“Ninguém é proprietário exclusivo do dever de cuidar do meio ambiente”, escreve Anderson Sobral
Li, neste mesmo site Brasil 247, artigo crítico sobre recentes decisões proferidas nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 743, 746 e 857, julgadas procedentes pelo Supremo Tribunal Federal em Acórdão de março de 2024.
Lembro que as referidas ações foram propostas pelos seguintes partidos políticos: REDE Sustentabilidade (ADPF 743), Partido dos Trabalhadores – PT (ADPF 746), Partido Socialismo e Liberdade – PSOL e Partido Socialista Brasileiro – PSB (ADPF 857). Tais partidos pediram que o STF controle jurisdicionalmente políticas ambientais, notadamente as relativas a incêndios florestais.
Durante a sessão de julgamento em março de 2024, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que as políticas de proteção ambiental estavam em processo de retomada, razão pela qual o STF julgou procedente apenas parte dos pedidos, proferindo a seguinte decisão, que sugiro a leitura:
“1. O reconhecimento do estado de coisas inconstitucional é uma técnica que deve ser vista cum grano salis e com a devida preocupação de ser manuseada como um “soldado de reserva”, a ser convocado quando resta manifesta situação patológica de falência estrutural da política pública de proteção e efetivação de direitos fundamentais.
2. Houve evolução nas políticas públicas voltadas à proteção do meio ambiente, consubstanciadas na implementação de medidas de combate ao desmatamento ilegal, desde a implementação de ações de fiscalização ambiental, até operações contra o corte e a comercialização de madeira ilegal, contra a invasão, desmatamento e garimpo ilegal em terras indígenas, bem como o reforço de outras medidas atinentes à promoção do meio ambiente ecologicamente equilibrado da Amazônia e do Pantanal.
3. A despeito do esforço para retomada das políticas públicas de proteção ao meio ambiente, o reduzido tempo de implementação das novas medidas ainda não foi suficiente para alcançar a plena normalidade constitucional, mas se percebe processo de constitucionalização ainda em curso.
4. Tratando-se da concretização de política pública transversal, a proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado reclama a atuação coordenada de diversos órgãos e entidades da Administração Pública, na medida em que somente mediante atuação concertada de todo o Poder Público será alcançada a plena conformidade constitucional em matéria ambiental na Amazônia e Pantanal, inclusive com previsões orçamentárias e abertura de créditos extraordinários.
5. Julgamento conjunto das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental 743, 746 e 857.
6. Pedidos julgados parcialmente procedentes para determinar que: i) o Governo Federal apresente, no prazo de 90 dias, um plano de prevenção e combate aos incêndios no Pantanal e na Amazônia, que abarque medidas efetivas e concretas para controlar ou mitigar os incêndios e para prevenir que novas devastações. Referido plano deverá ser apresentado ao Conselho Nacional de Justiça, que centralizará as atividades de coordenação e supervisão das ações decorrentes da execução da presente decisão; ii) o Governo federal apresente plano de recuperação da capacidade operacional do Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais – PREVFOGO, a ser apresentado ao CNJ, também no prazo de 90 dias; iii) o Governo Federal e Estaduais divulguem detalhadamente os dados relacionados ao orçamento e à execução orçamentária das ações relacionadas à defesa do meio ambiente relativos aos anos de 2019 e 2020; iv) o Ibama e os Governos Estaduais, por meio de suas secretarias de meio ambiente ou afins, tornem públicos, em até 60 dias, os dados referentes às autorizações de supressão de vegetação e que a publicidade passe a ser, doravante, a regra de referidos dados; v) o Governo Federal, em articulação com os demais entes e entidades competentes, apresente, no prazo de 90 dias, a complementação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Legal – PPCDAm, com propostas de medidas concretas, para: a) processar, de acordo com cronograma e planejamento a serem desenhados pelos atores envolvidos, as informações prestadas até a presente data ao Cadastro Ambiental Rural e aprimorar o processamento de informações a serem coletadas no futuro, preferencialmente com o uso de análise dinamizada; e b) integrar os sistemas de monitoramento do desmatamento, de titularidade da propriedade fundiária e de autorização de supressão de vegetação, ampliando o controle automatizado do desmatamento ilegal e a aplicação de sanções; vi) o Governo Federal elabore relatórios semestrais sobre as ações e resultados das medidas adotadas na execução do PPCDAm, a serem disponibilizados publicamente em formato aberto; vii) o Observatório do Meio Ambiente do Poder Judiciário, integrante do CNJ, monitore os processos com grande impacto sobre o desmatamento, em conjunto com este Tribunal.”
Então, é verdade que ao Governo cabe governar a “pandemia de incêndios”, e é igualmente verdade configurar um absurdo desejar um STF omisso, ignorando a Constituição, a história do Brasil e os pedidos formulados legitimamente por quatro partidos políticos.
As causas que levaram ao ajuizamento das três ações são qualificadas como problemas estruturais, ou seja, situações de desconformidade de políticas públicas. A solução deste tipo de problema exige intervenção prospectiva do Poder Judiciário para proporcionar a reorganização do cenário institucional, no caso da política pública de proteção ambiental. Por isso que uma das técnicas para execução de sentenças e acórdãos proferidos em processuais estruturais é aquela denominada de decisões em cascata: “à decisão principal seguem-se inúmeras outras que têm por objetivo resolver problemas decorrentes da efetivação das decisões anteriores de modo a permitir a efetiva concretização do resultado visado pela decisão principal” (DIDIER JR, Fredie; ZANETI JR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro. Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 75, jan./mar. 2020, p. 123).
O STF tem realizado audiências nas quais foram ouvidas todas as partes, sejam os partidos autores, os diversos representantes dos Ministérios finalísticos e as instituições da sociedade civil. Nas audiências, aliás, todos os participantes mencionaram a importância de a decisão do STF, acima transcrita, ser plenamente executada.
Ninguém é proprietário exclusivo do dever de cuidar do meio ambiente, conforme Pacto recentemente celebrado no Palácio do Planalto pelos Presidentes da República, do Senado, da Câmara e do Supremo Tribunal Federal. Cada um é convocado a fazer seu papel, com mais efetividade e menos debates inúteis. Estes – os debates inúteis – ajudam os degradadores do meio ambiente e alimentam os incêndios. Certamente não é hora de “fogueira de vaidades”. Um Poder controlar o outro é da essência da Democracia. O resto é pura e irresponsável pirotecnia.
Por: 247