IML DO RIO TEM MAIS DE 11 MIL EXAMES PARADOS E SEM CONCLUSÃO DESDE 2012

Laudos em atraso comprovam, por exemplo, se pessoas foram envenenadas, se um motorista envolvido em acidente de trânsito ingeriu álcool ou drogas ou se uma pessoa foi vítima de abuso sexual.

Mais de 11 mil exames de toxicologia, patologia e hematologia estão parados no Instituto Médico-Legal (IML) do Centro do Rio desde 2012. O g1 teve acesso a uma planilha com todos os pedidos feitos por delegacias dos 92 municípios do estado e por unidades especializadas, como as Delegacias da Mulher.

Nos últimos meses, somente 5% desse montante foi analisado, a maioria através de ordem judicial.

Entre janeiro e março deste ano, por exemplo, 1.170 amostras de vísceras, sangue ou urina e sêmen estavam pendentes.

Apesar do amontoado de laudos por fazer, o governo do estado desistiu de erguer um centro de pesquisas forenses — para o qual o governo federal tinha liberado R$ 7 milhões (entenda mais abaixo).

O g1 questionou a Polícia Civil tanto sobre a fila de exames parados quanto sobre a desistência da obra do centro. A instituição apenas respondeu sobre o distrato da construção.

Os 11.435 laudos que não saíram são complementares a exames de necropsia e serviriam para comprovar, por exemplo, se pessoas foram envenenadas, se um motorista envolvido em um acidente de trânsito ingeriu álcool ou drogas e se houve algum tipo de abuso sexual.

Desde agosto do ano passado, o número vem crescendo ainda mais por conta do fechamento do Laboratório de Toxicologia para reforma. O espaço fica no 3º andar do IML da Avenida Francisco Bicalho. Para não parar totalmente, peritos estão trabalhando em uma sala improvisada. No mesmo local estão sendo feitos exames de toxicologia e patologia.

“Improvisaram um espaço com equipamentos, e os laudos estão sendo feitos sob demanda específicas. Exemplo: caso que a mídia está em cima ou algum laudo que a Justiça determina sob pena de multa. O resto [dos exames] está sendo tocado devagar, já que a demanda é antiga”, conta um perito.

O Laboratório Toxicológico do IML do Centro é o único do estado e recebe amostras dos 19 postos de Polícia Técnico-Científica do Rio, além da própria sede.

Equipamento quebrado

Apenas um instrumento de cromatografia gasosa — responsável pelas análises — está em funcionamento. Um segundo está inoperante há alguns meses, segundo peritos do local.

De acordo com peritos, o equipamento com defeito é considerado prioritário, e sua inoperância vem causando grande prejuízo ao trabalho dos especialistas, com problemas no acondicionamento de amostras e ainda mais atraso no trabalho pericial.

Segundo peritos e legistas do IML, houve uma reunião, e policiais da Corregedoria Interna da instituição chegaram a sugerir que eles procurassem as delegacias responsáveis por pedidos feitos há muito tempo, para saber se um determinado exame seria necessário “para que não se gastasse material à toa” em laudos que serão inconclusivos por conta do tempo.

Caso na Justiça

A demora foi parar na Justiça. Segundo o jornal “O Globo”, uma mulher, cujo marido morreu em maio de 2022 com suspeitas de envenenamento, entrou com um processo na 14ª Vara de Fazenda Pública do Rio, em dezembro do ano passado, para que a Polícia Civil fosse obrigada a fazer o exame toxicológico nas vísceras e no sangue do homem.

Na ação, a mulher sustentou que o laudo de necropsia apontava a causa da morte como inconclusiva, dependendo do exame toxicológico. Segundo ela, a situação vinha causando diversos transtornos à família, que não conseguia fazer a partilha de bens e a liberação do seguro de vida.

No dia 19 de dezembro, a viúva conseguiu uma liminar determinando que o exame fosse feito. Mesmo intimada, a Polícia Civil não cumpriu a decisão e informou à Justiça que o local passava por obras.

Em fevereiro, a juíza Neusa Regina Larsen de Alvarenga Leite deu sentença no processo, confirmando a liminar e determinando a realização do exame toxicológico, com multa de R$ 1 mil por dia de descumprimento.

Com a nova decisão, a análise foi enfim feita pela Polícia Civil.

Devolução de R$ 7 milhões ao governo federal

No começo do ano, o secretário da Polícia Civil, o delegado Fernando Antônio Paes de Andrade Albuquerque, devolveu ao governo federal quase R$ 7 milhões que seriam usados para construir o Centro de Estudos e Pesquisas Forenses (CEPF), planejado para ficar a poucos metros do IML.

O CEPF ajudaria, por exemplo, em investigações de inquéritos que envolvem envenenamentos, como o caso da cuidadora de idosos Lindaci Viegas.

Em nota, a Polícia Civil confirma a devolução do montante e alegou que “o projeto elaborado pela gestão anterior do então Departamento-Geral de Polícia Técnico Científica não atendia a alguns critérios técnicos, com salas de aulas pequenas e pouco funcionais para pesquisas e treinamentos, que seriam os objetivos principais do centro de estudos”.

No distrato, o secretário da Polícia Civil informou que o estado não tinha mais interesse no centro de estudos. A devolução do montante foi feita no dia 4 de janeiro.

O projeto do CEPF é datado de 2020, ainda na gestão de Marcus Vinícius de Almeida Braga. Naquele ano, o então secretário da instituição foi até Brasília e propôs ao então ministro da Justiça e Segurança Pública, o ex-juiz federal e hoje senador Sergio Moro, a criação do centro de pesquisas.

No mesmo ano, o governo federal liberou o montante através de uma emenda da Secretaria Nacional de Segurança Pública.

De acordo com o projeto, o CEPF daria diretrizes e capacitaria a Polícia Técnico-Cientifica do estado. As obras deveriam começar em julho de 2022 e ficar prontas em junho deste ano. No entanto, o projeto não chegou a sair do papel.

Cinco meses antes da data para a entrega da obra, Albuquerque devolveu o dinheiro a uma conta da Caixa Econômica Federal.

Em nota, o governo do estado informou que a devolução foi realizada por não haver mais a necessidade e interesse público na construção do centro de estudos pois “as reformas em andamento na Academia Estadual de Polícia Sylvio Terra e nos Instituto de Polícia Técnico-Cientifica terão as suas estruturas adequadas a atender o escopo pretendido naquela contratação”.

Por Rafael Nascimento, g1 Rio

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