Baixinho, cara de invocado, com um indefectível “altar multirreligioso” pendurado no pescoço: para muita gente, essa era a imagem de Laíla, homenageado no desfile campeão da Beija-Flor de Nilópolis.
Mas Luiz Fernando Ribeiro do Carmo (1943-2021) foi muitos: sambista, cantor, compositor, carnavalesco, diretor, produtor musical. Também maestro, um pouco general e sempre devoto — à Azul e Branca da Baixada e a um caldeirão de crenças, como mostravam seus amuletos, patuás, balangandãs e santinhos.
A Deusa da Passarela chegou nesta quarta-feira (5) ao seu 15º título com uma exaltação ao lendário diretor de carnaval. À moda de Laíla, foi uma chuva de 10.0. A nilopolitana “gabaritou” 7 dos 9 quesitos. Tirou um 9.9 em Alegorias e Adereços e outro 9.9 em Harmonia — essas notas acabaram descartadas, e a escola encerrou a totalização com 270 pontos, o máximo possível.
Laíla era extremamente rigoroso com o “chão” da escola. Exigia que todos cantassem e sambassem no desfile e tinha igual preocupação com a coesão do cortejo. Não à toa, a Beija-Flor virou um “rolo compressor”, pela excelência em harmonia e em evolução.
Ter Laíla na comissão de carnaval signficava um “chão” nota 10.
Trajetória
Autodidata, Laíla nasceu com ouvido absoluto, “habilidade fenomenal que é a percepção singular da musicalidade”, como descreve a sinopse do enredo. Conseguia extrair sons diferenciados utilizando apenas latas como instrumentos e pedaços de gravetos como baquetas. Tinha a música clássica como fonte de inspiração e estudo para o aperfeiçoamento de seu talento.
Na década de 1970, ele surgiu na Acadêmicos do Salgueiro, mais ou menos na mesma época em que despontaram Joãosinho Trinta, Rosa Magalhães, Maria Augusta, Lícia Lacerda e Arlindo Rodrigues.
Na Beija-Flor, Laíla passou quase 30 anos, em 3 passagens diferentes. A última escola em que atuou no Rio de Janeiro foi a União da Ilha, em 2020, quando a escola foi rebaixada para a Série A.
Cristo mendigo e proibido
Laíla participou de carnavais que marcaram a história. Em 1989, na Beija-Flor, a imagem de um “Cristo mendigo” foi proibida pela Justiça de desfilar na Marquês da Sapucaí, no Rio. A alegoria, no entanto, entrou no Sambódromo coberta por um pano preto.
A ideia tinha sido motivo de desavença entre Laíla e Joãosinho Trinta. Após Laíla sugerir que a escola levasse à Sapucaí a imagem de um Cristo abraçando uma comunidade, Joãosinho afirmou que ele teve a ideia de levar o “Cristo mendigo”.
“O país estava vivendo uma crise muito grande, na época. Eu falei pro João o seguinte: ‘Eu vejo um Cristo mendigo saindo de dentro de uma favela ou abraçando a favela para amenizar a dor do nosso povo’. O João, como sempre, ficou calado, não falou nada. Na reunião, o João na minha frente falou: ‘Eu tive uma ideia que vocês vão ficar maravilhados! Um Cristo mendigo!’ Aquilo veio abaixo. Eu quietinho, mordido, mas fiquei quieto”, contou o carnavalesco em uma entrevista na época.
A Arquidiocese do Rio de Janeiro vetou a alegoria, e a solução encontrada foi cobri-lo com um plástico preto. Por fora, os dizeres: “Mesmo proibido, olhai por nós!”
Após o desfile, Laíla disse a Joãosinho: “O Cristo mendigo é meu. E a frase é minha!”
A amizade entre os criadores nunca mais seria a mesma. No desfile vitorioso, o carnavalesco João Vitor Araújo imaginou a reconciliação dos dois.
Laíla morreu de complicações pela Covid em junho de 2021, aos 78 anos.
por Eduardo Pierre – G1