Festa literária terá início nesta quinta-feira
A 13ª edição da Festa Literária das Periferias (Flup) vai celebrar a oralidade ancestral que formou as diversas formas da cultura brasileira como a literatura e a música e ainda as periferias do mundo. O festival vai homenagear o escritor e fundador da Academia Brasileira de Letras (ABL), Machado de Assis, que nasceu e cresceu na Ladeira do Livramento, no Morro da Providência, no Rio de Janeiro, e Mãe Beata de Iemanjá, escritora e sacerdotisa de um sagrado sem bíblia, fundadora do terreiro de Candomblé Ilê Axé Omiojuarô, em Miguel Couto, na Baixada Fluminense.
Poetas de batalhas de poesia falada, conhecida como slam, artistas, escritores e escritoras vão participar, durante 9 dias, das atividades gratuitas de 12 a 15 e de 18 a 22 de outubro, na Vila Olímpica da Gamboa, Galpão da Ação da Cidadania e na Garagem Viação Regina’s, localizados ao redor do Morro da Providência, a primeira favela do mundo, na região central do Rio de Janeiro.
A homenagem a Machado de Assis vai destacar que a origem do escritor é a primeira periferia do Rio de Janeiro. “Machado de Assis, maior escritor brasileiro, não é o bruxo do Cosme Velho. Machado de Assis é cria a Providência. É uma pessoa negra de origem periférica, que nasceu no entorno no Cais do Valongo, na então primeira periferia do Rio de Janeiro”, disse o diretor fundador da Flup Julio Ludemir, em entrevista à EBC.
Mãe Beata
Mãe Beata vai ser homenageada com o lançamento, na sexta-feira (13), da biografia Mãe do Mundo, escrita pelo ativista Jefferson Barbosa, responsável pela curadoria da apresentação do babalorixá Adaílton Moreira, filho de Mãe Beata e líder Ilê Axé Omiojuarô, que vai discutir a importância do livro com Jurema Werneck, Lúcia Xavier e o próprio autor, com mediação da jornalista Maju Coutinho.
A homenagem se estende à mesa de debates A Casa da Mãe Beata e a Construção de Políticas Públicas para a População Negra, com a participação de Doya Moreira Costa, Laremi Emiliano, Thula Pires e mediação de Eliana Alves Cruz.
Ainda como parte da homenagem à Mãe Beata, a Aldeia dos Caboclos promoverá durante 7 dias encontros de mães e pais de santo da região metropolitana do Rio de Janeiro para falar sobre suas experiências com os caboclos.
Com curadoria de Valter Macumba, a Aldeia dos Caboclos terá shows que vão do Tecnomacumba, de Rita Benneditto, à voz ancestral de Tia Nicinha, passando por apresentações dos 22 terreiros envolvidos nessa ação, que terá líderes espirituais como Mãe Meninazinha, Torodi, Janaína Lázaro e o próprio Babá Adailton.
Slam
Depois da primeira edição, na Bélgica, em 2022, a Flup leva para o Rio de Janeiro o II Campeonato Mundial de Poesia Slam (World Poetry Slam Championship, em inglês), que reunirá poetas de diferentes países dos cinco continentes, representando África do Sul, Níger, Gana, Guiné, Burkina Faso, Quênia, Nigéria, Moçambique, Costa do Marfim, Marrocos, Bélgica, Itália, Luxemburgo, Inglaterra, Espanha, Eslovênia, Chipre, Eslováquia, República Tcheca, Irlanda, Lituânia, Japão, Israel, Nova Zelândia, Austrália, Canadá, México, República Dominicana, Costa Rica, Haiti, Uruguai, Colômbia, Chile, Venezuela, Peru, Argentina e Brasil. O slammer Ocotta vai representar o Brasil. A carreira dele começou em um dos processos formativos da Flup, o Slam Colegial de 2017.
De acordo com Ocotta, no Brasil costuma-se falar muito sobre vivências e seu cotidiano, mas o assunto é livre e qualquer pessoa pode falar o que quiser. “O slam é o espaço de escuta para pessoa que não são escutadas. Dá voz para pessoas que não têm voz. Qualquer pessoa pode chegar em um slam e recitar uma poesia. Quando eu comecei a fazer slam tinha muita vontade de desenvolver uma arte, seja qual for, mas não tinha espaço para isso, e o slam foi o espaço que foi abeto para mim”, revelou.
As batalhas vão ocorrer em quatro línguas oficiais: português, espanhol, francês e inglês, com traduções simultâneas e intérpretes de libras. Todas as rodadas e a final serão transmitidas ao vivo pelo Youtube da Flup. Cada poeta tem 3 minutos e não pode usar objetos cênicos.
