“HOMENS PÚBLICOS COMO TANCREDO NÃO SE IMPROVISAM”, DIZ AÉCIO NEVES

Neto do presidente eleito em 15 de janeiro de 1985, deputado federal enfatiza a importância da vitória do avô para o resgate da democracia

Neto de Tancredo Neves, presidente eleito em 15 de janeiro de 1985, pelo Colégio Eleitoral, que daria um fim ao período do regime militar, o deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG) lembra, com o olhar voltado para o futuro, dos momentos em que o avô negociou a formação do acordo que ajudou na retomada da democracia brasileira.

Em entrevista ao Correio, o parlamentar faz um paralelo com o momento atual e é direto ao se referir à necessidade de diálogo para construção de alternativas. “O quadro partidário se pulverizou muito, mas é preciso engrossar essa avenida do centro em homenagem aos nossos fundadores e àqueles que trabalharam pela democracia”, diz Aécio, referindo-se a nomes do então PMDB, como o próprio Tancredo, Franco Montoro, Ulysses Guimarães, e com um recado claro ao partido de Luiz Inácio Lula da Silva: “Tancredo procurou o PT para que se aliasse ao grupo que trabalhava para enterrar a ditadura militar. O PT não quis. Temia que Tancredo e o MDB ocupassem o espaço”, afirma.

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Naqueles dias incertos da transição democrática, quando Tancredo, eleito, passou a montar a sua equipe, o tucano lembra que, “se não fosse a insistência do avô em assinar a nomeação dos ministros na véspera da posse, quando já estava acamado, com dores no abdômen, talvez não fosse possível o país respirar ares mais democráticos”.

Foi Aécio, assessor de Tancredo, então com 25 anos, quem levou os papéis das nomeações para o avô assinar na véspera da posse, em 14 de março.

Candidato derrotado em 2014, Aécio afirma ainda que não pretende concorrer novamente à Presidência da República e garante que vai trabalhar para construir um projeto de centro para o Brasil, mas evita falar em nomes alternativos ao bolsonarismo ou ao lulismo nas próximas eleições. “Há uma avenida grande para o centro”, frisa. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Nesta quarta-feira se completam os 40 anos da eleição de Tancredo Neves. Que lições essa data deixou em termos de articulação política, para um país que hoje está tão polarizado?

Eu começo dizendo que homens públicos como Tancredo não se improvisam. Eles são forjados nas suas convicções, na defesa intransigente daquilo que acreditam. E digo isso para afirmar que a democracia que nós respiramos hoje no Brasil é fruto da grandeza de uma geração de homens públicos, simbolizada pelo presidente Tancredo, mas que teve figuras extraordinárias, como Ulysses Guimarães, Juscelino Kubitschek e ainda Getúlio Vargas, que foram gigantes e permitiram que algumas gerações de brasileiros compreendessem a relevância da política e, a partir dela, a da democracia. Falo isso porque, de uns tempos para cá, a política se deteriorou imensamente. Hoje a política passou a ser uma guerra insana pelo poder com uma desqualificação crescente dos seus protagonistas. Então, voltar há 40 anos é mais do que relembrar o momento da ruptura do regime autoritário, mas é uma oportunidade de nos recordarmos e, quem sabe, nos inspirarmos num tempo em que a política era feita de causas e objetivos maiores do que a briga pelo poder. Acredito que esse é o grande legado, não apenas do presidente Tancredo, mas daquela geração de homens públicos que acreditavam que política é servir à pátria e não servir-se dela, como estamos assistindo acontecer de forma corriqueira nas últimas décadas.


Naquela época, foi difícil o início do diálogo entre o PDS, que acabou virando o PFL, e as forças mais democráticas que apostaram desde o começo em Tancredo Neves. O senhor tem alguma memória mais apurada daquele diálogo, a importância de José Sarney, por exemplo?

Eu me lembro de vários episódios, já trabalhava com o Tancredo naquela época. Em 1982, Tancredo havia sido eleito o governador de Minas Gerais, e existia a agenda das eleições diretas, que acabou por ser derrotada em 1984, e começou a ver uma movimentação em torno do governador Tancredo Neves. Houve toda aquela movimentação das Diretas, viajamos o Brasil inteiro. Foi um momento de integração da política com a sociedade, virou uma coisa só, então não era apenas os políticos conduzindo o processo político, era a sociedade, os intelectuais, os artistas, as pessoas comuns indo pra rua.

