Documentos obtidos pelo g1 através da Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que o número de Processos Administrativos Disciplinares (PADs) teve redução de 51% entre 2010 e 2022.
O número de processos administrativos disciplinares (PADs) instaurados pela Polícia Civil do RJ para apurar irregularidades cometidas por seus agentes caiu à metade em pouco mais de uma década. É o que mostram documentos obtidos pelo g1 através da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Como consequência, demissões também se tornaram menos comuns desde 2010.
São investigações como extorsão, falsificação de documentos, concussão, estelionato, receptação, homicídio, enriquecimento ilícito, latrocínio e envolvimento com a milícia e com o jogo do bicho.
Dentre os policiais sob investigação estão o ex-secretário da pasta Allan Turnowski; o delegado Maurício Demetrio; o delegado Marcos Cipriano e a delegada Adriana Belém. (relembre por que eles são alvo da corregedoria abaixo). O g1 apurou que esses processos — que podem resultar em expulsão — caminham a passos lentos.
Ao g1, a Corregedoria informou que “a quantidade de punição não tem relação com a eficiência do trabalho desempenhado e menos ainda com a qualidade do resultado final” (leia a nota completa abaixo).
Entenda a queda
Entre 2010 e 2022, 1.097 inquéritos policiais foram abertos contra agentes da Civil.
Em 2010, foram 121 PADs; 12 anos mais tarde, 59 — uma queda de 51%.
O ano com mais procedimentos contra policiais civis foi 2011, na gestão do então governador Sérgio Cabral: 169. O recorde negativo é de 2020, com Cláudio Castro: 38 processos.
Com menos PADs, há menos punições — que vão de afastamentos temporários (remunerados ou não) a demissões. Em 2011, dos 169 inquéritos, a Corregedoria Interna da Polícia Civil suspendeu 91 agentes e demitiu 28. Em 2020, foram 15 afastamentos e 3 demissões.
Os documentos mostram ainda que desde 2012 há 107 PADs parados na Corregedoria Interna.
Relembre abaixo casos de repercussão.
Allan Turnowski
Em setembro do ano passado, o ex-secretário da Polícia Civil e delegado Allan Turnowski foi preso por agentes do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) acusado de participar de uma organização criminosa ligada ao jogo do bicho.
O delegado foi para a cadeia seis meses após deixar o comando da secretaria, a fim de se candidatar a uma vaga de deputado federal pelo PL.
Segundo as investigações, ele receberia propina do jogo do bicho e estaria envolvido em um plano para assassinar o bicheiro Rogério Andrade.
Após quase um mês, o delegado deixou a cadeia por uma decisão do ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal. Turnowski está proibido de acessar repartições da Polícia Civil. Ele sempre negou o crime.
Maurício Demetrio
Em junho de 2021, o delegado Maurício Demetrio, ex-titular da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM), foi preso por agentes do MPRJ suspeito de comandar um esquema que exigia propina de lojistas da Rua Teresa, em Petrópolis, para permitir a venda de roupas falsificadas.
As investigações começaram em 2019, com o depoimento de uma lojista de Petrópolis que se recusou a pagar propina de R$ 250 por semana. Dias depois, a loja foi alvo de uma operação da delegacia chefiada por Maurício, com mais de 100 peças de roupas apreendidas.
Segundo o MPRJ e a Corregedoria da Polícia Civil, a DRCPIM chegou a deflagrar uma operação forjada para deter justamente o delegado que investigava o esquema de Demétrio.
Ele está preso no Complexo de Gericinó. O delegado sempre negou.
Marcos Cipriano e Adriana Belém
Os delegados Marcos Cipriano e Adriana Belém foram presos em maio do ano passado durante a Operação Calígula, que mirou a exploração ilegal de jogos de azar pelo bicheiro Rogério de Andrade. A promotoria descobriu uma rede de jogos de azar explorada pelo bicheiro Rogério Andrade e pelo PM reformado Ronnie Lessa — réu pela morte da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes — e acobertada por policiais, inclusive os dois delegados.
Adriana Belém foi solta em outubro de 2022 por determinação do juiz Bruno Monteiro Rulière, da 1ª Vara Criminal Especializada da Capital.
Entre as medidas cautelares aplicadas estão as proibições de exercer qualquer função ou cargo público e de entrar em contato com os demais acusados e testemunhas do processo.
Em agosto deste ano, foi a vez de Cipriano deixar a cadeia. Na decisão, o juiz Richard Robert Fairclough afirmou que estava observando a isonomia em relação a outros réus em situação similar e que a prisão preventiva não era mais necessária para garantir a ordem pública. Ele determinou, porém que o delegado usasse monitoramento eletrônico e fizesse recolhimento noturno.
O que diz a Polícia Civil
A Corregedoria-Geral de Polícia Civil (CGPOL) exerce suas atribuições sempre pautada nos princípios da legalidade, impessoalidade, eficiência, razoabilidade e disciplina. Convém ressaltar que a apuração de transgressões disciplinares não é a única e exclusiva atribuição da CGPOL, que possui outras diversas funções em prol do funcionamento regular da instituição.
A Corregedoria reforça que a quantidade de punição não tem relação com a eficiência do trabalho desempenhado e menos ainda com a qualidade do resultado final.
Sobre os PADs dos servidores citados, não procede a informação de que não houve andamento. Todos seguem o trâmite processual previsto, sendo submetidos aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa.
Por Rafael Nascimento, Eduardo Pierre, g1 Rio