Por Coisas da Política
GILBERTO MENEZES CÔRTES -JB
Enquanto o Congresso Nacional (que este ano vai trabalhar muito pouco, porque suas excelências os(as) deputados(a) e senadores(as) estão com mais atenções nas eleições municipais que lhes reforçam as verbas para as bases eleitorais em seus estados) faz mais uma semana de folga, aproveitando o feriado no Dia do Trabalho, em 1º de maio, que caiu na quarta-feira e levou ao enforcamento da semana (terça a quinta), o noticiário político, sobretudo nas redes sociais, pega um desvio para criticar o uso de verbas oficiais no show da Madonna realizado neste sábado à noite, na praia de Copacabana, no Rio, (escrevo na 6ª feira, antes de viajar para um encontro em Angra dos Reis).
O show é um oferecimento pelo centenário de fundação do Itaú Unibanco (quem faz 100 anos é a antiga Casa Bancária Moreira Salles, nascida em Araxá-MG, em 1924, que deu origem ao União de Bancos Brasileiros-Unibanco, que se fundiu ao Itaú em novembro de 2008, no rescaldo da crise financeira mundial de setembro de 2008; surgido em 1945, o Itaú tem só 79 anos). Antes de apresentar seu lucro do 1º trimestre estimado em mais de R$ 10 bilhões, nesta segunda-feira, o maior banco privado do Brasil pretende fazer um afago na cidade que responde por uma boa parte do seu lucro.
Entretanto, comparado aos R$ 35,618 bilhões lucrados em todo o ano passado, os gastos de R$ 60 milhões ventilados como o orçamento da empreitada que foi trazer ao Brasil a excursão do “Celebration Tour”, são “peanuts”, como gostam de dizer os economistas e banqueiros americanos. Brasileiros usam troco em balinhas. Se os números já revelados para o evento estiverem certos, o gasto do Itaú não chegará a 0,2% do lucro do ano de 2023. Para comemorar os 40 anos de carreira da cantora pop Madonna, que chegou ao Rio de Janeiro após uma parada em Santiago (Chile), não se sabe ao certo se os organizadores do evento, contratados pelo Itaú Unibanco, vão se utilizar das benesses do Perse para diluir os impostos devidos.
O que eu sei é que, na onda de fechamento de agências pós-pandemia, quando os bancos forçaram clientes a fazer as operações pelo celular, o Itaú, que chegou a ter duas dúzias de agências em Copacabana e no Leme, ficou só com cinco na região e mais três do Personnalité. Na Avenida Atlântica, em frente ao palco, havia uma agência Itaú, desativada no ano passado. Em Ipanema, o banco tem só uma, mais duas do Personalité. Mas as tarifas que engordam os lucros não caíram. Os juros também ignoram a queda da Selic.
Ajuda dos cofres públicos
O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) foi aprovado no governo Bolsonaro para permitir que os segmentos de turismo, bares e restaurantes, teatros, cinemas, shows e eventos promocionais (originalmente incluía um total de 44 atividades), cujos negócios foram altamente prejudicados pela perda de faturamento durante os dois anos da pandemia da Covid, diluíssem os impostos devidos até abril de 2024. Mas um lobby no Congresso tentou estender, no final do ano passado, o perdão até 2027 para 30 áreas, o que daria perdas de mais de R$ 30 bilhões ao Fisco. Depois de muita negociação, o Congresso aprovou na semana passada o enxugamento nos benefícios para 15 setores até 2027, com a perda de receita sendo reduzida em R$ 15 bilhões.
Além do Itaú Unibanco (“holding”), o mega show que encerra 40 anos de carreira da diva americana, organizado pela Bonus Track, promotora de eventos que tem como presidente Adrian Singarella e como diretor Executivo Luiz Oscar Niemeyer, tem ainda patrocínio do grupo holandês Heineken. E conta com apoio (patrocínio menor, mas que pode ser enquadrado no Perse) das marcas Deezer, Eventim, Absolut e Stanley. Ah, ia me esquecendo, o Estado do Rio de Janeiro, cujo governador, Cláudio Castro, vem chorando pela mídia que não terá dinheiro para pagar salários do funcionalismo em setembro, motivo para pedir a renegociação da dívida com a União (com juros altos, porém mais suaves do que os cobrados pelo Itaú aos clientes pessoas físicas e pequenos e microempresários), vai alocar, via Funarj, R$ 10 milhões em apoio ao evento. A prefeitura do Rio de Janeiro banca outros R$ 10 milhões.
