FIQUE DE OLHO

CAMINHOS PARA UMA EDUCAÇÃO ANTI-RACISTA

O racismo, no universo dos adultos, já causa danos profundos nas relações humanas, deixando feridas difíceis de cicatrizar. Mas o que acontece quando essas atitudes discriminatórias afetam crianças, ainda em formação, com uma visão de mundo em desenvolvimento? O impacto é igualmente devastador e, muitas vezes, invisível, pois as manifestações de racismo podem ser sutis ou abertas, mas o efeito sobre as crianças negras é real e persistente.

Em mais de 20 anos de observação em sala de aula, afirmo com convicção que a discriminação racial também está presente no ambiente escolar. As crianças negras enfrentam ofensas relacionadas à cor de sua pele, seja por palavras cruéis, apelidos pejorativos ou pelo isolamento social. A exclusão, muitas vezes, se dá de forma silenciosa: a criança negra é afastada das brincadeiras, dos grupos de trabalho, ou é forçada a aceitar uma posição submissa, em um mecanismo velado de discriminação.

E o que ocorre quando essas situações são “resolvidas”? Em muitos casos, elas são tratadas de maneira superficial, com as famosas “palavrinhas mágicas” que o sistema educacional costuma utilizar para acalmar as situações de conflito: “Peça desculpas ao seu colega. Ele pediu desculpas, agora você perdoa.” Contudo, esse tipo de abordagem não resolve a raiz do problema, pois a discriminação racial não é combatida adequadamente nas escolas. Quando a escola não enfrenta o racismo com a seriedade que o assunto exige, a rejeição das crianças negras persiste, seja nas interações sociais, nas brincadeiras ou até mesmo em atividades em grupo.

Muitos acreditam que as crianças pequenas não têm uma compreensão clara sobre as questões raciais e, por isso, não discriminam. No entanto, a realidade é diferente. As crianças, desde muito cedo, absorvem as atitudes dos adultos ao seu redor e reproduzem comportamentos discriminatórios. A prática de rejeição e isolamento social entre crianças negras em sala de aula é um reflexo de atitudes mais amplas da sociedade. O que é necessário, portanto, é uma abordagem educativa que valorize a diversidade e promova a igualdade racial desde a infância.

Para combater o racismo desde cedo, a escola deve se tornar um espaço de reflexão e conscientização. É fundamental que se ensine às crianças que as diferenças – sejam elas de cor, cultura ou necessidades especiais – são algo positivo e enriquecedor. Histórias como “Menina Bonita do Laço de Fita” e “O Patinho Feio” são ferramentas poderosas para trabalhar a autoestima e o respeito às diferenças. Além disso, a arte, a música e a dança, como o samba de roda e a capoeira, são formas de ensinar sobre a ancestralidade e a importância de valorizar a diversidade cultural.

Filmes e livros que retratam personagens de diferentes raças e etnias são indispensáveis para a construção de uma visão de mundo mais inclusiva e igualitária. Esses recursos ajudam as crianças a entender que a diversidade é uma riqueza e que todas as pessoas merecem ser tratadas com respeito e dignidade, independentemente de sua cor ou origem.

Contudo, a educação anti-racista não é uma responsabilidade apenas da escola. As famílias desempenham um papel fundamental nesse processo. É preciso que os pais falem abertamente sobre o racismo com seus filhos, ajudem a construir uma identidade sólida e reforcem a importância da igualdade de direitos e oportunidades. A parceria entre a família e a escola é essencial para que as crianças cresçam em um ambiente que promova a inclusão e a igualdade racial, tanto no contexto escolar quanto na sociedade em geral.

É fundamental que pais, educadores e toda a comunidade estejam unidos para enfrentar o racismo desde os primeiros anos de vida. O combate à discriminação racial não é apenas uma responsabilidade coletiva, mas também uma questão de justiça e respeito aos direitos humanos. Somente assim conseguiremos criar uma sociedade mais justa e igualitária, onde todas as crianças, independentemente de sua cor, tenham as mesmas oportunidades e sejam tratadas com o respeito que merecem.

Micheli Faria
Professora e incentivadora de leitura

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