Cerca de 80% dos pesquisadores dos programas Prodes, Deter e TerraClass são bolsistas do CNPq. Coordenação da Amazônia, em Belém, tem 1 servidor
Os programas oficiais do governo federal para monitoramento do desmatamento nos biomas brasileiros, desenvolvidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), têm sofrido com o déficit crescente no número de servidores concursados exclusivos. Atualmente, PRODES, DETER e TerraClass contam com apenas cinco servidores em regime de dedicação exclusiva no Instituto.
Na Coordenação Espacial da Amazônia, centro do INPE localizado em Belém (PA) onde são gerados todos os meses os dados de alerta de desmatamento (DETER) e parte do TerraClass, há apenas um servidor concursado na área técnica.
Segundo apurou ((o))eco, o Programa de Monitoramento da Amazônia e Demais Biomas Brasileiros – onde PRODES, DETER e TerraClass são desenvolvidos – contam com outros 10 servidores concursados, mas em regime de dedicação parcial.
O grosso mesmo da equipe é formado por bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). São 74 profissionais com graduação, mestrado ou doutorado, que recebem salários de, no máximo, R$ 5,5 mil – a depender da titulação – e não possuem direito a outros benefícios trabalhistas.
Não fosse a situação trabalhista precária, os bolsistas ainda tiveram de lidar nos últimos dias com a possibilidade de seus contratos não serem renovados a tempo. A vigência da bolsa ia até esta terça-feira (31). Uma mudança no rito processual de aprovação do CNPq atrasou a renovação dos contratos, procedimento que está sendo feito neste momento no Instituto.
CNPq salvando o INPE
Segundo o cientista Gilberto Câmara, que foi diretor do INPE entre 2005 e 2012, a situação atual do Instituto reflete um “descaso” do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), pasta à qual o INPE é subordinada, com a questão ambiental.
Para ele, o INPE deveria investir na realização de concursos para ocupação de vagas em tais programas e não ter de contar com bolsas do CNPq para a execução de atividades norteadoras da política ambiental brasileira.
“Desde quando uma atividade operacional que produz um número de governo [números do desmatamento] pode ser tocada com bolsista do CNPq? Bolsa do CNPq não é atividade fim do governo! Isso é um remendo e a prova maior de que o Ministério não está dando a mínima para o INPE”, diz Câmara.
Procurado por ((o))eco, o MCTI rechaçou tal afirmação e disse, em nota, que “reafirma o compromisso com a recomposição orçamentária e de quadros técnicos do Inpe, além dos investimentos na modernização da infraestrutura de pesquisa científica do instituto.”
Sem vaga para a Amazônia
Após o INPE passar quase uma década sem concursos, o MCTI lançou, no início de outubro, um edital para o preenchimento de 135 vagas para pesquisadores, tecnologistas e analistas. O último concurso havia sido em 2014.
Segundo apurou ((o))eco, 10 vagas serão destinadas para a Divisão de Observação da Terra, nenhuma delas para a Amazônia.
“Agora era a hora de alocar pessoas nas prioridades nacionais. E não foi alocado ninguém para a Amazônia. Foram alocados [no concurso] cinco pesquisadores para a área de interesse pessoal do diretor do INPE [Clézio De Nardin], de clima espacial, que não tem prioridade nenhuma. Não quero dizer que o Brasil não deva fazer Ciência. Quero dizer que, no momento em que temos prioridades estabelecidas, lacunas importantes, a gente não pode continuar fazendo [monitoramento] do desmatamento com bolsas de CNPq”, diz Gilberto Câmara.
Já o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação informou que a alocação de vagas do atual concurso foi definida por uma comissão interna do INPE, sob o comando do atual diretor, De Nardin.
Segundo apurou a reportagem, o setor de Observação da Terra – antes uma coordenação especial no INPE, rebaixada no final de 2019 pelo então diretor-interino nomeado por Jair Bolsonaro, Darcton Damião – foi preterida no momento da divisão das vagas do concurso.
À época da reformulação do INPE – que aconteceu à revelia dos servidores – a Coordenação-Geral de Observação da Terra (CGOBT), o Centro de Ciências do Sistema Terrestre (CCST) e o Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) foram rebaixados a “divisões” de uma outra coordenação, a Coordenação Geral de Monitoramento, perdendo prestígio e recursos. CCST e CPTEC ganharam mais vagas no atual concurso.
A atual fase do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), lançada por Lula em junho passado, prevê como meta a criação de 40 vagas para o monitoramento da Amazônia, 300% a mais do que o número de vagas oferecidas para o setor no edital em vigência.
Orçamento em queda
Além do déficit de funcionários, o monitoramento do desmatamento do INPE vem sofrendo cortes expressivos em seu orçamento. Em 2013, PRODES, DETER e TerraClass recebiam cerca de R$ 6,4 milhões. O orçamento atual é cerca de metade deste valor: R$ 3,5 milhões.
“Se fosse corrigido o orçamento de 2013, era para o monitoramento estar recebendo R$ 13 milhões. Do ponto de vista de um ex-diretor, de uma pessoa que tem certa experiência na área, eu acho que isso é um absurdo”, disse Gilberto Câmara.
Segundo o MCTI, a pasta tem feito todos os esforços possíveis para a recomposição orçamentária do INPE, inclusive com a destinação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e parcerias externas.
Por Cristiane Prizibisczki – Eco