PROJETO DE LEI NÃO PROÍBE VERSÍCULOS BÍBLICOS NAS REDES SOCIAIS, AO CONTRÁRIO DO QUE DIZ POST

É enganosa a afirmação do deputado federal Deltan Dallagnol de que a aprovação do "PL das Fake News" poderá acarretar no banimento de versículos da Bíblia das redes sociais

Enganoso: É enganosa a afirmação do deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR) de que a aprovação do Projeto de Lei 2630/2020, conhecido com “PL das Fake News”, poderá acarretar no banimento de versículos da Bíblia das redes sociais. A proposição, já aprovada no Senado e que agora tramita na Câmara Federal, visa estabelecer normas de transparência para plataformas de busca e de mídias sociais no Brasil e, dentre outros pontos, cria medidas de combate à disseminação de conteúdo falso nesses ambientes. O texto ainda está em discussão no legislativo e foi modificado pelo relator da Câmara, Orlando Silva (PCdoB-SP), mas a versão apresentada inicialmente, e comentada por Dallagnol, já previa a proteção à liberdade de expressão e à manifestação religiosa, alinhada ao que estabelece a Constituição.

Conteúdo investigado: Postagens no Twitter, no Facebook e no grupo de Telegram do deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), em 24 de abril, afirmam que alguns versículos da Bíblia serão banidos das redes sociais caso o Projeto de Lei 2630/2020, o “PL das Fake News”, seja aprovado. Em uma imagem, há menção a 11 versículos bíblicos que tratam de temas como submissão feminina, relações homossexuais e aplicação de castigos físicos às crianças. “Até a fé será censurada se nós não impedirmos a aprovação do PL da Censura que terá sua primeira votação AMANHÃ!”Conclusão do Comprova: É enganosa a postagem feita por Deltan Dallagnol em que ele afirma que versículos da Bíblia serão banidos das redes sociais caso o Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como “PL de Fake News”, seja aprovado na Câmara.

No Twitter, o parlamentar cita textos bíblicos que tratam de temas como a submissão da mulher ao homem, relações entre pessoas de mesmo sexo e o uso de violência para educar os filhos.

O texto aprovado no Senado em 30 de junho de 2020 e que está em discussão na Câmara Federal não faz nenhuma referência explícita à supressão de postagem com trechos bíblicos ou restrição de publicação desse tipo de conteúdo. Na realidade, a proposta traz a salvaguarda das manifestações religiosas entre os conteúdos que devem ser removidos ou ocultados pelas plataformas de redes sociais.

No texto inicial do projeto que tramita na Câmara dos Deputados, o mesmo dispositivo foi mantido, desta vez no artigo 6º. Além disso, a redação é alinhada ao que estabelece a Constituição Federal, na qual a liberdade de consciência e de crença são atestadas como invioláveis.

O texto do PL ainda será votado no plenário da Câmara e o relator do projeto, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), afirmou que a proposição traz de forma explícita que as medidas de combate à desinformação e ao discurso de ódio previstas no PL não atingirão a liberdade religiosa.

Silva apresentou a versão do texto que deve ser votada em 27 de abril. Assim como o texto original, a nova redação proposta não faz alusão direta e explícita à supressão ou ao impedimento de postagens de trechos bíblicos.

A palavra “discriminação” foi retirada do texto também em uma tentativa do relator de atender à demanda da bancada evangélica, que diz temer a censura de conteúdo religioso. O trecho do PL dizia antes que o Estado era obrigado a promover campanhas contra desinformação para combater o discurso de ódio baseado em discriminações. O termo, para a bancada, barraria publicações opinativas.

O Comprova classifica como enganoso todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No Twitter, o conteúdo teve 513,8 mil visualizações, 10,9 mil curtidas e 3,7 mil compartilhamentos até o dia 28 de abril. No Facebook, até a mesma data, o post alcançou 1,4 mil interações, entre curtidas, comentários e compartilhamentos. No Telegram, a publicação teve 22 mil interações até 25 de abril.

