plicativo já mapeou 255 comunidades que somam mais de 24 mil famílias
O avanço do agronegócio, da mineração e de outros empreendimentos sobre terras originalmente ocupadas por povos e comunidades tradicionais têm levado esses grupos a procurarem visibilidade para evitar a desintegração dos seus territórios.
Nesse contexto, 255 povos e comunidades tradicionais que somam mais de 24 mil famílias ingressaram no projeto Tô no Mapa criado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e o Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN) em parceria com a Rede Cerrado e o Instituto Cerrados.
A maioria dos povos que “entraram no mapa” foi do Maranhão, que registrou 127 povos tradicionais, seguido por Minas Gerais (47), Mato Grosso do Sul (22), Bahia (22), Goiás (14) e Tocantins (12).
A iniciativa permite às comunidades tradicionais, por decisão coletiva registrada em ata por meio de assembleia, ingressarem em um aplicativo, que os localiza no mapa. Por questão de segurança, algumas comunidades decidiram não divulgar todos os dados. O projeto ainda firmou parceria com o Ministério Público Federal (MPF), que desenvolve uma plataforma digital semelhante.
Pábila Ferreira é moradora da comunidade de Mato Grosso – Tobias/Acervo Pessoal/Divulgação
Pressionadas pelo avanço da soja no município de Formosa de Rio Preto (BA), as comunidades de geraizeiros de Mato Grosso e de São Marcelo se cadastraram na plataforma Tô no Mapa. Os geraizeiros são povos tradicionais que associam agricultura, criação de animais e coleta de frutos nativos.
“Estamos invisibilizados no mapa. A gente se reconheceu e fez o mapeamento por conta própria, mas pelo Poder Público nada ainda. Com essa iniciativa pode ser que venham políticas públicas para os geraizeiros”, afirmou Pádila Ferreira Lemos, de 26 anos, moradora da comunidade de Mato Grosso.
Ela conta que estão perdendo territórios para a soja e vivem em atrito com fazendeiros da região. “O pessoal vem sendo atacado e encurralado. As benfeitorias feitas pela comunidade são derrubadas pelo invasor. Além disso, construíram uma guarita na entrada do território impedindo o direito de ir e vir das pessoas”, denunciou.
Outra comunidade tradicional de geraizeiros que entrou no mapa foi a de Pindaíba do município de Rio Pardo de Minas (MG). O agricultor Tobias José de Oliveira, de 44 anos, calculou, com ajuda de antropólogos, que eles vivem no local pelo menos desde 1840. Porém, nos últimos anos, a mineração ameaça à integridade do território.
“A mineração sempre deixou a comunidade insegura sobre seu futuro. A gente achou que o Tô no Mapa daria mais uma ferramenta para gerir esse território e fazer com que tenhamos força jurídica para negociar com essas empresas”, explicou a liderança local.
Os povos e comunidades tradicionais são grupos com organização própria que fazem um uso coletivo da terra por meio de conhecimentos e técnicas transmitidas pela tradição, segundo definiu o Decreto 6.040, de 2007, que criou a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.
Invisíveis
Inicialmente, os pesquisadores do Tô no Mapa identificaram 667 povos e comunidades tradicionais registrados em órgãos oficiais do Estado. Porém, após consultarem movimentos sociais locais, sindicatos e realizarem oficinais em diversos estados, o número de povos saltou para 2.398 espalhados pelo país.
“Nessas atividades do Tô no Mapa conseguimos identificar muito mais comunidades, mostrando que os dados do governo são defasados”, afirmou Abner Mares Costa, da organização não governamental (ONG) Agência 10envolvimento, que atua no oeste da Bahia.
A coordenadora do Tô no Mapa e pesquisadora do Ipam Isabel Castro explicou que o objetivo principal é tirar esses povos “da invisibilidade e da vulnerabilidade que estão vivendo diante da expansão de empreendimentos e do agronegócio. Além disso, serve para ajudar eles a buscarem a garantia do território em que já vivem e que agora estão ameaçados”.
Meio Ambiente
A iniciativa também pretende fortalecer a proteção ao Meio Ambiente, em especial, do bioma Cerrado, que tem registrado altos índices de desmatamento. Origem de oito das 12 principais bacias hidrográficas do país, o Cerrado é considerado o “berço das águas” com o desmatamento ameaçando a segurança hídrica do Brasil.
No município de Correntina (BA), um dos mais atingidos pelo desmatamento no Cerrado, a comunidade de Fecho de Clemente ingressou na plataforma para ganhar visibilidade nacional. Os povos que se definem como de Fundo ou de Fecho de Pasto usam uma área coletiva para o extrativismo e para o gado pastar.
A liderança local Elder Moreira Barreto, de 40 anos, disse que eles vivem na região há “uns 300 anos”.
“Aqui na região só existe Cerrado em pé onde existe comunidade tradicional. Quem tem feito o uso e o manejo sustentável do Cerrado são as comunidades tradicionais. Aqui temos territórios grandes de áreas preservadas, de 3 mil, 4 mil ou 15 mil hectares totalmente preservados”, explicou.
Assim como as outras lideranças entrevistadas, Elder destacou que a posse definitiva da terra é a principal demanda da comunidade. “Isso eliminaria um bocado de conflitos porque é muito ruim você passar a vida toda em conflito. Tem pistoleiros nas áreas e muita insegurança”, concluiu.
O agricultor Elder Moreira Barreto, da comunidade de Fecho de Clemente, do município de Correntina, na Bahia – Tobias/Acervo Pessoal/Divulgação
Insegurança Jurídica
Diferentemente dos povos indígenas e dos quilombolas, os povos e comunidades tradicionais não contam com uma legislação estruturada para regular a posse dos seus territórios.
Além do Decreto 6.040/07, que garante “aos povos e comunidades tradicionais seus territórios, e o acesso aos recursos naturais que tradicionalmente utilizam para sua reprodução física, cultural e econômica”, há também a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assinada pelo Brasil, que reconhece o direito desses povos ao território, além de exigir que eles sejam consultados antes de qualquer empreendimento que afetem suas áreas.
Apesar desse respaldo legal, o defensor público federal Célio Alexandre John, coordenador do grupo de trabalho de comunidades tradicionais da Defensoria Pública da União (DPU), considera que faltam normas mais detalhadas para fazer valer esses direitos.
“Não existe meio jurídico para delimitação do território desses povos. Há uma insegurança jurídica. Além do Decreto (6.040/07), não tem sequer uma portaria que diga os procedimentos para essa delimitação do território”, afirmou Célio. Ele acrescentou que “para os indígenas e quilombolas, que há esse procedimento legal, já é bem difícil regularizar o território”.