A segurança pública é uma preocupação central nas metrópoles brasileiras, especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, que enfrentam desafios distintos nesse campo. Recentemente, tive a oportunidade de visitar a sede da recém-reestruturada Polícia Municipal de São Paulo, acompanhado pelo vereador Boro, policial militar, e pelo Dr. Marcelo Borges, juiz aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). Nossa visita, organizada pelo Deputado Estadual Caruso (MDB), revelou um modelo de gestão de segurança pública que apresenta resultados significativos e que pode servir de referência para outras cidades, incluindo o Rio de Janeiro.
A Experiência de São Paulo: Estrutura e Resultados
Ao adentrar a sede da Polícia Municipal de São Paulo, fomos recebidos por uma equipe altamente profissional, em instalações que se assemelhavam mais a um ambiente corporativo do que a uma repartição pública tradicional. Uma policial bilíngue nos conduziu pelas dependências, destacando a história e os valores da Guarda Civil Metropolitana. Essa recepção cordial e o ambiente organizado refletem uma cultura institucional que valoriza tanto os profissionais quanto os cidadãos.
Durante a visita, observamos policiais demonstrando satisfação em suas funções, o que pode ser atribuído a políticas de valorização profissional, como planos de carreira bem estruturados e investimentos em capacitação. Essas medidas parecem contribuir para a elevação da moral da corporação e para a eficiência operacional.
Os dados apresentados pela secretaria são expressivos: desde o início do programa de reestruturação, 887 foragidos foram capturados, sendo 568 apenas em 2025. Além disso, foram realizadas 2.081 prisões em flagrante e 51 pessoas desaparecidas foram localizadas. Esses resultados foram alcançados sem a necessidade de operações violentas, evidenciando uma abordagem baseada em inteligência e planejamento.
O Contexto do Rio de Janeiro: Desafios e Avanços
O Rio de Janeiro enfrenta um cenário complexo na área de segurança pública, marcado por altos índices de violência e desafios históricos. No entanto, dados recentes indicam avanços significativos em algumas áreas. Em 2024, as polícias Civil e Militar do estado apreenderam 732 fuzis, uma média de dois por dia, representando um aumento de 20% em relação a 2023 e o maior número desde o início da série histórica em 2007. 
Além disso, foram registradas 42.389 prisões em flagrante, um aumento de 14,7% em relação ao ano anterior, e 23.930 apreensões de drogas, 6,2% a mais que em 2023. O número de veículos recuperados também cresceu, totalizando 19.034, um incremento de 29,7%. 
No que tange aos crimes contra a vida, houve uma redução de 11,1% na letalidade violenta, que engloba homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte, latrocínio e mortes por intervenção de agentes do estado, totalizando 3.795 casos em 2024. Este é o menor número registrado desde o início da série histórica em 1991. Especificamente, os homicídios dolosos somaram 2.930 casos, e as mortes por intervenção de agentes do estado foram 699, uma redução de 19,8% em relação a 2023.  
Entretanto, apesar de alguns avanços registrados nos últimos anos, a realidade ainda evidencia um padrão preocupante de letalidade que contrasta com as práticas adotadas em outros estados, como São Paulo.
Letalidade Contra Civis
A letalidade policial no Rio de Janeiro continua alarmante. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), em 2024, 699 pessoas foram mortas por intervenção de agentes do estado, o que, apesar de representar uma queda de 19,8% em relação a 2023, ainda coloca o estado entre os mais letais do país. Esses números refletem uma prática operacional que frequentemente recorre ao uso da força letal, muitas vezes em áreas periféricas e de grande vulnerabilidade social, como as comunidades da Zona Norte e Oeste.
Um levantamento realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) aponta que, em 2024, 74% das mortes em operações policiais no Rio de Janeiro ocorreram em regiões predominantemente habitadas por negros e pobres, reforçando preocupações com a seletividade racial e social nas ações de segurança. Além disso, estudos indicam que, para cada morte por intervenção policial em São Paulo, ocorrem, em média, quatro no Rio de Janeiro, evidenciando a diferença nas abordagens entre os dois estados.