Houve vários comícios…
Os comícios das Diretas foram fundamentais para esse 15 de janeiro de 1985, porque colocou as pessoas nas ruas, começaram a perceber que tinham força, e não apenas as pessoas do próprio regime. Não tenho dúvida de que, ao ver aquelas manifestações — algumas com 1 milhão de pessoas como na Praça da Sé, na Cinelândia, na Candelária e em tantos outros locais pelo Brasil —, o regime compreendia que o povo estava saindo da toca, estava, na verdade, compreendendo o seu tamanho.

Mas as Diretas foram derrotadas.

Em abril de 1984, as Diretas são derrotadas no Congresso, e começa um movimento em torno do presidente Tancredo. Ele dizia que, se nossas eleições fossem diretas, o nosso candidato seria Ulisses. Isso antes da derrota das Diretas. E, depois, continuou um movimento em torno dele, lideranças importantes começaram a ir a Minas Gerais. Algumas, inclusive, dissidentes já do PDS na época, dizendo que o Tancredo deveria renunciar ao governo de Minas. E ele já tinha perdido a eleição para o governo em 1960, portanto era para ele uma conquista pessoal, um objetivo muito relevante governar em Minas. Queriam que, com um ano, ele renunciasse. Foram várias as caravanas de lideranças lá dizendo a ele que haveria uma dissidência do PDS.

Qual foi a reação dele?
Nesse momento, ele disse uma frase que eu guardo muito: “A nossa vida é feita de riscos, mas não deve ser de aventuras. Para correr riscos, conte comigo. Para uma aventura, não”. O que ele quis dizer com isso: voltem e tragam essa dissidência formalizada. Foi exatamente ali que nasce o PFL, com Marco Maciel à frente, o próprio Sarney. Construindo essa dissidência, voltam a Minas Gerais, já com a formalização da frente liberal, aquilo que não era seguro, mas já não era mais uma aventura, era um risco. Porque aí seria mais uma marcação de posição, porque ele teria que renunciar ao governo de Minas e poderia perder a eleição no Colégio Eleitoral. Quando a frente liberal se constitui, segundo a sua própria definição, a aventura vira um risco, e risco, segundo ele, nós temos que correr.

Aécio com o avô, Tancredo Neves(foto: Cidadão de Minas Flickr)

O que aconteceu?
Ele deixa o governo de Minas e passa a rodar o país repetindo uma das grandes manifestações das Diretas, porque, para ele, era fundamental que aquela eleição no Colégio Eleitoral tivesse uma solidez política muito forte, que só quem daria eram as ruas. Até depois da eleição, ainda existiam movimentações, poderia haver um retrocesso, uma radicalização, endurecimento do regime, então, o que ele contava, fundamentalmente, era com a força popular, a força das urnas. Eu morava com ele no apartamento da 206 Sul, em Brasília, e me lembro que ele ainda tinha muita apreensão em relação ao período entre a eleição e a posse, que só ocorreria em 15 de março. Tínhamos ali dois meses ainda. Ele programou uma viagem ao exterior, às principais democracias do mundo, para buscar o respaldo dessas democracias ao fim do ciclo autoritário no Brasil. Ele foi aos Estados Unidos, fomos à França, à Itália e visitamos lideranças que ele considerava democráticas importantes para dizer: o Brasil teve uma lição, virou a página, mas é preciso estarmos muito atentos até o dia da posse. Quando nós retornamos dessa viagem, que foi o primeiro momento democrático, foi o grande momento presidencial do Tancredo e um grande momento democrático do Brasil depois de mais de 20 anos.

Que outro episódio fica para a história?
Foi o dia 14 de março, véspera da posse. Fomos àquela igreja Dom Bosco, e ele já estava sentindo muitas dores. Voltamos para a Granja do Riacho Fundo, onde estávamos hospedados, e eu comecei a buscar os médicos. Tinha uma dificuldade enorme de encontrar os médicos que estavam monitorando Tancredo há uns 15 dias, mas sempre dizendo que a preocupação era tomar posse, que não havia nenhuma razão, nenhuma possibilidade, fresta, para endurecimento do regime. E eu me lembro que o Castelo Branco seria o chefe da Casa Civil. Chegou lá na Granja com os atos ministeriais, que seriam publicados como ministérios dele no dia seguinte, e ele já estava na cama com muitas dores. Estava aguardando os médicos para ver que provisão nós íamos tomar, tinha até um avião preparado para levá-lo para São Paulo, mas os médicos se negaram a entrar no avião. O Pinheiro da Rocha, principalmente. Então falei: “Olha, o Zé está aí, me disseram, mas vou mandar embora. Amanhã a gente vê isso enquanto espera os médicos chegarem” e ele falou “traga os atos”.