“Todos esses poemas terão a tradução projetada em um telão no fundo do palco para que a plateia possa entender a língua falada nas periferias globais”, informou o diretor fundador da Flup.
Além de sediar pela primeira vez uma competição mundial de Slam, a Flup 2023 terá de 18 a 22 de outubro as batalhas de poesia TransSlam Internacional, o II Slam Coalkan, primeiro slam indígena, o I Slam das Minas BR, o Slam de Cria e a IV Batalha de Rimas.
Na programação trans, o público vai poder ver a Batalha Vogue e o show de Linn da Quebrada. “Um grupo liderado pelo poeta e ativista Tom Grito organizará uma mesa para debater a transmasculinidade, e a própria Linn da Quebrada discutirá a oralidade como uma forma de defesa das mulheres trans com a atriz e performer Kika Sena, com mediação da deputada Dani Balbi. O TransSlam terá poetas trans de cinco países da América do Sul”, informann os organizadores.
Debates
A programação prevê ainda mesas de debates com presenças como a da escritora Conceição Evaristo; do lavrador, poeta e escritor Nêgo Bispo; do compositor e cantor Emicida; da ensaísta e dramaturga Leda Maria Martins; do rapper, escritor e cineasta MV Bill e do cantor e compositor Marcelo D2. Também nas mesas, a programação incluiu uma série de debates sobre os 20 anos das cotas na UERJ, que vão discutir os temas assédio e violência contra a mulher.
Shows
Já na programação musical haverá apresentações das cantoras Rita Benneditto, Leci Brandão, Teresa Cristina, Bia Ferreira, Linn da Quebrada, do rapper e compositor Xamã e da Orquestra Sinfônica Brasileira Jovem.
Hip-hop
O festival vai comemorar também os 50 anos do hip-hop no mundo e os 15 anos da chegada dos slams ao Brasil.
A banda afro-americana The Last Poets, considerada precursora do rap e influenciadora do cenário do hip-hop e do slam, com seu icônico e revolucionário repertório de spoken word music, é uma das atrações internacionais confirmadas na programação. Além da performance artística, os músicos participam de uma mesa de debates com o rapper, ator, cineasta e escritor MV Bill. No domingo (15), ele fecha a noite com um show.
“Celebrando os 50 anos do hip-hop no mundo, olhando o hip-hop como uma expressão da periferia mundial, e em nome dessa celebração a gente vai organizar a festa zoeira, que a partir da década de 90 projetou o hip-hop nacional e carioca com nomes como Marechal e D2, toda uma geração de rappers cariocas”, disse Ludemir.
Filme
Ainda na programação, haverá mesa de debate sobre o filme independente Slam, com a participação do músico, escritor e ator Saul Williams, protagonista do trabalho dirigido por Marc Levin, que foi escolhido como o melhor filme do Festival de Sundance, em 1998. Os dois vão contar como o filme contribuiu para os slams se espalharem pelo mundo. Na sexta-feira (13), Willians também fará uma performance poética e participará da mesa A Escola da Rua, com Emicida.
A programação do dia 20 reservou espaço para a discussão de uma pauta indígena, com a realização do II Slam Coalkan e a mesa Literatura indígena contemporânea, que tem como convidados Emil’ Keme aka Emilio del Valle Escalante, da Guatemala, e Graça Graúna, e mediação de Trudruá Dorrico. A mesa Poemas tatuados em nossas memórias, será mediada por Maryano e participações de Vanda Witoto e Xamã.
No último dia, a Flup vai ter um debate com Assa Traoré e o Cacique Marcos Xukuru. A ativista do ano da revista Times, de 2020, Assa Traoré se tornou uma das mais relevantes lideranças periféricas da França depois que a polícia francesa assassinou seu irmão Adama. O cacique Marcos Xukuru, também se tornou uma figura marcante após o assassinato do seu pai por pistoleiros, na década de 1990, em represália à sua luta pela demarcação das terras do povo Xukuru, na cidade de Pesqueira, no Agreste pernambucano.
O diretor fundador da Flup, Julio Ludemir, estima que, por causa das atrações, o festival vai receber cerca de 40 mil pessoas. “A gente está trabalhando muito concentradamente e com muito foco para entregar um grandíssimo festival literário cultural multimídia para o povo periférico brasileiro e do Rio de Janeiro. Normalmente quando se chega nesses lugares [periferia], chega com a violência, com o preconceito, com tiros, com acusações, e a gente está chegando com cultura, alegria e representatividade”.
Por Cristina Indio do Brasil – Agência Brasil