Como estamos em período pré-eleitoral, e o prefeito Eduardo Paes, candidato à reeleição, lidera amplamente as pesquisas contra o candidato do ex-presidente Jair Bolsonaro, o deputado federal e ex-diretor da Abin, o delegado federal Alexandre Ramagem, as redes bolsonaristas estão criticando pesadamente o prefeito Eduardo Paes. Esquecem que a igreja evangélica da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, do pastor Silas Malafaia, que apoiou o último comício de Bolsonaro na Atlântica e patrocinou o da Avenida Paulista, em fevereiro, também se vale de isenção de imposto de renda em atividades da igreja. Dada à imensa promoção para a imagem da cidade do Rio de Janeiro no país e exterior, os R$ 10 milhões gastos na montagem do show de Madonna retornarão largamente sob a forma de ISS e outros impostos. Sem falar que uma campanha promocional, de âmbito nacional e internacional, custaria bem mais, com resultado menos certeiro. Só de turistas estrangeiros, estima-se que estarão cerca de 120 mil entre o público calculado em 1,5 milhão de espectadores, fora as imagens de TV que vão correr o Brasil e o mundo.
Quem o Congresso defende?
Os membros da Câmara e do Senado brasileiro enchem a boca para dizer que são a “casa do povo”, mas o exame das matérias e propostas que aprovam ao longo do ano Legislativo, deste ano, começou em 1º de fevereiro, após as férias legislativas em janeiro e o recesso desde 23 de dezembro, e teve folgas estendidas pós semana do Carnaval, da Semana Santa, e deste 1 º de maio, após uma folga, e abril para as inscrições partidárias nos registros eleitorais nos estados. Ou seja, nos últimos 150 dias no Congresso, que folga das sextas às segundas-feiras, houve trabalhos legislativos em menos de 50 dias corridos. A França adotou a semana de quatro dias. No Congresso é de três.
Mas o exame das pautas em exame no Congresso, tirante PECs ou Medidas Provisórias, que têm prazo para votação, mostra que há sempre mais empenho de suas excelências para matérias de interesse corporativos/empresariais do que em relação a questões de amplo alcance popular. Nos Estados Unidos, onde impera basicamente o bipartidarismo, é comum um deputado democrata ou republicano proclamar na tribuna que está defendendo os interesses da empresa X ou do grupo Y, que, proibidos de participar do plenário, ficam aguardando no “lobby (hall)” do Capitólio. A defesa de quem fica no “lobby” foi batizada de lobby, que já nem precisa estar presente na Praça dos Três Poderes ou no Congresso, em Brasília.
A própria fragmentação partidária criou grupos de deputados batizados de “bancada da bala”, que defende interesses supostamente antagônicos de PMs, policiais civis e milicianos (egressos destas corporações); “bancada do agro”, que faz poderoso lobby para desmatadores, grileiros que se infiltram entre produtores tradicionais, todas amparadas por orçamentos financeiros bilionários (o orçamento do Plano Safra 2023/24 foi de R$ 293 bilhões, e de 2024/25 deve beirar os R$ 300 bilhões), com juros altamente subsidiados e pouca fiscalização sobre se são usados em agressões ao meio ambiente. Quando há um problema como o El Niño, logo pedem perdão de dívidas quando a quebra de safra foi de menos de 5%. Há ainda a “bancada dos médicos”, na qual planos de saúde se infiltram com aventais brancos. E a difusa e barulhenta “bancada evangélica”, que de forte influência como curral eleitoral, formou seus próprios representantes e partidos, como o Republicanos, da Igreja Universal do Reino de Deus, e pressiona o governo por isenções fiscais.