O que ocorreu depois?
O último gesto dele foi assinar os atos de nomeação dos ministros, e eu peguei esses atos, dessas assinaturas dele na cama. O Castelo Branco ficou esperando na sala. Ele assinou cada um, devolve e falando: “Mande publicar amanhã, independente do que ocorrer comigo, porque, com isso, a transição está consolidada”. E quando a notícia de que o Tancredo não tomaria posse na manhã do dia 15 circulou, o Hospital de Base foi invadido. A sala de Tancredo, onde ele fez a cirurgia, tinha umas 30 pessoas curiosas entrando e saindo, como se fosse uma repartição pública, foi uma coisa vergonhosa. E nós não sabíamos, estávamos em uma sala, no quarto, aguardando. Aquele hospital estava totalmente despreparado para receber o Tancredo e os médicos. Tanto que deu no que deu. Mas o fato de ele ter assinado os atos e eles terem sido publicados, impediu que, não digo que fosse um consenso entre as Forças Armadas, talvez fosse uma parcela minoritária, ela tentasse voltar ao Ministério da Guerra naquela manhã.

Como foi o episódio com Sylvio Frota?
Sylvio Frota Frota quis entrar no Ministério do Exército e que o ministro Walter Pires voltasse, e foi quando o ministro Leitão de Abreu disse: “Olha, ele já não é mais ministro, o ministro é o general Leônidas”. Então aquele gesto, mesmo no momento de muita dor em angústia, horas antes de tomar posse, foi essencial para que não houvesse um vácuo de poder que possibilitasse que os mais radicais, inconformados ainda com a redemocratização, tentasse algum ato de desespero extremo. Ele amanheceu no hospital, mas no dia 15 o Brasil tinha um novo ministro do Exército. Quando surgiu o impasse de quem tomava posse, se era Ulysses ou Sarney, que o general Leônidas chegou no hospital com o Ulysses junto e disse que o presidente Sarney foi eleito vice-presidente da República, quem toma posse é o presidente Sarney. E ele com autoridade de ministro da Guerra. Se ele não fosse nada naquela hora, será que essa interpretação também valeria? E será que a posse, como alguns do MDB defendiam, teria que ser o Ulysses porque ele era o presidente da Câmara não geraria mais um tumulto naquele momento? Mas a frustração, agora, é outra, é ver que a democracia muito menos do que um instrumento para uma transformação de país ,ao longo do tempo, vem se transformando numa briga rasa, odiosa, radical pelo poder entre entre os extremos e era tudo que o Tancredo negava. Ele era do entendimento, conciliação e também dá coragem.

Voltando à eleição, o PT foi contra na época, e quem votou a favor foi expulso. Como analise isso com o olhar de hoje?

Sempre fui muito crítico dessas posturas do PT historicamente, porque o PT se manifesta sempre a favor da democracia quando ela lhe é conveniente, seja aqui ou fora daqui. Quando os aliados não prezam a democracia nos seus países, mas são aliados, a democracia passa a ser secundária. Temos um exemplo dessa semana vergonhosa, com o Brasil endossando a posse do presidente Nicolás Maduro. O PT sempre teve a democracia como algo que lhe servisse. Foi assim na Constituição de 1988. Eu estava lá. O líder do PT na Câmara chamava-se Luiz Inácio Lula da Silva e ele se encaminhou na tribuna contra a votação do texto final da Constituição. O PT votou contra o texto final da Constituição. Na eleição do Tancredo, me lembro que, na época, Bete Mendes, Airton Soares, se não me engano, José Hildes, que votaram a favor, foram simplesmente expulsos do PT, porque para o PT, entre o PT e o Brasil, sempre vai vir o PT. O PT sempre esteve em primeiro lugar. Eleitoralmente, eles achavam que aquela Constituição tinha marca de Ulysses e poderia, de alguma forma, em tese, fortalecer o MDB. Para eles, isso era mais relevante do que a concessão que possibilitou que em pouco menos de 40 anos o Brasil superasse todas essas crises: dois impeachment, tentativa de golpe. E se não fosse essa Constituição, que o PT se negou a provar — porque teve essa história que se negou a assinar, mas, no final, foram lá de forma envergonhada e assinaram. Mas o mais grave para mim, porque talvez eu estava no plenário, foi, depois de uma Constituição elaborada com tanto consenso, com tantas participações, o PT simplesmente votou contra. Se dependesse do PT, o Brasil não teria essa Constituição e, provavelmente, não teria superado essas crises como superou. E, antes disso, não teria eleição do Tancredo, provavelmente não teria interrompido o regime autoritário ali. Então, esse é o DNA, em que muitas vezes o discurso colide com a prática.


