Por Vicente Loureiro
Funciona mais ou menos assim, dependendo de onde se vive nessa extensa metrópole percebe-se, de modo distinto o cantar do galo, anunciando a chegada de mais uma manhã. Por volta das 4h30 eles começam a cantarolar. Ouvi-los depende de onde se vive. Em Japeri é de um jeito, em Ipanema é de outro completamente diferente. Assim, nas regiões mais desenvolvidas, as de IDH mais alto, eles ainda resistem. Aqui ou ali um vizinho excêntrico mantém meio às escondidas um galinheiro.
Para nelas ouvir o cantar do galo é preciso duas condições: estar com insônia ou voltando, altas horas, de uma balada qualquer. Já nas periferias distantes com baixo padrão de qualidade de vida, onde as pessoas precisam acordar muito cedo para chegar a tempo no lugar de trabalho, por vezes distantes mais de 70 km de casa, ouve-se o estridente despertar dos galináceos ao se tomar café ou ao caminhar em direção à estação de trem ou ponto de ônibus mais próximo.
Nas outras áreas entre esses extremos, a relação com este modo de despertar, sem necessidade de marcação prévia, também existe. Alguns até o preferem aos toques musicais dos celulares. Acham mais natural. Têm sono leve e podem se dar ao luxo de acordar como se na roça estivessem. São os que gostam de madrugar para fazer ginástica ou se preparar com mais tempo para mais uma jornada anunciada pelo cocoricó infalível.
Além de servirem a funções diversas nessa desigual vida metropolitana, tais cantos apresentam diferenças entre si. Enquanto em Icaraí, por exemplo, eles provêm de um ou outro galo isolado e meio triste, em Paracambi ou Queimados a cantoria parece vir de um coral de galos, numa disputa de egos e notas altas de deixar tenor com inveja. Provavelmente as posturas municipais nas áreas urbanas devem proibir a existência de galinheiros. Mais uma das inúmeras leis não cumpridas por aqui até hoje, e pelo jeito com futuro tão inócuo quanto sua pretensão.
Como prova disso conheci certa feita uma casa na periferia de Nova Iguaçu cujo afastamento frontal havia se transformado em um animado galinheiro. Esse já não tinha sequer vergonha de existir. Uma placa na tela que arrematava o muro baixo na frente daquela moradia exótica anunciava a venda de ovos de quintal. Ou seria de jardim? Nunca vou saber. Assim cantar de galo nesta vastidão metropolitana não é “querer mandar onde não se tem autoridade” como ensina o dicionário. Por aqui ele significa que a vida nasce todos os dias de modo muito distinto entre nós. Para muitos, infelizmente, fazendo lembrar que apesar de o dia não ter chegado, a lida cotidiana não pode esperar o sol nascer.