O MARCO TEMPORAL E SEUS IMPACTOS JURÍDICOS E SOCIAIS PARA OS POVOS ORIGINÁRIOS

A política do Marco Temporal, limitando a demarcação de terras indígenas à ocupação até 1988, gera controvérsias sobre seus efeitos legais, sociais e políticos.

Por *Iassonara Veríssimo Fulni-ô

Em meio às celebrações e reflexões do mês dedicado aos povos indígenas, é essencial que analisemos com seriedade e discernimento o debate em torno do Marco Temporal e suas consequências tanto no âmbito jurídico quanto social.

O Marco Temporal, conceito que tem sido objeto de acalorados debates e controvérsias, propõe a limitação do reconhecimento de terras indígenas apenas àquelas já ocupadas pelos povos originários até a promulgação da Constituição Federal de 1988. No entanto, tal abordagem desconsidera uma realidade histórica complexa e multifacetada, marcada por séculos de ocupação e vivência indígena anterior à chegada dos colonizadores europeus.

Do ponto de vista jurídico, o Marco Temporal suscita uma série de questionamentos e desafios. Ao estabelecer um marco temporal tão restritivo para a demarcação de terras indígenas, corre-se o risco de violar preceitos constitucionais fundamentais, tais como o direito à terra, à cultura e à autodeterminação dos povos indígenas,consagrados em tratados internacionais ratificados pelo Brasil.

Além disso, a aplicação do Marco Temporal pode representar uma afronta aosprincípios do direito indígena, que reconhecem a ocupação tradicional e originária das terras pelos povos indígenas, independentemente de data ou marco temporal imposto por colonizadores.

No âmbito social, as consequências do Marco Temporal são igualmente preocupantes. Ao limitar o reconhecimento e a demarcação de terras indígenas, corre-se o risco de agravar os conflitos fundiários e a violência contra os povos indígenas, que frequentemente enfrentam pressões de grileiros, fazendeiros e empresas interessadas na exploração predatória de recursos naturais.

Além disso, a restrição imposta pelo Marco Temporal pode comprometer a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas, ao privá-los do acesso a recursos naturais essenciais para sua subsistência e ao enfraquecer sua identidade e coesãosocial.

Diante desse contexto desafiador, é fundamental que a sociedade brasileira e as instâncias governamentais reconheçam a importância da demarcação e proteção das terras indígenas como um imperativo ético e jurídico. É preciso respeitar e valorizar os direitos dos povos indígenas, garantindo-lhes o usufruto exclusivo de suas terras ancestrais e o respeito à sua cultura e modo de vida.

Neste Mês do Indígena, é hora de renovarmos nosso compromisso com a justiça social e a equidade, promovendo um diálogo construtivo e inclusivo sobre o futuro das terras e dos povos indígenas do Brasil. O respeito aos direitos indígenas não é apenas uma questão legal, mas também uma questão de dignidade humana e depreservação da diversidade cultural e ambiental de nosso país.

# Iassonara Veríssimo Fulni-ô – Advogada indígena da etnia Fulni-ô; filha do líder indígena Santxiê Tapuya Fulni-ô, escritora, poetisa, filantropa, Presidente da APORI – Associação dos Povos Originários, Vice-presidente da Comissão de Direitos dos Povos Originários da OAB/RJ e CEO da WX IT Solutions Technologies em Portugal.

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