Letalidade Contra Policiais
O Rio de Janeiro também lidera as estatísticas de mortes de policiais no Brasil. Em 2024, 54 agentes de segurança foram mortos, um número que representa um aumento de 12% em relação ao ano anterior. Desses, 80% foram mortos fora de serviço, frequentemente em ações de represália ou durante tentativas de assalto. O alto índice de mortes de policiais reflete não apenas a periculosidade das operações no estado, mas também as precárias condições de trabalho e o estresse físico e psicológico enfrentado por esses profissionais.
Operações Violentas e Impacto na Sociedade
Outro dado que chama atenção é o número de civis feridos durante operações policiais. Em 2024, segundo o ISP, 26 crianças foram baleadas no estado, das quais 4 perderam a vida. Esses números demonstram como as operações de grande porte ainda colocam em risco não apenas os alvos das investigações, mas também a população em geral, sobretudo em comunidades densamente povoadas. A operação na Vila Cruzeiro, em 2022, que deixou 23 mortos, e o recente caso na Vila Aliança, que feriu gravemente o policial civil Felipe Marques Monteiro durante o suporte aéreo de uma operação, são exemplos de como a violência estrutural se perpetua.
Essa realidade contrasta com os resultados observados em São Paulo, onde operações baseadas em inteligência têm conseguido capturar foragidos sem disparos e sem mortes. No mesmo período em que São Paulo realizou 887 capturas de foragidos em 2025, com zero registro de mortes em operações específicas, o Rio de Janeiro acumulou centenas de óbitos em ações semelhantes. Essa discrepância sugere que as práticas operacionais e de gestão do estado fluminense necessitam de revisão urgente.
Reflexão Crítica
A persistência da alta letalidade no Rio de Janeiro demonstra que o estado ainda depende de estratégias de confronto armado em detrimento de ações mais inteligentes e preventivas. Esse modelo, além de comprometer a vida de civis e agentes, reforça a desconfiança da população nas forças de segurança, dificultando a construção de um vínculo comunitário essencial para uma segurança pública efetiva.
Investimentos em tecnologia, capacitação e inteligência, como demonstrado pelo modelo de São Paulo, poderiam reduzir os índices de letalidade e melhorar os resultados operacionais no Rio de Janeiro. A transição para uma abordagem mais humanizada e estratégica é não apenas uma necessidade, mas uma obrigação para um estado que há décadas convive com os custos sociais e humanos de uma segurança pública militarizada e ineficaz.
Reflexões e Possibilidades de Implementação no Rio de Janeiro
A experiência de São Paulo demonstra que é possível implementar um modelo de polícia municipal que alia eficiência operacional a práticas que valorizam os direitos humanos e a vida. A adoção de políticas de valorização profissional, investimentos em tecnologia e inteligência, além de uma cultura organizacional que preza pela transparência e pelo respeito ao cidadão, são elementos que podem ser adaptados e implementados no Rio de Janeiro.
O Rio de Janeiro possui um potencial turístico e cultural vasto, que pode ser ainda mais explorado com a garantia de segurança pública eficaz e humanizada. A criação de uma polícia municipal que reflita a diversidade e a riqueza cultural da cidade, capacitada para atender tanto os moradores quanto os turistas, pode ser um passo significativo para a melhoria da qualidade de vida e para a promoção da imagem positiva da cidade.
Conclusão
A análise comparativa entre os modelos de segurança pública de São Paulo e do Rio de Janeiro evidencia que, apesar dos desafios, é possível avançar na construção de uma polícia mais eficiente e alinhada aos princípios democráticos. A experiência paulista oferece insights valiosos que podem ser adaptados à realidade carioca, sempre respeitando as especificidades locais. Investir em políticas de valorização profissional, inteligência operacional e aproximação com a comunidade são caminhos promissores para a construção de uma segurança pública mais justa e eficaz.
por Jaime Fusco e Ângelo Almeida Fusco