‘QUER GANHAR CASACO DE MADEIRA?’: COISAS QUE NINGUÉM MOSTRA SOBRE A ROCINHA

Por trás dos vídeos bem-humorados, Rocky também faz uma crítica social ao abandono e ao descaso do poder público em uma região que comporta quase 70 mil habitantes

Entre as vielas da comunidade, a fiação comprometedora e as construções que desafiam as leis da gravidade, Bruno Thierry, 34, mais conhecido como Rocky, apelido da época em que lutava boxe, mostra a rotina de quem mora na Rocinha, favela do Rio de Janeiro, e dá o recado: “.”Sem muito ha ha ha (risos), tem que andar posturadão”.

Morador da segunda maior comunidade do Brasil e uma das mais famosas do mundo, Rocky reúne mais de 1 milhão de seguidores em suas redes sociais e coleciona views. No TikTok, ele chegou a bater quase 13 milhões de visualizações em um vídeo de “como subir a Rocinha com segurança.

O paraibano morou com a família em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, durante toda a sua infância, mas após a separação dos pais, ele voltou com a mãe para o Nordeste. Por volta dos 12 anos, no início da adolescência, decidiu voltar ao Rio para morar com o pai.

O pai de Rocky dizia que morava no Leme, bairro próximo à Copacabana, zona sul da cidade. Mas chegando aqui, ele descobriu que ele morava na Rocinha.

“Esse foi meu primeiro contato com a favela, e eu ainda descobri que tinha um irmão que eu nem conhecia. Foi tudo bem diferente do que eu imaginava”, conta o digital influencer ao UOL. Hoje ele é casado, tem dois filhos e segue na comunidade.

Rotina na favela

A ideia de gravar os vídeos surgiu quando ele saía para os lugares e as pessoas ficavam espantadas quando ele dizia que morava na Rocinha. “Eu ouvia muito: “mas lá só tem guerra?”. Tudo bem, pode até ser, mas não é só isso que existe. Minha intenção foi matar a curiosidade das pessoas, quebrar essa ideia de que favela só tem coisa que não é legal”, conta Rocky

Ele começou a fazer os vídeos na pandemia, mas só com narração, sem aparecer. Foi quando as pessoas passaram a perguntar quem estava por trás daquela voz. Os amigos do influencer também começaram a incentivar e a dizer que ele precisava aparecer nos conteúdos. Foi então que no ano passado ele apareceu e passou a postar com mais frequência sua rotina na favela.

Rocky fala que as pessoas de dentro e de fora da comunidade o reconhecem na rua e muitos chegam até a ir à porta de sua casa.

“Eram duas horas da manhã e eu começo a ouvir alguém me chamar: “Rocky, Rocky”. Quando eu fui ver, era um guia turístico que estava na comunidade com uma turista de Santa Catarina e ela não queria ir embora. Disse que só ia sair dali depois que me conhecesse. Isso é muito engraçado e muito bom ao mesmo tempo.

“A Nasa chora”

 Foi por meio de bordões engraçados e termos de “cria” que Rocky cativou o público. “Caramelo aposentado”, “ligando pra nada, “pantera-negra adormecido”, “casacão de madeira envernizado” e “a Nasa chora” fazem parte do vocabulário do influencer para se referir a construções e ligações elétricas arriscadas da comunidade.

Pega a visão

Bem-humorado, Rocky dá dicas de aluguel na comunidade, onde comer, o que fazer, como entrar, como sair, e o que pode ou não ser feito dentro de uma favela. Todas essas informações, principalmente para quem é de fora do Rio, aguçam a curiosidade dos seus seguidores e, muitas vezes, mudam até a opinião de quem tinha uma visão preconceituosa em relação à Rocinha.

 “As pessoas tinham muito essa ideia negativa da favela. Claro, não é romantizar, mas é falar do lado bom da nossa casa. Seja na favela ou no asfalto, em qualquer lugar tem seu lado negativo, mas aqui, qualquer coisinha vira algo muito grande. As pessoas têm curiosidade e eu vou mostrando meu dia a dia. É tudo muito novo para eles, o pessoal fica chocado com a fiação, por exemplo. Mas o meu objetivo é mostrar como é forte a nossa cultura, a comida e os trabalhos

Até dezembro do ano passado, Rocky trabalhava como vendedor de loja, mas como os vídeos começaram a ser monetizados e passaram a viralizar cada vez mais, ele tomou a decisão de sair do emprego formal, justamente para ter mais tempo para gravar os conteúdos, que eram feitos no meio do caminho, na volta para casa.

“Era um rolé de cria. Até dezembro o pai trabalhava, mas aí veio publicidade para Guaraná, Sucrilhos, Honda, Brahma, aí decidi sair do trabalho e focar no digital”, conta.

Rocky costuma gravar os vídeos acompanhados do pessoal da associação de moradores, ou de alguém da área, para não correr riscos por estar gravando, mas ele lembra do dia em que tomou uma “atenção”:

 “Estava filmando um cachorro, aí veio um maluco da “firma” perguntando o que eu estava gravando. Na mesma hora veio outro atrás dele: “tá maluco, cara? é o Rocky”. Nesse dia, eu tinha cortado o cabelo, aí o cara não me reconheceu. Mas foi só essa vez mesmo.

Favela é potência

 Por meio dos vídeos bem-humorados, Rocky acaba se tornando um incentivo para as pessoas se mudarem para a Rocinha ou até mesmo para arrumar trabalho na região. Ele conta que já andou com um mototáxi que disse a ele que só foi trabalhar na Rocinha por causa dos seus vídeos. Ele lembra também de pessoas que mudaram de município e até de estado após acompanharem seus conteúdos.

“Teve uma família inteira do Ceará que se mudou para a Rocinha, com seis crianças, porque aqui tinha mais condições de trabalho. Assim que chegou aqui, o marido dessa moça já arrumou um trabalho. Outro dia uma mulher me falou que saiu de Caxias para morar aqui. É muito legal essa referência, poder mostrar que a favela é uma potência, com trabalho local. Até porque, se não fosse, não teria vários bancos aqui dentro.

O influencer lembra que antigamente o turista que visitava a Rocinha era o gringo, mas agora é possível encontrar gente de Belo Horizonte, Bahia, Goiás, Cuiabá, indo conhecer a favela: “isso fomenta o turismo. Antes o guia só trabalhava para falar inglês, agora ele dá um rolé no morro e ganha R$ 100, R$ 150 por visitante. Ou seja, muda a vida das pessoas. O turismo agora é nacional, gera emprego para a galera da comunidade. Isso é muito bom”.

Por trás dos vídeos bem-humorados, Rocky também faz uma crítica social ao abandono e ao descaso do poder público em uma região que comporta quase 70 mil habitantes.

“Uma das coisas que é brabo aqui é o descaso com o saneamento básico. Tento atacar isso de forma suave, mas é como se a gente fosse esquecido. Fora as escadas sinistras. A pessoa que tem deficiência física passa um perrengue danado. Quem mora na parte alta, é ainda mais complicado. Tem que contar com a ajuda dos outros para subir, descer. Não é fácil

Por Daniele Dutra – UOL

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