Ao menos sete capitais registraram atos públicos para pedir a rejeição do texto que prevê que mulheres e crianças ao realizarem, até mesmo, o aborto legal como no caso de vítimas de estupro, possam ser condenadas a penas de até 20 anos
O fim de semana foi marcado por manifestações em todo o país contra o Projeto de Lei nº 1.904/2024, que equipara o aborto após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio. Cidades de todo país, entre ontem e sábado, como São Paulo, Belo Horizonte, Vitória, Palmas, Fortaleza, Natal e João Pessoa, registraram atos públicos pedindo a rejeição do texto.
Como o projeto prevê que mulheres e crianças ao realizarem, até mesmo, o aborto legal como no caso de vítimas de estupro, possam ser condenadas a penas de prisão de até 20 anos, enquanto esse crime sexual tem pena máxima de 10 anos, grupos contrários ao texto começaram a chamar a proposta de “PL do estuprador”. Com palavras de ordem como “Criança não é mãe e estuprador não é pai”, os manifestantes pediram a rejeição do projeto e criticaram o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pela aprovação da urgência para a tramitação do projeto na sessão da última quarta-feira.
Apesar dos protestos terem ocorrido em todo o país, foi São Paulo que registrou a maior concentração. Milhares de pessoas, convocadas por mais de 60 grupos envolvidos com os direitos da mulher, caminharam pela Avenida Paulista com a presença de políticos, ativistas e personalidades. Marcaram presença parlamentares federais, como os deputados Ivan Valente (PSol-SP) e Sâmia Bomfim (PSol-SP), que avaliaram a manifestação como positiva.
“As mulheres deram uma demonstração inequívoca de que não aceitam o atraso e o preconceito que o fundamentalismo religioso tenta impor. Dizemos não ao PL 1904 e ao autoritarismo de Arthur Lira!”, disse Valente no X (antigo Twitter) direcionando as críticas ao presidente do Congresso. Já Sâmia demonstrou confiança na derrota do PL. “A força do movimento feminista na rua vai derrotar esse projeto maldito”, escreveu a psolista no X.
Outro que entrou na polêmica durante o fim de semana foi o deputado federal André Janones (Avante-MG), que usou as redes sociais para propor a criminalização do “aborto paterno”. Segundo o parlamentar mineiro, esse “aborto paterno” acontece quando o homem abandona os filhos e a mãe, deixando a obrigação com os cuidados sob a responsabilidade exclusiva da mulher.
Ainda na semana passada, diante da repercussão negativa, Lira recuou e disse que o PL não tem data para ser votado no plenário da Câmara. Ao mesmo tempo, no Senado, o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) garantiu que, se a proposta for aprovada na Câmara, terá o ritmo normal na Casa, passando por todas as comissões.
Apesar do recuo no parlamento, o senador Eduardo Girão (Novo-CE), declaradamente contra o aborto, organizou para hoje uma sessão temática de debates no plenário da Casa onde quer discutir a assistolia fetal, método de realização do aborto recomendado como o mais seguro para a mulher pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em casos de gestações com mais de 22 semanas.
Com o debate sobre o projeto dominado pelas posições contrárias ao texto da proposta, o deputado e pastor da Assembleia de Deus, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), autor do projeto, resolveu mirar as críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “O presidente Lula não entende nada dos valores da defesa da vida. O que ele entende mesmo é de aborto”, disse Sóstenes, ontem, em uma rede social.
O parlamentar evangélico respondia a crítica de Lula ao projeto que chamou de “insanidade”, no sábado, na Itália, após a participação na Cúpula do G7 – grupo com as sete maiores economias do mundo. “Acho que é insanidade alguém querer punir uma mulher com uma pena maior que a do criminoso que fez o estupro. É, no mínimo, uma insanidade”, disse Lula.
Tema do G7
O tema do aborto também acabou causando polêmica na Itália na elaboração do comunicado conjunto final dos líderes do G7. No texto divulgado, qualquer menção, mesmo que indireta ao direito pelo aborto, foi suprimida por pressão da primeira-ministra italiana do campo da extrema direita, Giorgia Meloni
No comunicado final, diferentemente do divulgado para imprensa, foi retirado o trecho que falava do compromisso dos países em promover o direito ao “acesso ao aborto seguro e legal e aos cuidados pós-aborto”.
“Nos comprometemos a continuar a promover a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos abrangentes para todos e avançar em saúde materna, neonatal, infantil e adolescente, especialmente para aqueles em circunstâncias vulneráveis”, foi a redação final conjunta da cúpula na Itália
A redação final foi criticada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, que disse, segundo a agência Reuters, que foi a Itália que exigiu a supressão do texto da declaração final. “Não temos a mesma escolha. A França integrou na sua Constituição o direito de as mulheres de fazerem um aborto, a liberdade de fazerem o que quiserem com o seu corpo. A França partilha essa visão da igualdade entre homens e mulheres, mas não é uma visão partilhada por todos no espectro político”, disse Macron.
Por Henrique Lessa – CB