A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, foi alvo de ofensas machistas e ataques políticos durante uma audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado nesta terça-feira (27). Convidada a prestar esclarecimentos sobre a criação de reservas extrativistas marinhas na costa do Amapá, Marina acabou sendo impedida de falar em diversos momentos e deixou a sessão após declarações consideradas ofensivas por senadores da oposição — e também da base aliada. Em entrevista à GloboNews após o episódio, a ministra afirmou:
“Me senti agredida, mas saio fortalecida. Eles não conseguiram me intimidar. Ninguém vai dizer qual é o meu lugar”.
A audiência discutia a criação de quatro unidades de conservação marinhas na chamada Margem Equatorial. Durante a sessão, o presidente da comissão, senador Marcos Rogério (PL-RO), mandou Marina “se pôr no seu lugar” após interromper suas tentativas de resposta. A declaração provocou reação imediata:
“O meu lugar é trabalhando para combater a desigualdade, protegendo o meio ambiente e promovendo desenvolvimento sustentável”, rebateu a ministra.
Biografia e trajetória de Marina Silva
Marina Silva é uma das figuras mais respeitadas da política ambiental brasileira e mundial. Nascida em 1958 em Rio Branco (AC), no seringal Bagaço, viveu a infância em condições de extrema pobreza e analfabetismo até os 16 anos. Ex-seringueira e militante do movimento socioambientalista ao lado de Chico Mendes, formou-se em História e construiu uma carreira marcada pelo ativismo ambiental e pelos direitos das populações tradicionais.
Foi senadora, ministra do Meio Ambiente entre 2003 e 2008 no governo Lula, e candidata à Presidência da República em 2010, 2014 e 2018. Reconhecida internacionalmente, recebeu prêmios como o Champions of the Earth, da ONU, e é frequentemente citada como uma das maiores vozes em defesa do meio ambiente no cenário global.
Contexto: o que estava em debate no Senado
A sessão discutia o avanço do processo de criação das Reservas Extrativistas (Resex) marinhas Flamã, Goiabal, Amapá-Sucuriju e Bailique, áreas protegidas propostas pelo Ministério do Meio Ambiente com o objetivo de preservar ecossistemas marinhos e garantir a sustentabilidade das comunidades tradicionais.
As reservas somam cerca de 1,3 milhão de hectares e ficam entre 137 e 470 km dos blocos de exploração de petróleo da Margem Equatorial. Segundo o ministério, elas não inviabilizam a instalação de infraestrutura portuária e oleodutos. A audiência, no entanto, se transformou em um embate entre visões de desenvolvimento ambientalmente responsável e interesses ligados à exploração de petróleo e grandes obras como a pavimentação da BR-319.
Embate e ofensas na Comissão
A ministra foi interrompida diversas vezes, teve o microfone cortado e foi ironizada por senadores como Marcos Rogério e Omar Aziz (PSD-AM), que acusaram o ministério de travar obras importantes na região Norte. Aziz chegou a responsabilizá-la por supostos entraves ao “progresso do país”. Marina, ao tentar responder, teve novamente a palavra retirada.
O senador Plínio Valério (PSDB-AM), conhecido por outros ataques à ministra, afirmou que “a mulher merece respeito, mas a ministra, não”. Em março, Valério já havia dito publicamente que tinha “vontade de enforcar” Marina Silva — declaração pela qual nunca foi formalmente responsabilizado.
Após a escalada de ataques, a ministra pediu retratação. Sem resposta, decidiu se retirar da sessão:
“Não tolerarei desrespeito. Minha presença aqui é como convidada. Se o respeito não for garantido, não há diálogo possível”, declarou.
Reação do governo e apoio de Lula
Após a repercussão negativa do episódio, Marina Silva revelou que recebeu uma ligação pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva:
“Ele disse que passou a se sentir melhor quando soube que eu deixei a comissão. Que eu fiz o certo. Me senti respaldada”.
Apesar das tensões, Marina negou falta de apoio da base governista. No entanto, setores do governo foram cobrados publicamente por manifestarem-se tardiamente diante das ofensas sofridas por uma das principais lideranças ambientais do país.
Um impasse entre preservação e exploração
O embate no Senado expôs uma das fraturas do atual governo: a tensão entre o desenvolvimento sustentável e os interesses econômicos de curto prazo. A Margem Equatorial é uma das áreas mais promissoras para a exploração de petróleo e gás natural no país. Ao mesmo tempo, abriga ecossistemas sensíveis e comunidades tradicionais que dependem da integridade ambiental para sobreviver.
Desde 2005, populações locais lutam pela criação dessas reservas. A mobilização levou à chamada “Carta de Calçoene”, com mais de 400 assinaturas. O processo ganhou apoio técnico do ICMBio e segue em tramitação, agora sob avaliação do MMA antes de ser encaminhado à Presidência da República.
Conclusão: o simbolismo de Marina
O episódio escancarou o machismo institucional ainda presente na política brasileira, mas também reforçou o papel simbólico e prático de Marina Silva como uma figura que resiste — com firmeza e serenidade — à violência política de gênero e à lógica do imediatismo econômico.
Mais do que uma resposta pessoal, sua postura reforça uma mensagem de integridade e compromisso com um projeto de país que busca alinhar desenvolvimento, justiça social e responsabilidade ecológica.
Por Redação Gazeta Rio/Ricardo Bernardes