Por Carlos Kerbes*
Com a aprovação do PLP 459/2017 na Câmara dos Deputados, em 06 de junho, por 389 votos a favor, e a sanção presidência, publicando o Lei Complementar 204/2024, que altera a Lei 4.320/64, normatizou o processo de securitização da carteira de créditos inadimplidos tributários e não tributários dos entes públicos, conhecido como dívida ativa.
O conceito básico de Securitização vem evoluindo junto com o sistema financeiro e os produtos que este apresenta ao mercado.
No caso dos entes públicos, tal processo tem por objetivo proporcionar a obtenção de recursos e ativos financeiros imediatamente, tendo como fonte uma receita específica, a estimativa de receita futura a ser obtida pela recuperação (cobrança) dos créditos inadimplidos pelos contribuintes, sejam eles inscritos ou não em dívida ativa, ajuizados ou não, parcelados ou não, ou seja, a totalidade do fluxo financeiro obtido com a recuperação dos créditos inadimplidos.
Existem duas formas básicas de segregação dos fluxos de receita oriunda da recuperação dos créditos inadimplidos, ambas criadas e autorizadas por Lei Complementar (Federal, Estadual, Municipal):
1 – A criação de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), como fez o Estado do Rio de Janeiro, que, com a Lei 7.040/2015 autorizou a securitização e criou a Companhia Fluminense de Securitização (CFSEC), e 2 – A criação de um Fundo Especial de Créditos Inadimplidos e Dívida Ativa (FECIDAT), como fez em 2018, o Município do Rio de Janeiro.
Há significativa diferença entre ambos, onde o primeiro é uma empresa (cuja totalidade da receita é tributada) não dependente, criada na estrutura orgânica do ente público, e o segundo, apenas uma rubrica contábil e orçamentária, sem personalidade jurídica (e, portanto, sem tributação alguma, mantendo a imunidade recíproca de administrações diretas) mas com CNPJ, permitindo, de tal forma, a gestão apartada do fluxo financeiro obtido com a cobrança dos créditos inadimplidos.
Decidida a modelagem, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) regulamenta os veículos para levar os ativos a mercado.
A Securitização, na forma que defendemos, se faz olhando para a totalidade da promessa de recuperação dos créditos, ou seja, o total do fluxo financeiro decorrente dos créditos inadimplidos.
Com a cessão integral, a Instituição contratada seguirá rito para qualificação dos ativos a serem emitidos, conforme modelagem de qualificação das agências classificadoras de risco, atribuindo valor aos ativos resultantes, em 3 categorias: sênior, mezanino e subordinadas.
O cálculo leva em consideração os fatores de segurança na existência do fluxo financeiro, a composição do Estoque (por tributo, por ano de lançamento e a composição do mesmo, em principal, multa e juros), o percentual de inadimplência histórico dos tributos em relação ao lançado ou declarado, e também o histórico de recebimentos nos últimos anos, cujo fluxo também é discriminado por tributo, por ano de lançamento, e a composição em principal, multa e juros efetivamente recebidos.
Com tais informações, verificadas por auditoria externa, constrói-se uma tábua de recuperação dos créditos, representando a realidade de cada carteira, portanto adequável automaticamente a qualquer Cidade ou Estado. Com a informação devidamente parametrizada, a agência de rating consegue apurar, com segurança, o fluxo mínimo para os próximos anos, elaborando a tábua de mortalidade dos créditos.
A regulação para entes públicos se inicia no artigo 165 da Constituição Federal, e nos artigos 71 a 74 da Lei 4.320/64 e por autorização legislativa local específica, definindo as condições do negócio. E, agora, com o Artigo 39-A da Lei 4.320/64, inserido pela Lei Complementar 204/2024.
Esse tema foi objeto de amplo debate no legislativo federal, onde o Senado aprovou, no final do ano de 2017, o PLS 204/2016.
*Carlos Kerbes – Professor, palestrante consultor tributário e financeiro, e especialista em gestão pública, controladoria e finanças.