Como verificamos: O primeiro passo foi procurar mais informações sobre o Projeto de Lei 2630/2020, citado pelo deputado no post, como o texto original da proposta e sua tramitação atual. Para isso, o Comprova consultou os sites da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Depois, por meio de buscas no Google pelas palavras-chave “PL 2630/2020” e “textos bíblicos”, encontramos checagens das agências Lupa e Aos Fatos e do Coletivo Bereia (especializado em checagem de conteúdo voltado ao público gospel), além de reportagens da Terra, CartaCapital, Veja e O Globo. A procura também retornou publicações em sites direcionados ao público evangélico que mencionam o PL e o suposto banimento de versículos da Bíblia nas redes sociais.

Também consultamos a Constituição Federal a respeito da liberdade de crença e procuramos no Google por propostas que poderiam ensejar o banimento de versículos da Bíblia por meio dos termos “PL” + “versículos da Bíblia”.

Como resultado, encontramos dois projetos de 2019 do deputado federal Pastor Sargento Isidório (Avante-BA): PL 2/19, que queria proibir o uso indiscriminado da palavra “Bíblia” ou da expressão “Bíblia Sagrada” em publicações impressas ou eletrônicas, e o PL 4606/2019, que proíbe “qualquer alteração, edição ou adição aos textos da Bíblia Sagrada, composta pelo Antigo e pelo Novo Testamento em seus capítulos ou versículos”.

O primeiro projeto foi arquivado em março de 2022, enquanto o segundo aguarda apreciação pelo Senado. Nenhum deles pretende proibir a publicação de versículos bíblicos nas redes.

Por fim, o Comprova pesquisou o conteúdo de cada versículo citado no tuíte e entrou em contato com a assessoria de imprensa de Dallagnol.

Como resultado, encontramos dois projetos de 2019 do deputado federal Pastor Sargento Isidório (Avante-BA): PL 2/19, que queria proibir o uso indiscriminado da palavra “Bíblia” ou da expressão “Bíblia Sagrada” em publicações impressas ou eletrônicas, e o PL 4606/2019, que proíbe “qualquer alteração, edição ou adição aos textos da Bíblia Sagrada, composta pelo Antigo e pelo Novo Testamento em seus capítulos ou versículos”.

O primeiro projeto foi arquivado em março de 2022, enquanto o segundo aguarda apreciação pelo Senado. Nenhum deles pretende proibir a publicação de versículos bíblicos nas redes.

Por fim, o Comprova pesquisou o conteúdo de cada versículo citado no tuíte e entrou em contato com a assessoria de imprensa de Dallagnol.

Textos do PL no Senado e na Câmara

Ao buscar pela referência do texto original apresentado no Senado e na Câmara, verificamos que as versões do PL 2630/2020 disponíveis para consulta pública já previam que as sanções das redes sociais não se aplicariam a conteúdo religioso.

O texto inicial que tramitou no Senado, ainda em 2020, apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirma no parágrafo 9º que “as medidas estabelecidas no caput devem ser ser proporcionais, não discriminatórias e não implicarão em restrição ao livre desenvolvimento da personalidade individual, à manifestação artística, intelectual, de conteúdo satírico, religioso, ficcional, literário ou qualquer outra forma de manifestação cultural”.

No Senado, a proposição foi aprovada em junho daquele ano e depois seguiu para a Câmara, onde tramita há três anos. Com a mobilização relacionada ao combate aos ataques às escolas no Brasil, nos últimos meses, o debate sobre a necessidade de retomada da discussão do PL voltou a se intensificar. Nesse contexto, o trâmite da proposta voltou a caminhar na casa legislativa.

O texto do PL enviado do Senado à Câmara previa no artigo 6º a não aplicabilidade de sanção por parte das redes sociais a conteúdo religioso: “As vedações do caput não implicarão restrição à manifestação artística, intelectual ou de conteúdo satírico, religioso, político, ficcional ou literário, ou a qualquer outra forma de manifestação cultural, nos termos dos arts. 5º, inciso IX, e 220 da Constituição Federal”.

Na casa legislativa há uma disputa entre parlamentares contrários e favoráveis ao projeto. Nesse debate, propostas de modificações ao texto foram apresentadas e organizadas pelo relator, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que, em 27 de abril, apresentou oficialmente a versão do texto que deve ser votada.

