Primeiro pelotão feminino foi formado em 1982, quase no fim da Ditadura Militar. Hoje, elas são mais de 5 mil e representam 12% do efetivo.
Por Thaís Espírito Santo, g1 Rio
Criada há mais de dois séculos, a Polícia Militar do Rio de Janeiro sempre foi formada por homens. A situação só foi mudar em 1982, quase no fim da Ditadura Militar, quando 158 mulheres entraram para a corporação no 1º pelotão feminino. Atualmente, o quadro é outro: mais de 5 mil mulheres integram a PM do RJ.
Dos primeiros cargos aos mais altos, rostos femininos passaram a ser muito mais comuns na polícia, e diferenças passaram a ser sentidas em quatro décadas. Assim como a sociedade, a PM também precisou enfrentar o sexismo e o machismo para avançar.
“Observamos o quanto avançamos em pouco mais de 40 anos em uma instituição nascida no século XIX e que só nos abriu as portas nos idos da década de 1980. Mesmo compreendendo os desafios da condição feminina em áreas consideradas socialmente como de perfil masculino, vejo com otimismo e entusiasmo nossas perspectivas de espaço e atuação na PM”, destaca a porta-voz da PM, a tenente-coronel Cláudia Moraes.
Durante essas quatro décadas, o efetivo feminino aumentou mais de 30 vezes. A partir dos anos 2000, mulheres puderam passar a chefiar equipes, uma vez que tinham tempo de casa suficiente para subir para as patentes necessárias. Ainda assim, são cerca de 30 comandantes mulheres, mas apenas quatro estão em unidades operacionais.
Coronel Cláudia Moraes — Foto: Reprodução
“No ano de 2000, oficiais femininas da primeira turma do Curso de Formação de Oficiais da PM que ingressaram no ano de 1983 já ocupavam o posto de major, ou seja, já eram oficiais superiores, portanto, em condições de ocupar posições de liderança e comando na PM. E, a partir daí, começamos a ver os primeiros comandos de unidades operacionais e administrativas ocupados por mulheres”, explica a coronel, que está há 24 anos na PM e hoje atua à frente do setor de comunicação.
Mesmo com todos os avanços, a presença feminina ainda não é sentida em peso nas unidades de elitec, como o Batalhão de Operações Especiais (Bope), que não tem mulheres.
Segundo a coronel Moraes, há policiais formadas em cursos operacionais do Batalhão de Ação com Cães (BAC), do Batalhão de Rondas Especiais e Controle de Multidão (Recom), do BPChoque e do Grupamento Aeromóvel (GAM) que, inclusive, já foi comandado por uma oficial-piloto de helicóptero, a coronel Clarisse Antunes Barros.
Nas últimas décadas, a sociedade passou a questionar e enfrentar mais o machismo e, com isso, a luta feminista foi endossada e mais destacada até mesmo dentro do Congresso.
Uma das frases políticas que ganhou fama com o movimento foi: “Lugar de mulher é onde ela quiser”. Foi com esse pensamento que a coronel Andreia Ferreira se inspirou no pai que era sargento e fez a prova para entrar para a PM há 32 anos.
“Eu queria muito ser militar e meu pai me apoiava. Foi assim que eu entrei e tive a honra de comandar algumas unidades até aqui, fui a primeira diretora mulher da unidade prisional da PM e hoje sou comandante no 25º BPM. Serviço e comprometimento não têm gênero”, destaca a oficial.
Coronel Andreia Ferreira — Foto: Reprodução
As mulheres que hoje estão em postos de comando dizem que muitas vezes se viram sendo as únicas ou primeiras mulheres nos ambientes.
“Na época, no batalhão de Itaboraí, só tinha eu e mais uma mulher sargento. No 12º, só tinha eu, no batalhão seguinte também. Quando fui convidada para ser a comandante da UPP, só tinha eu de mulher lá”, conta a coronel Priscilla Oliveira, que por anos comandou, na linha de frente, as Unidades de Polícia Pacificadora, que atuavam em diversas favelas do RJ.
A coronel Priscilla entrou para a corporação há 26 anos. Em 2012, ela foi homenageada com o Prêmio Internacional Mulheres de Coragem, na Casa Branca, nos Estados Unidos.