Acredita que o PT mudou?
Acho o PT envelhecido, vive algumas metamorfoses Hoje, aceita, com muito mais passividade, essa transição para a centro-esquerda, até para o centro. Essas alianças que, lá atrás, ele abominava. O PT que negou o Tancredo, alguma transformação deve ter havido. E talvez não por convicção, mas por pragmatismo, por sobrevivência. Talvez não por idealismo, por responsabilidade cívica, mas por conveniência. O PT que no momento em que a ditadura resistia e disputava contra o Tancredo, que era o símbolo da democracia, optou por expulsar os que votaram em Tancredo, é o mesmo PT que hoje governa com parte das forças mais retrógradas, mais conservadoras do país sem qualquer constrangimento. Porque novamente o que fala alto é o poder. Manutenção do poder não é escrúpulos. E, naquela época, na eleição do Tancredo, eles temiam que o PT se fragilizasse com a eleição de alguém do MDB. Talvez preferissem serem eles os antagonistas da ditadura, mesmo que ela prevalecesse por mais algum tempo no país.

Tancredo Neves durante votação do Colégio Eleitoral(foto: Cece/CB/D.A Press)

Houve outros episódios?
Se quiser, tem outros. O Plano Real, algo mais relevante no ponto de vista econômico do Brasil. O PT ficou contra porque não interessava fortalecer a política do Fernando Henrique Cardoso, que foi a consequência do Plano Real. Claro que não tenho problema que as pessoas mudem, os tempos também mudam, o quadro partidário também se pulverizou muito. Mas vamos pensar nas questões históricas de dimensão nacional. Pelo menos para mim, as referências maiores que ficam são essas. Porque eu me lembro do esforço que o presidente Tancredo fez para ter um voto do PT, as conversas longas sobre o Brasil: “É um processo, um governo transitório. Nós temos que virar a página do autoritarismo e temos a certeza de que essa é a última reunião do Colégio Eleitoral na história do Brasil”. Mas nem isso convenceu o PT, porque é a lógica deles era: se for o Tancredo, vão ocupar o nosso espaço. Era essa a perversa lógica que, naquela época, pelo menos, orientava as decisões do PT. Para fazer justiça aqui, acho que o Lula faz, até em determinado momento, uma mea culpa em relação à eleição do Tancredo, um pouco envergonhada, mas fez.

Como estão as conversas sobre a fusão do PSDB e do MDB, já que a raiz é a mesma dos dois partidos, o PMDB?

O MDB era uma grande frente no Brasil que reunia comunistas, ortodoxos, radicais e democratas de pensamento liberal. Mas aquilo se justificava porque era a forma de conseguir ter força para vencer o regime autoritário. Não conseguimos pela via das eleições diretas, mas conseguimos pela via do Colégio Eleitoral. Mas até o final a gente chegou ao meu resultado, que é que de lá pra cá estamos elegendo, bem ou mal, às vezes mais mal do que bem, mas nós estamos elegendo os nossos governantes. Vem um segundo momento, já próximo da Constituinte, em que acreditávamos, eu era ali um calouro, mas eu me enfiei logo de início a essa corrente liderada pelo Mário Covas, Montoro, Fernando Henrique, que defendeu o parlamentarismo como um sistema de governo, mais avançado, mais imune a crises. E a formação do PSDB, em 1988, começa com essas discussões, porque teve um plebiscito, logo na sequência. Com a tese do Parlamentarismo, e obviamente também com uma divergência de posições, até mesmo de valores de algumas lideranças desse campo como essas que citei de São Paulo, isso levou à constituição de um novo partido, o Partido Social Democrata, que tinha no seu programa — era a primeira vez que partido político no Brasil trazia isso — a defesa do sistema de governo parlamentarista. E claro que depois outras teses foram desenvolvidas, mas o PSDB nasce com um partido para defender o parlamentarismo e, com isso, ele se desprende do MDB, muito rapidamente, pelo êxito do Plano Real, e ganhar musculatura política que ele nem tinha. Isso faz do PSDB um partido relevante na história do Brasil, no início do processo de privatizações. O PSDB, bem ou mal, goste ou não, ainda tem um projeto para o Brasil. E lá atrás, foi o nosso grande momento. Apesar da derrota do parlamentarismo, Fernando Henrique teve a possibilidade de ser reeleito.

