“Domingo era sagrado. Acordava cedo, tomava meu café preparado pelos meus pais e com um par de chuteiras numa das mãos, ia jogar bola no Barreto e na Ilha da Conceição, bairros em Niterói.
Saía de cena o Marcos Vinicius Cabral, fã de rock in roll, aluno do Henrique Lage, filho mais velho do saudoso Alicate e de Nelcina para, desligado do mundo, dar lugar a Lito, apelido que carrego e sou chamado quando reencontro boleiros com quem joguei até hoje.
Era adolescente. Nada tirava meu futebol. Era liturgia dominical. Ayrton Senna era o único que conseguiu a proeza de fazer com que eu deixasse de ir para um evento sagrado e ficar em casa a fim de vê-lo nas pistas do circo da Fórmula 1.
E assim foi de 1984 a 1994, hábito já consolidado depois de três títulos mundiais de Nélson Piquet, mas que Ayrton Senna transformou em algo necessário naquelas manhãs.
A bordo de uma Lotus, Senna começou a assombrar o mundo do automobilismo em 1984. Inevitavelmente, com isso, conquistou uma legião gigantesca de torcedores brasileiros. A chuva, aliada quando acelerava, tornou-se marca na carreira. Senna na pista molhada era imbatível.
Dez anos, três títulos, 41 vitórias e incontáveis corridas memoráveis depois, aquele 1º de maio, no GP de San Marino, em Ímola, na Itália, seria mais um dia típico para torcer.
A Willians, do todo poderoso Frank Williams, contava com Ayrton Senna e Damon Hill. O adversário mais temido não eram Mika Häkkinen e Martin Brundle das McLarens e tampouco a Benneton-Ford B194 que voava pelas mãos do alemão Michael Schumacher.
O maior adversário eram as medidas de segurança urgentes para que acidentes fossem evitados. Rubens Barrichello sofreu um e sobreviveu. O austríaco Roland Ratzenberger não teve a mesma sorte.
Naquele fatídico 1° de maio de 1994, Senna mais uma vez na pole – a terceira em três corridas realizadas na temporada, a 65ª volta mais rápida em classificação na carreira do piloto.
Mas coincidiu de ser a semifinal entre Arrastão e Papo de Cerveja, no extinto Campo do Arlindo, local onde hoje funciona o São Gonçalo Shopping.
Camisa 10 do Arrastão, era esperança naquele jogo. Ao lado de Alex, outro destaque do time comandado por Beto Cabelo, acabamos derrotados por 3 a 1. O sonho do título era realidade diferente na volta para casa.
E foi no caminho de volta para casa que a derrota na semifinal do Campeonato do Boa Vista acabou passando despercebida. Isto porque, perder para o Papo de Cerveja era nada quando soubemos do acidente de Senna em uma corrida tumultuada desde os treinos – já com um acidente grave na sexta e uma morte no sábado.
A partir dali, o domingo foi ligado nas notícias pela TV. Queríamos que nosso herói nacional sobrevivesse. Mas a pá de cal veio com Roberto Cabrini, ao vivo, de Bologna, na Itália: “Morreu Ayrton Senna da Silva”.
Dias ou meses depois, a investigação apontou que a barra da suspensão se soltou, perfurou o capacete e atingiu a cabeça de Senna.
Senna saiu da pista e foi levado ao hospital. Alguns dizem que morreu na pista. Outros afirmam que foi levado de helicóptero ao hospital com vida.
Três décadas depois, aquele adolescente de 20 anos hoje tem 50. E lembra sempre o 1° de maio de cada ano desta história.
São 30 anos sem assistir uma corrida de Fórmula 1. São 30 anos que Senna se foi. São 30 anos que a derrota contra o Papo de Cerveja se tornou menos dolorida.
A pintura que acompanha o texto é do artista plástico ucraniano Oleg Konin. Na arte, Senna sai do carro destruído após a batida na curva Tamburello. Mas Senna continua vivo.
É o que resta… obrigado, Ayrton Senna!”.
Por Marcos Vinicius Cabral