Estudo com informações de mais de 24 mil mulheres entre 2020 a 2023, em 465 maternidades no país, mostra perfil das vítimas. Especialista afirma que violência acontece na rede pública e privada.
Mães do Rio de Janeiro que foram vítimas de violência obstétrica tentam superar o trauma para seguir adiante. São relatos de preconceito, falta de humanidade e desrespeito. Uma pesquisa mostra que as mulheres negras e pobres têm mais chance de serem vítimas.
Dados preliminares do estudo “Nascer no Brasil 2”, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que conta com informações de mais de 24 mil mulheres entre 2020 a 2023, em 465 maternidades no país, mostra que adolescentes ou mulheres com mais de 35 anos, negras, usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS), com baixa escolaridade, têm mais risco de sofrer violência obstetrícia.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência obstétrica como a apropriação do corpo da mulher e dos processos reprodutivos pelos profissionais de saúde, na forma de um tratamento desumanizado, medicação abusiva, reduzindo a autonomia da paciente e a capacidade de tomar suas próprias decisões livremente.
Durante o trabalho de parto ou no pós-parto, a mulher não pode ouvir comentários constrangedores referentes à cor, etnia, idade, religião, características físicas ou orientação sexual.
“Na hora do parto ouvi da médica a seguinte frase: ‘não vou fazer parto de cesariana em negro, índio e nordestino’”, contou Norma Maria de Souza.
“Temos dados que confirmam isso que as mulheres negras sofrem duas vezes mais que as mulheres brancas. É mais difícil para certos grupos da população saber que estão sendo vítimas da violência obstétrica, que tinham um direito de estar com acompanhante, de escolher a posição de parto, de entender a medicação que está tomando, qual é o procedimento, se é indicado ou não, se eu preciso fazer aquilo ou não, se eu posso esperar ou não, se você não tem informação sobre isso, você não vai saber quando isso estará sendo violado”, afirmou Larissa Velasquez, doutora em História das Ciências e da Saúde.
Projeto não foi votado
No Brasil não existe lei para tipificar ou punir esse tipo de violência. No Estado do Rio de Janeiro, há um projeto de 2019, que ainda não foi votado pela Assembleia Legislativa (Alerj).
Segundo a pesquisadora da Fiocruz, o desrespeito à autonomia e decisão da mulher acontece tanto no setor público quanto no privado.
“Ela acontece nos dois ambientes, mas de formas diferentes. No setor privado tem violência em relação a questão da autonomia, de escolha, de número de cesáreas, que é muito maior no setor privado que no público.
No público tem mais a ausência de analgesia, demora no atendimento, negligência nesse sentido”, disse Larissa Velasquez.
Ainda segundo a pesquisa, no corpo de 56% das mulheres foi feita a episiotomia, um corte no períneo, perto da vagina.
A episiotomia, feita de forma rotineira, é uma prática desencorajada. Existem artigos que investigam os impactos prejudiciais para a saúde e o psicológico da mulher.
Além disso, 45% por cento das mulheres ouvidas no estudo contaram ter vivido pelo menos um ato de violência obstétrica durante o parto: seja violência física, psicológica, falta de informação e de comunicação com a equipe de saúde e perda de autonomia.
Por Fernanda Graell, Maria Carolina Morganti, Daniella Novo, Ludmilla Braga, Aílton Carioca, RJ1