Qual é a sua avaliação do quadro atual?
De lá para cá, aconteceram muitas coisas. Primeiro, foi a pulverização do quadro partidário. A partir de 2006, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a cláusula de barreira, um erro crasso que custou muito caro ao Brasil, porque, de lá para cá, nós começamos a ter a criação sucessiva de — não dá nem para chamar de partido — legendas. O Brasil passou a ter mais de 30 partidos sem defesa clara de qualquer tipo de posicionamento. Isso somado a equívocos gravíssimos, entre eles e, para mim, a demonização da política e, ao final, chegamos a 2018 com o fortalecimento dos extremos, que se repetem em 2022. E, nesse momento, o PSDB é impedido de lançar uma candidatura à Presidência da República, mesmo que não fosse por chances reais de vitória, pelo menos manteria o partido com a presença mais forte no Congresso. E tudo isso para privilegiar o projeto regional, que era o projeto de São Paulo. Então, o PSDB, que foi um partido que desde o seu nascedouro tinha um projeto de país, acaba abdicando disso para construir um projeto egocêntrico em torno do do ex-governador de São Paulo e depois para eleger o seu vice, que sequer no PSDB está hoje, nenhum deles está hoje. Meu partido se fragilizou muito. Agora, esse movimento que nós vamos assistir este ano, de alianças, fusões, federações, não vai ocorrer com o PSDB apenas, é um processo que vai atingir vários partidos para que atendam à determinação da legislação. Inclusive, a minha PEC da causa e do desempenho, pelo fim das coligações proporcionais, apresentei no Senado quando era senador ainda e depois foi aprovada na Câmara. Depois, criou-se a Federação, teve alguns ajustes, mas essa PEC exige um piso crescente de votos, vai chegar a 3% dos votos válidos em 2030 para os partidos terem funcionamento parlamentar. Isso significa que vários desses partidos que estão ali nessa ainda margem de risco vão ter que se movimentar.

E de quem é a responsabilidade?

O PSDB tem a responsabilidade, agora eu vou falar objetivamente, o meu pensamento, vão ter que se movimentar, sim. Agora, pelo menos, eu não trabalharia ao contrário, trabalharei para não permitir que o PSDB seja cooptado para virarmos a contabilidade de quem quer que seja. As alianças são relevantes, admito que com o próprio MDB nós temos tido conversas institucionais, mas uma aliança que permita fortalecimento de um projeto de centro no Brasil. Essa última eleição de 2024 mostra que os extremos não se fortaleceram. Tanto a extrema direita quanto o PT, quando estavam solos, se fragilizaram. Eles ganham quando vêm buscar alianças mais ao centro. Acho que temos um sinal claro, de uma ampliação de uma avenida ao centro, e o PSDB tem que estar disposto a construir uma aliança que dê musculatura a esse caminho. Seja protagonizado, ou não, pelo PSDB, isso o tempo vai dizer. Mas sucumbir a um projeto porque ele dá tempo de televisão, de tela, sobretudo de partidos com uma lógica muito diferente da nossa, porque a do PSDB é de construir um projeto de país. Por isso que nós somos praticamente o único partido que não participou do governo Bolsonaro nem do PT. Você simplesmente vai participar de qualquer governo, que seja porque isso dá força eleitoral, faz deputados e depois engorda o fundo? Eu, pelo menos, enquanto eu tiver o mínimo de condição política, não vou permitir que ocorra. Vamos fazer entendimento. Podemos fazer fusão com partidos políticos, mas que estejam dispostos a desapegar de cargos, dessas vantagens, desse imediatismo da política para ajudar a engrossar essa avenida ao centro que é o que o Brasil mais precisa. E vamos fazer isso em homenagem à história do partido, aos nossos fundadores e ao próprio Tancredo, que, lá atrás, buscava para o Brasil o projeto de equilíbrio, sem rancor, sem ódio, sem radicalismos.