Ela cita que, para alcançar tudo que almejava na carreira, muitas vezes precisou renunciar à vida pessoal, mas que se realiza ao ver a polícia que tem ajudado a construir.
“Desde que eu entrei para a corporação, eu sempre quis assistir a polícia acontecer, eu queria fazer parte da polícia que faz acontecer. Na verdade, quero olhar para trás e ver que deixamos pessoas estimuladas a manter o espaço das mulheres na corporação, porque quase em todas as unidades que eu estive eu era a primeira ou única mulher”, destaca ela.
Pricilla de Oliveira Azevedo, primeira mulher a comandar uma UPP no Rio de Janeiro, é homenageada nos EUA — Foto: Alex Wong/Getty Images/AFP
Vida profissional x pessoal
Entre desafiar o preconceito e ocupar espaços, as policiais têm ainda de encontrar o equilíbrio entre carreira e família, uma vez que muitas são mães.
É o caso da coronel Daniele Farias, que está há 26 anos na corporação e coordenou o esquema de segurança do último réveillon de Copacabana. No comando do 19º BPM (Copacabana), ela tinha um efetivo de 3 mil policiais distribuídos no policiamento do evento.
“Meu maior desafio na corporação, certamente foi o réveillon. Graças a muito trabalho foi um sucesso e elogiado por moradores”, comenta ela, que considera muito importante ter mulheres nos postos de comando.
“É muito positivo a presença de lideranças femininas serem normalizadas, precisamos disso”.
Coronel Daniele Farias — Foto: Reprodução
Para a coronel Cláudia, comprometimento é uma palavra que pode definir o trabalho das mulheres até aqui.
“É importante fugir das visões estereotipadas de que as mulheres vêm para ‘humanizar’ ou ‘embelezar’ a instituição. É inegável que há diferenças entre homens e mulheres, mas aspectos como competência e profissionalismo devem vir em primeiro lugar”, enfatiza a porta-voz.
Um exemplo é o Programa Patrulha Maria da Penha, que acompanha vítimas de violência doméstica. Mulheres representam 47% do efetivo da patrulha, e a presença expressiva muitas vezes influencia no acolhimento das vítimas, que se sentem mais à vontade com mulheres.
No entanto, não são todas as esferas que acolhem de primeira a expansão da liderança feminina na corporação. Muitas vezes, as comandantes precisam “mostrar serviço” e provar que mulheres são capazes de realizar as mesmas funções que homens.
“Temos barreiras a serem vencidas sim, como por exemplo o pensamento de que a força está atrelada à visão masculina. O batalhão de Cabo Frio nunca tinha sido comandado por uma mulher. Então tem essa expectativa de ‘agora que é uma mulher, como vai ser?’. Mas isso não incapacita nosso trabalho, só me dá mais vontade de batalhar e trabalhar”, comenta a coronel Andreia
“A cobrança em cima das mulheres é maior, o tempo todo estamos provando que somos capazes e que podemos fazer melhor ainda. Não só na PM, mas em outros órgãos também, o tempo todo temos que provar capacidade, mesmo com os históricos nas carreiras”, emenda a policial.
“Representar o público feminino demonstra sempre que mulheres podem estar onde elas quiserem, mas eu não estou sozinha aqui. Estou aqui graças às pioneiras que em 1982 aceitaram a missão e todas as outras que vieram depois e ajudaram a pavimentar a história e trajetória”, completa.
Mesmo tendo aumentado em mais de 30 vezes o seu efetivo feminino, a Polícia Militar pretende que mais mulheres continuem ingressando na corporação. Para a coronel Cláudia, ainda é baixa a presença de mulheres na área da segurança pública.
“Esses mais de 40 anos de presença de mulheres no estado do Rio de Janeiro têm mostrado o quanto as mulheres podem e são capazes de atuar no segmento. E na PMERJ, que lida com diferentes tipos de problemas recorrentes e complexos, e que também precisa se adaptar às mudanças de padrão de criminalidade no qual as mulheres infelizmente também vêm aumentando sua participação, contar com mulheres nos quadros da instituição é fundamental e estratégico”, destaca.