FORÇA DO PL NA CÂMARA É DESAFIO PARA O GOVERNO

As cinco comissões da Casa comandadas pelo partido de Bolsonaro terão R$ 4,8 bilhões dos R$ 7,7 bilhões em emendas destinadas aos colegiados. O maior valor ficará com o da Saúde, R$ 3,8 bi, o que exigirá de Gleisi Hoffmann poder de articulação para negociar liberações

Apesar de a aprovação do Orçamento ter sido comemorada pelo governo, a peça trouxe novas cobranças do Congresso pela liberação de emendas parlamentares e empoderou, na Câmara, o principal partido de oposição: o PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro. A sigla terá o maior montante em emendas de comissão na Casa. Do total de R$ 7,7 bilhões para colegiados da Câmara, R$ 4,8 bilhões serão para os comandados pela sigla, que tem cinco deles, incluindo o de Saúde, um dos mais cobiçados, com o maior volume de emendas: R$ 3,8 bilhões.

Pela regra da proporcionalidade, o PL, com o maior número de deputados da Câmara (92), já teria direito a parte considerável das emendas de comissão, já que tem prioridade na hora de indicar os presidentes. O contraste com o montante controlado pelo PT, no entanto, é evidente.

O partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a comandar três comissões, que terão, ao todo, R$ 87,5 milhões em emendas em 2025, o que representa apenas uma fração dos valores do principal adversário.

Ciente do seu poder de influência na pauta do Congresso, o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), chegou a dizer, durante a votação do Orçamento, na quinta-feira, que cogitou obstruir os trabalhos para pressionar o governo a liberar valores milionários em emendas aprovadas no ano passado e que ainda não foram pagas por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

No microfone, acusou o governo de não honrar com sua palavra e disse que aprovar a peça orçamentária sem que o Executivo liberasse o restante dos recursos de emendas do ano anterior era “assinar um cheque em branco”. Apesar de ele ser da oposição, a fala foi um reflexo do que deputados e senadores do Centrão, inclusive de partidos que compõem o governo, têm dito nos bastidores desde 2024. Parte dos parlamentares culpa o Executivo por não ser capaz de resolver o impasse com o ministro Flávio Dino, indicado por Lula para o Supremo.

Esse é o cenário que a nova ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, terá de resolver visando a reeleição de Lula em 2026. Além de acalmar as lideranças partidárias enquanto os recursos não forem liberados, ela precisará articular a rápida liberação das emendas quando o STF entender que o Congresso atendeu aos requisitos de transparência e rastreabilidade que exige desde o ano passado. Só assim será possível aprovar os projetos que, na análise do Planalto, vão melhorar a economia e servir de vitrine para a campanha eleitoral no próximo ano.

Retomada essa normalidade, Gleisi precisará contar com a expertise de seu antecessor, Alexandre Padilha, que agora comanda o Ministério da Saúde. A pasta tem um dos maiores orçamentos da Esplanada para este ano, com R$ 246 bilhões. Acostumado ao trâmite de liberação das emendas e à negociação com os líderes partidários, a atuação dele será essencial para acelerar o pagamento dos recursos.

Agradecimento

Pelo menos por ora, a relação da nova ministra com os principais líderes do Congresso vai bem. Prova disso foi a resposta que deu o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), às cobranças feitas por Sóstenes Cavalcante na quinta-feira. O senador disse que o governo entende a importância de os parlamentares apresentarem emendas e afirmou que Gleisi fez um excelente trabalho na articulação da aprovação do Orçamento.

Em entrevista nesta sexta-feira, Gleisi devolveu a gentileza e agradeceu ao senador, assim como ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), pela aprovação da peça orçamentária.

“Eu quero agradecer a colaboração do Congresso Nacional, do relator, dos presidentes das Casas, que ajudaram muito, com o governo, a construir essa peça orçamentária. Isso nos dá previsibilidade das despesas, das receitas, e faz com que os nossos programas, que são tão importantes para o Brasil, como o Vale-Gás, o Pé-de-Meia, o Minha Casa, Minha Vida, sejam executados”, ressaltou Gleisi à CNN.

Embora os esforços do governo sejam para pavimentar o caminho rumo à reeleição de Lula, a ministra destacou que seu foco agora é garantir a governabilidade do petista.

Comissões na mira

Na lista de comissões que terão valores bilionários para emendas na Câmara, estão também a de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, com R$ 1,2 bilhão, e a de Esporte, com R$ 1 bilhão. A Comissão de Turismo terá R$ 950 milhões; a de Desenvolvimento Urbano, R$ 550 milhões; e a de Agricultura, R$ 100 milhões.

No Senado, a Comissão de Assuntos Sociais é a que tem maior espaço para emendas: R$ 2 bilhões. Também há R$ 1,1 bilhão para a Comissão de Desenvolvimento Regional e R$ 700 milhões para a Comissão de Agricultura.

As emendas de comissão estão na mira do STF desde o ano passado. Em dezembro, líderes partidários da Câmara e do Senado tentaram fazer uma manobra para indicar, em nome das comissões, R$ 6,7 bilhões. O ministro Flávio Dino foi categórico ao dizer que os líderes partidários, por lei, não têm a prerrogativa de indicar valores que deveriam ser discutidos e destinados coletivamente nas comissões.

A brecha para esse tipo de indicação, no entanto, entrou no projeto de resolução aprovado pelo Congresso na semana passada. Em tese, o texto deveria consolidar o que foi acordado entre Legislativo, Executivo e Judiciário para aumentar a transparência das emendas e cumprir as exigências de Dino. Na prática, o texto mantém mecanismos que permitem ocultar os verdadeiros autores das emendas. Por isso, o ministro pediu explicações à Advocacia-Geral da União (AGU) e ao Congresso.

Para deputados do PSol e do Novo — que tentaram barrar a votação da resolução do Congresso por entender que os problemas de transparência não foram sanados —, o Legislativo não conseguirá dar uma resposta satisfatória para os questionamentos feitos.

 “Não tem como ser satisfatória a explicação. Inclusive, eles tentaram um enrolation lá no plenário no dia da votação do Congresso. O enrolation era o seguinte: o deputado que não assinar a solicitação do líder partidário pode fazer individualmente. Não estamos falando sobre o que pode, estamos falando do que é obrigação. Todas as indicações têm que ter uma identificação individualizada de quem está fazendo, não é se o deputado escolhe ou não fazer”, disse ao Correio o deputado Glauber Braga (Psol-RJ). O PSol foi um dos autores do pedido de explicações acatado por Dino.

Para Adriana Ventura (Novo-SP), o Supremo não pode chancelar a continuidade da ocultação dos valores por parlamentares. “Não dá para (o STF) chancelar a continuidade do eterno balcão de negócios que existe aqui dentro do Legislativo e do Executivo”, disse ao Correio.

“Lamentavelmente, as comissões temáticas, elas que são, na minha visão, unidades representativas, tanto em termos partidários de eleição, como em debates temáticos, que deveria ter profundidade em temas, está virando balcão também. A gente está vendo uso de comissões para uso inadequado de dinheiro público. Quando você vê destinação que não tem a ver com prioridade temática de educação, de saúde, mas virou agora a lambança do orçamento dentro da comissão, e os líderes partidários querem ter, inclusive, o poder de trocar presidente de comissão a bel-prazer. Isso é um absurdo”, avaliou.

Por Israel Medeiros  e Rafaela Gonçalves – CB

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