Como assim?
Precisamos de uma candidatura própria à Presidência da República com projeto, não necessariamente do PSDB, mas um projeto novo ao centro. Acho que a gente tem obrigação de dar ao brasileiro a oportunidade de parar de votar não, porque hoje metade do Brasil vota não porque metade vota no PT por tempo e porque tem horror ao Bolsonaro, e no Bolsonaro porque tem horror do PT. Eu estou tirando os convictos, tá? Uma pesquisa mostra, de forma muito clara, que eu quero ajudar a resgatar esse eleitorado de quase 50%. Desde a vitória de Fernando Henrique Cardoso, teve uma chance comigo em 2014, para um projeto ao centro. Eu acredito que os partidos possam estar dispostos a isso, mas as nossas conversas são muito amplas. Se alguém quiser individualmente, é um direito, sobretudo aqueles que têm mandato majoritário, mas o PSDB, do que depender de mim, só vai para construção de um projeto ao centro, por isso eu tenho estimulado. A hora que isso ocorrer, em que houver um pouco mais de consistência na construção ao centro, eu não me surpreenderia com o conjunto grande de lideranças e de forças políticas do Brasil inteiro que vão querer se somar a esse projeto.

O senhor pensa em voltar em uma candidatura presidencial?

Eu já tive a minha oportunidade lá atrás. O que me move hoje na política é ajudar a construir — mesmo que lá na frente não dê certo — esse caminho ao centro. Eu vou estar dedicado a ter todas essas conversas porque eu acho que o PSDB ainda é uma força política, por mais que possa ter um número menor de deputados. Primeiro, acho que o PSDB, pela sua história, não pode ser quantificado, mensurado, medido pelo número de deputados e governadores. E, sim pelo o que representa, pelo que já fez, mas não só isso. Eu acho que nós somos ainda uma chama que pode estar um pouco baqueada, com o vento tentando apagar, mas nós chamamos o centro. Quem sabe? Essa história com o MDB não me desagrada porque ela tem um simbolismo também relevante. Nos separamos lá atrás por razões muito objetivas, por disputa do parlamentarismo. O PMDB vai poder dizer que se aliou ao PT na defesa da democracia, e agora para um projeto novo de país, vamos encontrar o caminho da democracia sob a inspiração de Tancredo e Ulysses. E, sobre o PSD, eu me dou muito bem com Kassab, respeito a lógica dele. Mas acho que nós temos uma diferença de visão política, porque o PSDB luta para participar de um projeto para construir um projeto de país que nós acreditamos. E o PSD fica muito confortável em participar de qualquer um deles. Lógica dele, está certo, foi o partido que mais cresceu. Mas esqueceu que foi apoiando o Bolsonaro, apoiando o petismo, eu fico pensando: é isso o que nós queremos? Eu não me sinto confortável, a partir de um projeto que eu não vejo coragem de correr riscos. E, de volta ao Tancredo, na nossa atividade, ela pressupõe correr riscos. Ficar fora de um governo, por que não? Diminuir o fundo eleitoral, por que não? Se a sua tese, suas convicções continuam sólidas? Então, eu vou estar estimulando, compreendo que existem figuras importantes no PSDB que podem querer buscar outro caminho, mas eu vou estar sempre cobrando isso: Eu não fecho as portas para ninguém, para nenhum partido, mas eu quero saber o que esse partido vai propor para o Brasil. Se a lógica for só essa: cargos de governo, fundo eleitoral, tempo de televisão, se esses forem os argumentos, eu posso ficar sozinho, mas eu estou fora.

O senhor acha que ainda tem espaço para o parlamentarismo no Brasil?

Isso depende do plebiscito, e a sedução do discurso do presidencialismo é muito grande. Porque é muito simples: “Olha aqui, você escolhe o presidente, e no parlamentarismo os deputados vão escolher quem vai mandar”. Isso é um argumento muito forte numa campanha pública, mesmo que a gente saiba que não seja isso. Eu só acredito na possibilidade de restabelecer a discussão sobre o parlamentarismo, que eu continuo acreditando ser o melhor neste tempo político para qualquer país, porque ele fragiliza as crises, permite instrumentos de superação das crises com muito mais rapidez. Mas nós vamos trazer essa discussão para valer quando nós reduzimos fortemente o número de partidos políticos e tivemos partidos que representam os segmentos do pensamento, e não do interesse e dos negócios. Acho que, se no Brasil amanhã conseguirmos um processo natural e reduzirmos em seis ou oito partidos políticos, essa discussão, de alguma forma, pode voltar a ocorrer, porque as pessoas têm que olhar para o Congresso e enxergar nele alguma coisa confiável, que compreenda qual o papel de cada força política no Congresso. Mas claro que essa deterioração da representação política, com esses YouTubers, com essa turma dos likes, cada vez ocupando mais espaço, e boa parte, desqualificando a representação política, joga contra essa discussão.

Por Denise Rothenburg, Eduarda Esposito  e Rosana Hessel – Correio Braziliense

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