Páginas de caderno do ex-chefe do GSI no governo Bolsonaro sugerem subversão e descumprimento da lei. Inclusive, delegado federal que cumprisse ordem “ilegal” seria preso
Um diário, escrito à mão pelo general Augusto Heleno, revela um plano para desestabilizar a atuação do Poder Judiciário e da Polícia Federal, prevendo até mesmo a prisão de delegados. As páginas, publicadas pela revista Veja, foram obtidas pela PF na Operação Tempus Veritatis, de busca e apreensão, de 8 de fevereiro, na casa do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo de Jair Bolsonaro (PL).
As anotações de Heleno sugerem que o militar estaria indignado com ações do Judiciário, sobretudo do Supremo Tribunal Federal (STF), em decisões que entendia como ilegais. Para combater a atuação desfavorável ao então presidente da República, Heleno traça um roteiro com medidas que seriam adotadas pelo governo Bolsonaro a fim de constranger ações da PF e decisões do Judiciário.
No esboço, ele descreve o que seria a estrutura para descumprir ordens judiciais — inclusive do STF. Sob o comando da Presidência da República e do Ministério da Justiça, a Advocacia-Geral da União (AGU) seria acionada para elaborar um parecer a respeito de uma determinada ordem ou decisão judicial — e determinar se era “legal” ou “ilegal”.
Prisão de delegado
Heleno indica, ainda, que em caso de cumprimento de uma decisão judicial considerada “ilegal” pelo governo Bolsonaro, o delegado da PF que a levou adiante poderia ser preso, pois estaria cometendo um crime. “Delegado não pode cumprir ilegalidade; diligência tem que estar proibido”, traz o diário em um trecho manuscrito.
“O AGU faz um texto fundamentado na Constituição Federal afirmando sobre ordem ilegal. Existe um princípio de Direito que ordem manifestamente ilegal não se cumpre”, aponta o general, que continua: “Aprovando o parecer do AGU, para toda ordem manifestamente ilegal não é para ser cumprida porque seria crime de responsabilidade”.
Em outro trecho, Heleno aponta como seria o rito na avaliação pela AGU. “É preciso que o parecer detalhe o que é uma ordem manifestadamente ilegal, com força normativa e vinculante”, define o militar.
Outras anotações dão a entender que a intenção de Heleno era colocar logo o plano em prática. Uma anotação, toda em lestras maiúsculas, traz a palavra “agir” e, na sequência, uma lista de metas: “Não tem que falar, tem que agir” e “Ilegalidades estão sendo cometidas”.
Legalismo
As anotações do general rascunham o que poderia se tornar uma argumentação jurídica que justificasse a intervenção do governo de Bolsonaro no Judiciário. Segue uma linha semelhante a de outro documento encontrado pela PF: a minuta encontrada no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Conforme trechos da delação do militar, o propósito era decretar o estado de sítio e suspender as competências dos poderes Legislativo e Judiciário.
A minuta golpista encontrada com Cid evocava o “Princípio da Moralidade” e previa que “o juiz nunca pode agir sem a devida e esperada conformação de suas decisões à moralidade institucional”. Indicava, ainda, que os ministros do STF deveriam seguir esse “princípio”.
Até o fechamento desta edição, a defesa de Heleno não se pronunciou sobre as páginas do diário e o conteúdo dos manuscritos.
Por Henrique Lessa – CB