se essa câmera me reconheceu naquele momento, ela pode me reconhecer em qualquer lugar. Eu não tive nenhuma resposta ainda, não tive nenhum retorno para onde foram as minhas imagens, se isso é arquivado”, questionou Daiane.
Os policiais explicaram que estavam seguindo o protocolo e encerraram a abordagem depois de perceber que o sistema de reconhecimento facial havia confundido as duas mulheres.
Atualmente, Daiane vive com medo de ser abordada de novo. “Eu me senti muito desamparada assim, eu tenho medo assim porque se essa câmera me reconheceu naquele momento ela pode me reconhecer em qualquer lugar. Eu não tive nenhuma resposta ainda, não tive nenhum retorno para onde foram as minhas imagens, se isso é arquivado”, explicou.
A Polícia Militar esclareceu que o sistema usado no sistema de reconhecimento facial foi selecionado em um processo de licitação e passou por uma série de testes nos Estados Unidos.
“É muito complicado você colocar nas mãos de uma tecnologia produzida, não pensada para nós. Ela não é feita para garantir a segurança de todos e isso me preocupa”, esclarece a jovem.
Defensoria pede informações sobre o uso da tecnologia
O caso foi registrado na delegacia de crimes raciais e está sendo acompanhado pela Defensoria Pública do Estado, que pediu para a Secretaria de Segurança Pública informações sobre o uso da tecnologia.
“Há que se reconhecer que há registro de casos de racismo perpetrados pela utilização da tecnologia de IA e algoritmos que por vezes tendem a reproduzir a lógica racista arraigada na sociedade brasileira, o racismo estrutural”, explica a defensora pública Anne Caroline Nascimento.
O videomonitoramento em tempo real já existe em vários pontos da capital e do interior do estado do Rio. De dezembro do ano passado a junho desse ano, 200 pessoas foram presas a partir do reconhecimento facial por câmeras. Mas a ferramenta ainda levanta polêmica. Alguns especialistas acreditam que deveria existir uma regulamentação mais rigorosa para evitar erros e abusos.
“A pessoa negra ela já é instruída pela mãe desde criança a andar com documentação e aí eu com 35 anos entendi a importância de eu estar com meu documento naquele momento, né? Então a gente sempre é instruído a ter cuidado, a não correr, a não responder, a andar com documento, a segurar nossa bolsa nas lojas”, relata Daiane.
Banco de dados desatualizado
Em janeiro, duas pessoas foram presas e tiveram que ser liberadas porque o banco de dados estava desatualizado e os mandados de prisão já não tinham validade.
No semestre, quase metade das prisões a partir de reconhecimento facial foram por crimes como não pagamento de pensão alimentícia. Mas também há prisões de envolvidos em roubos (38), homicídios (10), feminicídios (3), tráfico de drogas (16), violência doméstica (3), furtos (11) e estupros (2).
“Qual protocolo está sendo utilizado, como os agentes de segurança pública estão sendo treinados e qual a base de dados que está sendo utilizada e como essa base está sendo alimentada”, diz a defensora.
O que dizem os citados
A Secretaria Estadual de Governo, que é responsável pelo Programa Segurança Presente, informou que a abordagem ocorreu dentro dos protocolos e que assim que a Daiane apresentou o documento, foi feita a consulta e os agentes encerraram a ocorrência.
A PM declarou ainda que os resultados do uso dessa ferramenta estão disponíveis para consulta. A Polícia Civil informou que o caso foi registrado na Delegacia de Combate aos Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, que investiga o caso.
Por Marina Araújo, Edvaldo Santos, Bom Dia Rio