Bancadas para pedir aumentos de gastos no Orçamento (com preferência para a volta do Orçamento Secreto) há aos montes. Operosas ao extremo. Agora, para se aliar ao governo em eventuais medidas tributárias de justiça social, para aumentar a arrecadação e destinar os recursos a projetos sociais, nota-se uma base insuficiente que obriga o governo a ceder mais anéis para salvar os dedos. Ou seja, para avançar dois ou três passos, recuam-se de um a dois. E ainda, para agradar aos banqueiros da Faria Lima, os deputados e senadores não perdem oportunidade de criticar eventual estouro nas metas de zerar o déficit primário. O déficit primário parece aquele personagem do Veríssimo, o Alves Cruz, que enfia a cabeça na areia para fugir à realidade.
O conceito de déficit primário, adotado para facilitar a contabilidade do acordo com o Fundo Monetário Internacional na crise da dívida externa, nos anos 80, ficou até hoje. Ele faz a conta entre receitas e despesas, sem considerar os juros da dívida pública. Investimento em educação é considerado gasto, bem como em uma fábrica de vacinas bancada pelo SUS também seria considerado gasto. Perseguir déficit primário (como garantia de que o Tesouro Nacional vai pagar os juros aos credores) é uma quimera. O que são R$ 50/100 bilhões de déficit ou superávit, quando as receitas superam as despesas, se as contas dos juros não param de crescer e bateram nos R$ 718,3 bilhões em 2023, e nos dois primeiros meses deste ano (os dados de março saem esta segunda-feira) as despesas com juros saltaram a R$ 145 bilhões (R$ 116,4 bilhões no primeiro bimestre de 2023). A Faria Lima, onde se destaca o Itaú, quer garantia de que o Tesouro vai engordar seus lucros. O show da Madonna é centavos do ganho.
Há bancadas do Judiciário
Embora o país tenha três Poderes – o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, que, através do Supremo Tribunal Federal, é o intérprete e guardião da Constituição Federal de 1988, surgiu uma bancada envergonhada no Senado para defender a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 10/2023. De autoria do próprio presidente do Senado, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a medida criaria uma parcela mensal de valorização por tempo de exercício para os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público. O texto do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, recebeu um substitutivo do relator, senador Eduardo Gomes (PL-TO). A parcela extra não ficaria sujeita ao teto constitucional (salários dos ministros do STF, o que seria, na prática, um enorme aumento em cascata para o funcionalismo judiciário. Calculado em 5% da remuneração (fora os penduricalhos), seria pago a cada cinco anos de efetivo exercício, até o limite de 30%.
O quinquênio valeria para aposentados e pensionistas que têm direito a igualdade de rendimentos com os colegas em atividade. Com a janela para gastos, senadores fizeram emendas que podem ampliar os gastos iniciais de R$ 3 bilhões/ano para R$ 40 bilhões. Diante da forte reação do Ministério da Fazenda, o presidente do Senado garantiu que não vai ampliar o escopo dos beneficiados (para fazer um “trem da alegria”). O quinquênio romperia o teto salarial de R$ 44 mil do STF para juiz e promotor, e ainda para membros da Advocacia Pública da União, dos Estados e do DF. Também pegariam carona delegados de polícia, ministros e conselheiros dos Tribunais de Contas.
Na próxima semana, novas reuniões entre o governo e o Congresso vão selar a extensão de programas sociais que terão de ser cortados. Sim, pois não há dúvidas: se o Orçamento é limitado e estouram gastos no Judiciário, que, por questão de isonomia, se espalham, cedo ou tarde, ao funcionalismo federal e estadual, mais gasto com a burocracia vai implicar sacrifício com os programas de compensação às camadas mais pobres da sociedade.
O Congresso sempre pende para o lado dos que têm mais poder financeiro que o cidadão. Mas é o cidadão/contribuinte/eleitor que decide, pelo voto, a eleição de um(a) deputado(a) ou senador(a).
Que nunca esqueça disso.