A nova redação proposta, assim como o texto original, não faz alusão direta e explícita à supressão ou ao impedimento de postagens de trechos bíblicos.

No texto do relator, os artigos 1º e 3º do PL, que citam o tema da religiosidade, apontam que as condicionantes previstas na lei não implicarão na restrição de conteúdos religiosos e que a legislação deverá observar “o livre exercício da expressão e dos cultos religiosos, seja de forma presencial ou remota, e a exposição plena dos seus dogmas e livros sagrados”, respectivamente.

Além disso, conforme já apontado, a redação do PL tem referências declaradas à garantia constitucional das liberdades, incluindo a de expressão e a religiosa.

Desinformação sobre trechos da Bíblia

A postagem enganosa feita por Dallagnol acerca da suposta censura a publicação de versículos bíblicos tem circulado, justamente, no contexto de intensos conflitos entre os grupos favoráveis e contrários à aprovação do PL.

No dia 23 de abril, postagens de teor semelhante foram feitas no Instagram da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional (FPE), na qual o deputado federal Eli Borges (PL-TO), presidente da Frente, diz que o PL pode trazer problemas à comunidade religiosa.

Diante da difusão dessa informação enganosa, o relator do projeto Orlando Silva destacou em vídeo publicado em 26 de abril, ao lado do deputado Cezinha da Madureira (PSD-SP), ex-coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, que “a Bíblia é intocável”. E ressaltou: “É fake news imaginar que se possa mexer com o texto sagrado”.

Publicamente, o relator tem destacado que nem a versão inicial do PL, nem a proposta feita após algumas discussões têm qualquer restrição ao conteúdo bíblico. Ele tem afirmado publicamente que haverá um esforço extra na estruturação do texto para evitar qualquer interpretação que possa dificultar a livre prática religiosa.

No dia 25 de abril, os deputados aprovaram o regime de urgência da proposição. Com isso, o texto não passará mais por nenhuma comissão e será votado diretamente no plenário da Câmara. A previsão é que a votação ocorra no dia 2 de maio.

O que diz o responsável pela publicação: Ao Comprova, a assessoria do deputado encaminhou um vídeo postado no Instagram em 25 de abril de 11 minutos e 30 segundos em que Dallagnol faz um pronunciamento. Na gravação, que tem como título “A casa caiu! Me acusaram de divulgar ‘fake news’!”, o parlamentar lê os textos bíblicos que citou no tuíte e afirma que eles poderiam ser classificados como discriminatórios às mulheres e à população LGBTQIA+ por exemplo, e, por isso, seriam moderados ou retirados do ar.

“Tudo aquilo que for lido como um discurso de preconceito em relação à mulher, ‘o homem é a cabeça da mulher’ [em referência a Coríntios 11:3], qualquer coisa dessas que está lá na Bíblia, ainda que seja discurso religioso, vai ser considerado… tem potencial de ser considerado abuso, para ser moderado e controlado”, diz o parlamentar.

O que podemos aprender com esta verificação: Produtores de desinformação usam afirmações exageradas ou enganosas voltadas para causar comoção ou revolta em grupos específicos e angariar apoio ou promover rejeição a certos temas e assuntos que estão em discussão.

Para evitar ser enganado em casos que se referem a projetos de lei ou outros textos em discussão na Câmara e no Senado é recomendável procurar a fonte primária da informação. Ambas as casas divulgam nos seus sites a íntegra de todas as matérias discutidas.

No caso em questão, a publicação enganosa foi feita em um cenário de intensa disputa em torno do tema de bastante impacto que é a regulação das plataformas de redes sociais, o que inclui o combate a conteúdos de caráter criminoso e desinformativo nesses ambientes.

Logo, diante de debates de tamanha implicação, é fundamental ponderar a origem das informações recebidas e os objetivos da página/perfil que as divulgam, de modo a evitar a repercussão de versões que não têm amparo na realidade e buscam confundir a população em momentos cruciais de tomada de decisões.

 

Por- CB

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